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Estado de Minas entrevista/Virgílio Antônio Rodrigues de Andrade - 37 anos, fashion designer e pesquisador de moda

Moda na veia

Fisgado pelo slow fashion, estilista investe em coleções autorais para sua marca Virgílio


28/03/2021 04:00

(foto: divulgação)
(foto: divulgação)


Fortemente inspirado por uma estética glamourosa e pelo rigor dos ateliês, o mineiro Virgílio Andrade, que é graduado em design de moda pela Fumec, decidiu fazer carreira em São Paulo, logo depois de formado, em 2010. Encontrou abrigo na marca Samuel Cirnansck, na qual aprendeu os segredos da haute couture.
 
Enquanto se dividia prestando serviços para marcas desejadas pela elite paulistana e, ao mesmo tempo, para as empresas do Bairro Bom Retiro, lançou label própria, a Virgílio Couture, em que mixava o universo da alta-costura e códigos da moda festa com elementos do streetwear. O estilo, nomeado por ele de “street-festa”, marcou presença nos desfiles da Casa dos Criadores, evento voltado para as pequenas marcas e estilistas autorais, do qual participou algumas temporadas, em São Paulo.
 
De volta a Belo Horizonte, cinco anos depois, para atuar como estilista free-lancer no mercado mineiro, continuou com o projeto paralelo e levou a Virgílio Couture para participar do estande coletivo do Ready to Go, no salão de negócios do Minas Trend. Logo na primeira edição, ficou com o segundo lugar no concurso, com direito, inclusive, de mostrar, na sequência, seu trabalho em estande próprio e na passarela do evento.
 
No decorrer da história, Virgílio foi fisgado por novas ideias, adotando o slow fashion, o desenvolvimento sob medida e princípios da sustentabilidade, como o up cycling, o aproveitamento de refugos têxteis, estamparia artesanal, em coleções pequenas com peças únicas e atemporais. 
 
A marca foi rebatizada como Virgílio. Uma nova cápsula foi lançada, recentemente, com uma campanha que teve como locação o Centro da cidade, mesclando prédios antigos e novos e detalhes das placas, faixas de pedestres, sinalizações e ângulos inspirados na ferramenta street view do Google Maps.
 
Virgílio Andrade faz parte da nova geração de fashion designers belo-horizontinos que são apaixonados pela profissão. Movido pela pesquisa de moda e por mais conhecimentos, começará, em abril, uma pós-graduação em design de produtos de moda no Senai Cetiqt do Rio de Janeiro.
 
Você vem do interior. Como chegou à moda?
Vim do interior, de Patos de Minas, para fazer o segundo grau e faculdade em Belo Horizonte. Minha família é de classe média, tinha pais professores, mas sempre tivemos todo o suporte dos meus avós e tios. Terminando os estudos, eu queria fazer artes cênicas, mas dentro das artes cênicas descobri o figurino e a performance. Experimentei a performance, utilizando como suporte das minhas criações meu próprio corpo, participei de exposições em galerias, e foi a partir daí que vi que minha essência era na moda, na construção de roupas e na criação de imagens.

No início, você flertava com uma moda mais couture, glamourosa, mas com uma pegada vanguardista. De onde veio essa veia?
Eu me formei em 2010 aqui em Belo Horizonte e fui morar em São Paulo, onde tive a oportunidade de trabalhar em um ateliê de alta-costura. Lá aprendi todos os processos do desenvolvimento sob medida, desde tirar as medidas, passando por construção em moulage, até provas de roupa. Aprendi também detalhes de costura, acabamento, bordados e a manusear tecidos de seda e rendas francesas. Em 2012, criei minha marca, a Virgílio Couture, em que uni o universo da alta-costura e códigos da moda festa com elementos do streetwear, criando assim a moda que nomeei de street-festa.

Trabalhou para outras empresas na capital paulista?
Trabalhei tanto para Samuel Cirnansck, da área de alta-costura, quanto para marcas que produzem o fast fashion brasileiro, no Bom Retiro. Voltei para Belo Horizonte, no final de 2015, com propostas para trabalhar como free-lancer. Aqui, passei pela Victor Dzenk, M.Rodarte, Village Condotti, entre outras. Agora estou na Strass.

Como levou a Virgílio Couture para desfilar na Casa dos Criadores, em São Paulo?
Participei de uma seletiva e consegui entrar para o line up oficial da Casa de Criadores, evento nacional que existe em São Paulo até hoje e é dedicado à moda autoral e, como o nome diz, a novos criadores. Desfilei lá durante quatro temporadas. Senti, depois desse tempo, a necessidade de viabilizar o produto, deixando-o com um viés mais comercial, sem perder a essência e seu DNA. Foi assim que entrei para o Minas Trend por meio do projeto Ready to Go, que tinha a curadoria da Tereza Santos. Consegui ficar em segundo lugar no concurso, ganhando mais visibilidade com os buyers e lojistas.

Na sequência, você chegou a ter estande próprio no Minas Trend. Qual foi a 
importância do concurso na sua carreira?
Para se ter ideia, com o resultado do Ready to Go, a marca conseguiu entrar em mais de 20 pontos de venda, sempre em lojas com mix de produtos premium e voltados para moda festa. A visibilidade foi muito importante para meu crescimento como profissional também. Fazer roupas e sentir as pessoas tendo desejo pelo que você cria é algo que me motiva e me dá combustível para sempre pesquisar e entregar um produto inovador e belo.

A Virgílio Couture participou, inclusive, de um desfile solo no Minas Trend com uma bela apresentação, mas o resultado comercial foi aquém. Depois disso, o que mudou na sua marca?
Com a coleção Tropical Punk senti uma maturidade como profissional para desenvolver uma coleção, pensar no mix de produtos e nessa imagem de criação de desejo. Fiquei muito feliz com o resultado final, que foi construído em cima de muito trabalho coletivo e parcerias. Porém, senti que o lojista talvez não tenha entendido muito a proposta. Foi, então, que percebi que não precisava ficar preso a um calendário, que atende basicamente às marcas grandes e que têm um poder de capital muito grande. Minha moda, agora, é autoral e pequena, mas grandiosa em inovação. Com a pandemia, até as grandes marcas internacionais estão se libertando desses modelos, e cada uma está redescobrindo o melhor formato para seu público.

E como está indo este trabalho autoral?
Ele está todo focado no meu ateliê-casa, onde desenvolvo modelagens novas. Faço também muito reaproveitamento de modelagens, pois é um dinheiro que fica parado e precisa ser usado, não pode ter uma vida útil para vestir uma pessoa ou só para uma coleção. Depois disso, eu mesmo corto, arremato, passo, embalo e entrego para as clientes. Só a costura fica a cargo da querida Tonha, que tem muita paciência e carinho para costurar peças com um grau de dificuldade alto e com vários detalhes. A costura da minha roupa precisa ser feita por quem ama costurar, pois é uma roupa complexa.

Você tem usado muito a reciclagem, não é?
A reciclagem faz parte da minha preocupação desde os tempos de faculdade, me encanta muito o refugo têxtil e as possibilidades que ele nos dá de inovar, de construir peças únicas e com memória. Neste momento em que não tenho a necessidade de fazer um modelo em série, voltei o olhar para meu estoque de tecido. Estou utilizando-o para desenvolver uma coleção cápsula com peças únicas mescladas com as que são produzidas por demanda. Mas, no final, até essas têm sua individualidade, uma nunca sai igual à outra, devido a detalhes como, por exemplo, pequenos bordados e acabamentos manuais exclusivos.

Quem é a mulher que veste sua roupa?
Acredito que seja uma mulher que não é vítima da moda e que se alia a ela para construir seu guarda-roupa de acordo com sua identidade. Mas meus desenvolvimentos vão além do gênero, são desenvolvidos para todos.

O que há de novidades na atual coleção? 
A coleção cápsula 01-2021 será a primeira que farei este ano e terá 15 modelos com peças exclusivas, pois, como já expliquei, alguns dos tecidos não estão mais à venda. Ela contém também as peças criadas sob demanda. No mix de produtos, temos vestidos fluidos unidos a uma camisaria estruturada oversize na tricoline, com estampas exclusivas desenvolvidas por mim através de colagem manual e, depois, retrabalhadas di- gitalmente. Usei também a serigrafia, que é um processo mais manual, aliada à estamparia digital. Utilizei uma tinta no silk que dá um aspecto de emborrachado e com textura. As peças são em tamanho único e podem ser ajustadas a cada corpo e gênero. Alguns detalhes manuais, como bordados de linha e aplicações, dão o toque final, trazendo especificidade e particularidade.

Como foi a campanha de lançamento?
A locação escolhida foi o Centro de BH, tendo os prédios antigos aliados aos novos e essa estética de metrópole mexendo com o imaginário coletivo e com o sonho que temos de, um dia, podermos ocupar esse espaço e as ruas novamente. Detalhes das placas, faixa de pedestres e sinalizações entraram no enquadramento das fotos, feitas pelo fotógrafo Henrique Gualtieri e o ângulo foi inspirado na ferramenta street view do Google Maps. Quem me ajudou a construir toda a imagem foi o stylist Juliano Sá, amigo e parceiro de muitas coleções. Rodrigo Caetano assina a beleza.

Como comercializa seus produtos dentro da filosofia de slow fashion?
As coleções e peças são apresentadas para o consumidor final tanto no Instagram da marca quanto no meu pessoal e de lá começam a brotar os interesses e perguntas. Dou muita atenção para todas as pessoas e de lá surgem os pedidos sob medida e por demanda.

E o trabalho como estilista de outras marcas? Como você concilia isso?
Trabalho como free-lancer para outras marcas. No momento, estou na equipe de estilo da Strass, numa troca muito valiosa e de grandes frutos. A pesquisa é feita no meu ateliê, em casa. Desenvolvo as apresentações de pesquisa de tendências, possibilidades de shapes e estampas, as fichas técnicas e, a cada semana, chego munido de informações para apresentar para a CEO e a coordenadora de estilo Ana Paula, que tem uma sensibilidade ímpar. Acompanho as provas de roupas e contatos com o comercial fazendo essa ponte, que acho muito importante, para que possamos passar todos os detalhes e argumentos para a equipe de vendas.

Como a pandemia tem influenciado o trabalho de criação nas empresas?
Temos que ter pé no chão e uma assertividade muito grande, não é o momento para errar. O produto e os anseios mudaram, por isso precisamos pesquisar ainda mais o comportamento do público-alvo. Hoje, uma peça casual pode ser levada a comemorações, dependendo dos acessórios que você usar. A roupa ficou mais democrática, atemporal e com um tempo útil bem maior.

Quem inspira você? 
Os estilistas vanguardistas de todas as gerações me inspiram muito, profissionais que não têm medo de combinar estampas, cores e texturas. Para mim, tudo é possível se estiver esteticamente belo para quem vê. O cinema, arte, portais de moda, leituras específicas e o cotidiano são as ferramentas que utilizo para me abastecer de ideias e, assim, materializar um produto em que acredito.

Você acha que, após a pandemia, a moda festa vai ressurgir poderosa? Ou a casualidade e o conforto vão continuar imperando?
Acredito que o conforto estará acima de tudo, mas o conforto é muito relativo e individual, assim como os gostos. Acho que vale tudo, vai depender de pessoa para pessoa e do que ela quer usar. Como pontuei, acredito que a peça precisa ser versátil e para a vida toda, ficou demodê pensar que uma roupa será utilizada só uma vez. Até o rico mudou esse pensamento, pois neste momento ninguém quer ficar “rasgando dinheiro”.

Para onde a moda caminha neste momento tão incerto em que a vida social está restrita?
Caminha para seu autoconhecimento, para a sua verdade, acredito que só quem for verdadeiro com seus instintos e desejos continuará no mercado. A cópia por cópia não funciona mais, porque as pessoas estão cansadas, elas querem autenticidade. O consumidor está cada vez mais exigente e tem nas mãos ferramentas por meio das quais se alimenta de muita informação.

Você fará parte da primeira diretoria da A.Criem, a nova associação de estilistas mineiros. Como vê essa iniciativa?
Sou um dos suplentes do conselho fiscal, estou muito feliz com o convite. Como profissional free-lancer, ficava muito sem um “porto seguro”. Os estilistas terão, agora, uma associação para dividir todos nossos anseios, vivências, experiências e dúvidas.

Na sua opinião, qual a principal vantagem da instituição?
Acredito que uma das vantagens é poder ter um suporte como profissionais free-lancers ou CLT. E construir juntos benefícios, como um plano de saúde, contratar ferramentas de pesquisas internacionais, e por aí vai...

Se não fosse estilista, com que trabalharia?
Alguma profissão que precisasse utilizar as mãos e a imaginação. Acredito que seria um bom artesão ou artista plástico. Mas confesso que não me vejo fazendo outra coisa, tenho muito orgulho e sou muito realizado com meus caminhos e profissão.

Quem o incentivou a seguir em frente nos momentos de incerteza?
Minha querida mãe, que era meu porto seguro e alicerce. Ela foi a principal incentivadora, depois vieram meus tios e padrinhos, irmãos dela, que nos deram todo o suporte financeiro, pagaram meus estudos e nos ajudaram nas horas mais difíceis.

Quais são seus sonhos como estilista?
Ser reconhecido financeiramente e ter uma vida financeira mais estável. Tenho o desejo também de, um dia, estar ligado a uma marca em que possa me entregar de corpo e alma, trabalhando todos os dias da semana. Mas, paralelo a isso, penso muito em ter uma estrutura maior para eu construir o que realmente acredito. 


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