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Estado de Minas entrevista/Patrícia Motta - 50 anos, empresária e estilista

Artista do couro

Determinada e sonhadora, a estilista que desde pequena desejava ter uma marca reconhecida conseguiu realizar seu desejo com muita criatividade e qualidade


21/02/2021 04:00


 
Quem disse que sonhar e perseguir seus sonhos não leva a nada está redondamente enganado. Prova viva disso é a estilista Patrícia Motta, que desde criança dizia que seria estilista, teria uma marca reconhecida e uma loja bacana. Ela conquistou tudo isso. Teve não apenas uma loja bacana, mas várias, mas optou por reduzir o tamanho da empresa para se dedicar mais ao contato com os clientes, coisa que ama fazer. Ela começou cedo por necessidade. Determinada, não desistiu e contou com o apoio da mãe. Casou-se cedo, tem dois filhos e um deles também começou a trabalhar aos 16 anos, como ela. Não abre mão de seus princípios, e é pautada pela verdade e por sua fé incondicional em Deus.
 

" Meu propósito é fazer uma coleção bem-feita, com qualidade, e ter contato com o cliente. Se você cresce muito, perde a essência, e aí vem o momento da escolha"

 
 
Como foi sua infância? 
Nasci em Contagem. Sou a mais velha de três irmãs. Sempre fui muito extrovertida, criativa, gostava de liderar as pessoas. A família Motta é toda de artistas e muito ligada à moda. Meu tio-avô Jacinto Motta foi um alfaiate muito respeitado em sua cidade. Eduardo Motta, estilista, que trabalhou muito tempo na Zen, escreveu livros, tem um site de moda, é meu primo. Desde pequena, sempre quis ser estilista, ter uma loja muito bacana e uma marca reco- nhecida. Quando era criança, brincava de fazer desfile. Pegava as coisas que a minha mãe tinha, enrolava tecidos no corpo – depois de muito tempo entendi que isso era moulage –, treinava as minhas amigas. Isso me acompanhou. Já fui professora de balé de crianças, então treinava as alunas para desfilar e colocava os pais para assistir.

Quando começou, quem costurava?
Minha mãe sempre soube costurar, ela é quem fazia as modelagens para mim. Ela entende muito de costura. Como disse, toda a família é do ramo. E eu tinha uma costureira

Como foi essa paixão pelo couro?
Sempre gostei de couro, desde pequena. As peças que a minha mãe tinha em couro me seduziam.

Você devia gostar muito das coisas do saudoso Joaquim Nogueira.
Nossa, amava, o trabalho dele era lindo. Uma vez, dei uma entrevista para uma revista e falei dele, do tanto que admirava as roupas que ele criava. Ele tinha uma loja na Savassi, eu era muito nova ainda e passava na frente, parava e ficava namorando a vitrine, encantada com as peças. Ele já estava morando em Trancoso ou Porto Seguro, não me lembro ao certo, alguém levou a revista para ele ver e me contou depois que ele até chorou por alguém ter se lembrado dele depois de tanto tempo. Achava o trabalho dele o máximo, foi o primeiro estilista que começou a fazer trabalho no couro com estilo. E é isso que me seduz. É criar fora da caixinha do couro.

Qual faculdade você fez?
Ia fazer moda, mas não fiz. Perdi meu pai quando tinha 16 anos. Ele morreu aos 44, de esclerose múltipla. Ficou três anos na cama. Foi um tempo muito difícil, e eu sou a filha mais velha, tive que escolher começar a trabalhar para ajudar a minha mãe, em vez de estudar. Minhas irmãs ainda eram muito novas. Foi exatamente na época que ia para a faculdade.

Onde foi trabalhar tão nova assim?
Fui trabalhar com moda, claro. Meu primeiro emprego foi na Equipage, com a Cláudia Mourão. Eu tinha 17 anos. Já era trabalho com couro. Era o auge da loja. Trabalhando lá, já tinha o projeto de começar a minha marca. Ali eu comecei a ter mais proximidade com o couro. De lá, fui trabalhar na Cândida Andrade, e foi quando tive mais acesso à produção e criação, porque depois que a Cândida se mudou para o Rio de Janeiro tive liberdade de dar palpite nos mo- delos. O Euclides e a Juliana passaram a cuidar da empresa aqui, e me deram essa oportunidade, e sou muito grata a eles. Mesmo trabalhando na loja, tive acesso à fábrica, e oportunidade de criar. Era muito gostoso. Sempre fui muito brincalhona, eu falava assim, “pode fazer desse jeito, se não vender eu como”. Ele fazia e vendia tudo.

Quando começou a produzir suas peças?
Nessa época, comecei com meu ateliê dentro de casa, lá em Contagem. Comecei no couro, nunca tive dificuldade. Com o meu primeiro salário de gerente na Cândida Andrade comprei uma jaqueta de couro para mim, que tenho até hoje, porque o couro não acaba se você cuidar dele. Quando comecei, não era uma matéria-prima com fácil acesso. Queria muito comprar o couro, mas as pessoas não vendiam pouca quantidade. Tinha um curtume chamado Brespel – hoje ele já fechou –, no interior da Bahia, perto de Salvador. Fui lá, conheci tudo, e o dono. Eu tinha uns 19 anos. Falei do meu sonho, ele riu e disse que me ajudaria, e começou a me vender pouquinho. Fiquei com eles até fecharem. Produzia em casa, trabalhava na loja e quando saía do trabalho vendia minhas peças no porta-malas do carro. Um dia, o Euclides disse que eu não podia fazer isso, então falei para ele me mandar embora, porque eu teria uma marca muito bacana. Disse que faria tudo para a empresa dele crescer – e fiz muito –, mas tinha meu propósito. Se não pudesse fazer assim, não poderia continuar trabalhando lá.

Sempre foi determinada?
Sempre. E gosto de falar a verdade. Não ia falar que não faria mais aquilo, porque seria mentira. Disse que continuaria. E é isso que ensino para os meus filhos, e o que fez muita diferença na minha vida, princípio que minha mãe plantou em mim: ser verdadeira com as coisas, com você mesma e com as pessoas, porque isso faz diferença. E foi o que eu disse para ele, porque queria ter a minha marca. Faria tudo para a empresa dele crescer. Ele concordou. Enquanto estive lá, trabalhei muito. Era uma loucura. E eu gosto de criar e gosto de pessoas e isso é um diferencial. Tenho muitas amigas estilistas que gostam de criar, mas não gostam do contato com as pessoas. É por isso que a base da minha criação é a mensagem, porque eu gosto de gente.

Quando saiu da sua casa e mudou o ateliê?
A casa já estava lotada de máquinas, que comprei em consórcio. Aluguei um apartamento em Belo Horizonte para a família, e a casa de Contagem virou a fábrica. Aluguei uma salinha na Savassi para vendas, minha irmã ficava lá. Pouco tempo depois, a Elisa Atheniense me chamou para dividir o espaço com ela na loja que tinha no tobogã da Contorno. Aceitei. Éramos nós duas e a Vanessa da Covenant, chamava Trois. Ficamos juntas uns três anos. Depois, aluguei uma casa no Barroca, próximo ao Gutierrez, e menos de três anos depois tinha uma loja no Gutierrez, outra no Diamond e aí foi.

Você já teve muitas lojas, há alguns anos decidiu reduzir isso. Por quê?
Ter seus objetivos, crescer e conquistar é muito bom, mas é sabedoria também não crescer mais. Fiz feiras internacionais, tive loja em todos os shoppings. Já fiz mil coisas, porque as oportunidades se abrem quando você faz um bom trabalho, mas chega um momento em que a gente para e revê qual é o seu propósito. Meu propósito é fazer uma coleção bem-feita, com qualidade, e ter contato com o cliente. Se você cresce muito, perde a essência, e aí vem o momento da escolha. Fiz a escolha de não perder a essência e o propósito. Você acha que vai perder financeiramente, e Deus surpreende você. Tenho vivido isso, e sou muito grata. Minha história com esta casa, por exemplo: sonhava há cinco anos em vir para este lugar, não podia por causa da lei. Mudou a lei e eu vim exatamente para cá. Fiz um investimento, consegui abrir em dezembro de 2019, e em março veio a pandemia e fechou tudo. Toda vez que entrava aqui dentro, era com tanta gratidão, que não senti medo em nenhum minuto. Não me faltou nada. Foi uma experiência muito forte. É impressionante como a gratidão blinda do medo. Impressionante. Me sinto assim neste lugar. Queria isso, e quero que este lugar gere grandes coisas.

Como conseguiu o couro tão macio e com variação de cores?
Quando comecei a ir aos curtumes, as melhores peles eram separadas para exportação. Eu questionava muito isso. Como eu comprava pouco, ele tirava da exportação e me vendia. Quando estava começando, conheci a loja de um italiano em São Paulo. Nessa época, cortava o couro na tesoura. Fui comprar couro lá, contei para ele, ele me deu um estilete de presente, me ensinou, igual professor. Fui aprendendo assim, e descobrindo as coisas desse jeito. Com relação às cores, hoje só mando os pantones para o curtume, mas antes eu ia lá e testava até conseguir o tom que eu queria. No desfile Unidade, eu queria textura de linho no couro e um camuflado do céu. Vi uma foto do Rio Amazonas em um livro e peguei essa foto como referência para conseguir as cores. Para conseguir a textura, fiquei com eles testando as ranhuras nas máquinas.

Como começou a introduzir crochê no couro?
Sempre gostei do hand made, então invento essas coisas há anos, e vou introduzindo nas coleções.

Qual a peça que é o seu xodó?
A saia Patricinha, que está completando 15 anos. Uma que conquistou meu coração recentemente é a saia Preciosa, que é rica, com um trabalho de recheliê. Também gosto muito da saia Unidade. Agora, na coleção Chance, fui buscar em quem dá uma chance para nós. Os advogados, e minha pesquisa me levou a uma série que tem muitas advogadas, que serviu de inspiração. Elas são elegantérrimas, e criei saias com modelagem lápis, que é bem diferente do shape que eu costumo fazer, que são saias mais rodadas.

Você cria independentemente de tendência?
Tenho até vergonha de falar, mas, sim, não sigo muito as tendências de moda, não assisto a muitos desfiles. Crio em cima do que vem no meu coração, e a partir daí faço a minha pesquisa. Hoje, já tenho uma trajetória, as pessoas já respeitam meu trabalho, por isso me sinto mais à vontade para falar assim, mas no início ficava constrangida quando me perguntavam isso.
Instintivamente sabe do que os clientes vão gostar?
Eu gosto de sentir as pessoas, a situação. A mensagem é o ponto de partida para a criação. Isso é muito forte.

Você sempre pega um versículo para ser inspiração da coleção. Quando isso começou?
Eu pego a mensagem que eu quero passar. A partir da mensagem, eu pesquiso o versículo bíblico, e daí eu sigo. Por exemplo, a coleção Cura foi inspirada em um período em que minha mãe estava doente. Na pesquisa, descobri os alimentos que curam, e cheguei no coentro, que é usado no tratamento do câncer, achei as flores do coentro e em cima delas criei um bordado maravilhoso. A coleção Propósito me remeteu à aliança, que é um círculo, e todos os movimentos da coleção foram em círculo.

Os nomes das coleções se conectam?
Por incrível que pareça, antes não, mas desde a coleção Cura, sim. A Cura vem com propósito de resgatar a chance para a colheita. Mas tudo é Deus quem guia, porque eu achei que esta coleção que estamos criando agora fosse a colheita, estava tudo encaminhado, e aí mudou tudo. Assim que entrei na loja, quando voltei de Trancoso, veio no meu coração, não é hora da colheita, agora é a chance, a colheita será a próxima. Não foi nada planejado, mas deu certo. Porque quando as coisas parecem muito difíceis, é uma chance que nós temos. Chamei a equipe e mudamos tudo. Quando eu perdi meu pai daquele jeito, foi uma chance que Deus me deu, então eu sou grata. Tudo depende de como vemos o que acontece conosco. Eu sou otimista, e prefiro olhar as coisas com os olhos da fé, isso é muito bom.

Você disse que gosta de criar fora da caixinha, no couro. Isso foi desde o início?
Foi. Comecei fazendo uma blusa, tipo regatinha, com decote canoa, cavadinha, com uma abertura na lateral, a BL01. Tem cliente que tem ela até hoje. O que eu menos vendo é jaqueta. Estou perguntando aos lojistas qual a peça Patrícia Motta que mais vendem, pela ordem: vestido, saia, jaqueta, calça. Todas respondem que as peças mais vendidas são as saias. Eu brinco muito que eu nasci de saia. Qualquer modelo de saia que você falar na vida, eu já fiz. Agora, estou começando a fazer araras com todas as peças que já criei. Vou montar um portfólio das peças clássicas, eternas, todo no preto, e deixar aqui em exposição. As clientes chegam aqui, olham e sempre se lembram de algum vestido ou saia que não estão ali. Esse trabalho começou na coleção Resgate.

Você ainda tem muitas peças que são hand made?
Tenho, e não abro mão disso. Um dia, o Moisés, um artesão que trabalha comigo há 20 anos falou: “Não vai deixar de dar serviço para mim não né?”. Eu respondi: “ Imagina, Moisés, eu nunca vou deixar de dar  serviço para você!”. Ele é quem faz a saia Pratricinha, que está completando 15 anos. Ela era mais longa, e é toda recortada, quase uma renda no couro. Ele disse que ia fazê-la com tanto amor que venderia uma enormidade. Disse um número tão alto, para falar a verdade eu nem lembro, mas era uma quantidade absurda. Eu só falei “glória a Deus, Moisés, eu vou vender, eu recebo essa bênção”. O tempo passou, a saia não para de vender. Depois ela se tornou mais curta porque teve uma cliente muito querida, a Adriana Abras, que queria muito a saia, mas não servia nela. Resolvi a questão e a saia caiu como luva. Ela pulou de alegria. Aí eu fiz uma nessa modelagem para ela, e batizei a saia de Patricinha por causa da marca infantil. A Adriana tem uma coleção desse modelo, tem um arco-íris dela. A saia deslanchou. Até hoje é o Moisés quem faz, e a cada coleção ela vem com um desenho diferente, respeitando a modelagem, que é a paixão das clientes.

As clientes colecionam suas roupas?
Tem muitas que colecionam. Como o couro é eterno, você sabendo cuidar ele dura o resto da vida, as peças que elas gostam, que veste bem, compram uma de cada cor. No segundo semestre, faremos uma comemoração dos 25 anos da marca, no lançamento da coleção Colheita, e quero ter a oportunidade de conversar com as clientes para elas contarem suas histórias com a marca. Vou pedir as peças das clientes emprestadas, porque quero fazer uma homenagem, e mostrar a nossa história de moda, criação e relacionamento com clientes queridas, fiéis e que amam nossa roupa.

Como cuidar de uma roupa de couro?
Você tem que colocar para respirar sempre; tem que hidratar sempre, passando um hidratante neutro; nunca pode guardar no plástico. Mas o mais importante é sempre colocar para respirar, é pele, tem que respirar, não pode deixar fechado, não pode deixar no plástico, não pode dobrar. 


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