Móveis e objetos de decoração milimetricamente posicionados nos ambientes, com cores e texturas originais. Não se engane, nada do que se vê é real. Em ano de pandemia, a tecnologia se torna aliada da mostra de arquitetura e design Modernos Eternos, que ousou promover uma edição 100% digital. O público é convidado a fazer um tour virtual pela casa, no Bairro Mangabeiras, em Belo Horizonte, através de imagens em 3D, que reproduzem com perfeição os projetos feitos pelos profissionais, sem sair de casa. O conteúdo ficará permanentemente no ar.
A mostra deste ano já teria formato híbrido, com ambientes montados fisicamente e reproduzidos em um tour virtual. “Desde a primeira edição, faço um catálogo virtual, mas queria dar um segundo passo de poder disponibilizar o conteúdo para que as pessoas acessassem de onde estivessem. Além disso, achava bom deixar um registro depois que a mostra acabasse”, comenta a realizadora e curadora Josette Davis. Com a pandemia, o conteúdo on-line ganhou outro significado.
Os detalhes do imóvel, incluindo maçanetas, teto e esquadrias, foram digitalizados e os profissionais receberam a planta do ambiente por e-mail. Todos trabalharam sem sair de casa, desenvolvendo o projeto apenas com as imagens em 3D de móveis, adornos e revestimentos. “Toda a equipe ousou junto com a gente e aprendeu muito. O nível de realidade da modelagem está perfeito, você pensa que é foto do ambiente físico.”
No site, os visitantes fazem um tour virtual de 360º, que mostra do teto ao chão, em 39 ambientes projetados por 59 profissionais, com descritivo e informação sobre os objetos que estão à venda. “Se você gostou de uma cadeira, por exemplo, clica para ver quem é o fabricante, as medidas, e já pode ir direto para o carrinho de compras. O nosso site manda um alerta para o profissional e o fornecedor avisando que aquela pessoa vai querer comprar o produto exposto”, explica.
Além de facilitar o processo de compra, Josette observa que a mostra digital permite ousadias, como convidar dois profissionais para transformar o mesmo espaço. “O pilotis da casa pode ser visto como bar e espaço gourmet, projetos com leituras completamente diferentes.” Fora isso, já que não dava para visitar a casa, arquitetos e designers não necessariamente precisavam estar em BH. Myrna Porcaro trabalhou de Miami, André Motta estava na Islândia e Alexandre Bianco no Rio de Janeiro.
Bianco assina um dos projetos para o hall social da casa, batizado de À primeira vista. “Explorei a questão do olhar de forma lúdica. Quando você entra em um ambiente como este, se preocupa com o momento do encontro, então ajeita a roupa, endireita o cabelo, dá uma mexida no batom.” O arquiteto carioca trabalhou com elementos circulares, como as luminárias, e escolheu colocar na parede uma pintura do artista mineiro Leo Brizola, que pode ser interpretada como uma sereia olhando pela janela.
O móvel em destaque tem várias pequenas gavetas, lembrando um escaninho de prédio, para deixar uma carta ou recado. Mas lá elas são ocupadas por plantas. O arquiteto se inspirou em uma frase de Clarice Lispector (“Não desperdice mais sementes, plante em novos campos”) para preencher o ambiente com verde. A poltrona é símbolo de acolhimento para os visitantes da casa. “O hall tem uma importância grande por ser um retrato de quem habita a casa, um prenúncio do que está por vir na parte interna.”
A sala da casa se transformou no Lounge modernista pelo olhar da arquiteta Fernanda Ferreira. Os dois ambientes (estar e jantar) estão totalmente integrados. “Na pandemia, as pessoas se voltam para a casa e receber em casa se torna muito mais presente do que sair para jantar. Criei um ambiente que propiciasse este momento de receber as pessoas e cozinhar, em que tudo está conectado.”
Na área de estar, Fernanda trabalha com poltronas de designers importantes do modernismo, período que coincide com a época de construção da casa. São eles Sérgio Rodrigues e Jorge Zalszupin. “Em contraste com as referências modernistas, coloquei um sofá mais contemporâneo e uma mesa de centro redonda, que é modular. Você pode brincar de colocar da forma como quiser, basta ir juntando os pinos.” O teto de madeira, original, ganhou placas na cor preta para receber as peças de iluminação.
CONTRASTE
Uma estante vazada de ferro e madeira divide os ambientes, sem formar uma barreira. O contraste do modernismo com a atualidade também se faz presente na sala de jantar, que tem conjunto de mesa e cadeiras da década de 1950 e balcão de corian (material plástico impermeável), que delimita a área da cozinha. Na parede, uma obra de arte pendente vermelha, que estava em outro canto da sala, fica ao lado de um jardim vertical. “O verde dentro dos espaços traz aconchego. Este ambiente, com vista maravilhosa para a Praça do Papa, ainda tem um jardim entre a janela e o espelho d'água.”
Uma estante vazada de ferro e madeira divide os ambientes, sem formar uma barreira. O contraste do modernismo com a atualidade também se faz presente na sala de jantar, que tem conjunto de mesa e cadeiras da década de 1950 e balcão de corian (material plástico impermeável), que delimita a área da cozinha. Na parede, uma obra de arte pendente vermelha, que estava em outro canto da sala, fica ao lado de um jardim vertical. “O verde dentro dos espaços traz aconchego. Este ambiente, com vista maravilhosa para a Praça do Papa, ainda tem um jardim entre a janela e o espelho d'água.”
Cássio Gontijo fugiu totalmente do que está acostumado para projetar uma suíte minimalista, mas muito impactante. Toda a sua criação partiu da obra Derrapagem, da artista gaúcha Regina Silveira, que inclusive dá nome ao ambiente. Ocupando uma parede inteira, a estampa reproduz marcas de pneu que ficam no asfalto depois de uma freada brusca. “É como se a nossa vida fosse uma grande derrapagem, ainda mais pelo momento que estamos vivendo. O coronavírus quase nos jogou no abismo”, reflete.
A neutralidade da mistura de preto e branco é quebrada pelo verde da cama italiana, feita em veludo de algodão. O arquiteto e decorador garante que o tecido não esquenta, é tão confortável quanto o linho. O ambiente conta ainda com um sofá redondo, um aparador suspenso de mármore carrara (emoldurando a televisão), uma escrivaninha e um closet bem compacto, tão minimalista quanto o projeto. “A suíte fica de frente para a Praça do Papa e tem uma varanda bem gostosa. Coloquei plantas que caem para dar aconchego, uma mesa-bar e duas cadeiras para ler revista ou tomar um drinque.”
Concreto aparente
Desde 2016, Josette Davis “namorava” a casa no Bairro Mangabeiras, que fica entre a Praça do Papa e a Serra do Curral. “Considero uma das mais belas casa de BH. Tem arquitetura do fim da década de 1970, seguindo o arrojo do brutalismo, mas de uma forma leve. Diria que é um cubo suspenso entre arcos de concreto aparente”, descreve a realizadora da Modernos Eternos, que nem acreditou quando conseguiu negociar a ocupação do imóvel no fim do ano passado.
Desde 2016, Josette Davis “namorava” a casa no Bairro Mangabeiras, que fica entre a Praça do Papa e a Serra do Curral. “Considero uma das mais belas casa de BH. Tem arquitetura do fim da década de 1970, seguindo o arrojo do brutalismo, mas de uma forma leve. Diria que é um cubo suspenso entre arcos de concreto aparente”, descreve a realizadora da Modernos Eternos, que nem acreditou quando conseguiu negociar a ocupação do imóvel no fim do ano passado.
Desenhada por William Ramos Abdalla, a casa recebeu o nome de Pouso Geométrico. O projeto surgiu a partir de um desejo da irmã do arquiteto, Leila Abdalla Geo, que sugeriu emoldurar o “mar” de montanhas avistado do terreno. Daí os arcos de concreto.
O estilo brutalista acabou por influenciar muitos profissionais. A área da piscina faz referência direta à construção. “Como a casa é de estilo brutalista, me inspirei no conceito de concreto aparente, mas de forma mais leve. Fiz uma caixa do lado contrário, recorrendo a uma nova maneira de se construir: através do aço”, explica a arquiteta e designer de interiores Ana Paula Massote Rohlfs.
A decoração deste lounge, que fica de frente para a piscina, segue a proposta da mostra, de unir o novo com o antigo. “A peça-chave é uma parede em adobe, muito utilizado na época colonial. Resgatei isso para mostrar que uma forma de construir tão arcaica pode virar decoração e trazer história para o ambiente.” O teto, todo com fibra sintética que lembra sisal, dá a ideia de forros antigos. O ambiente se divide em área de living, com destaque para a poltrona de balanço toda de corda, e a área gourmet, com pia, cooktop, geladeira e mesa com champanheira em uma das laterais. Segundo Ana Paula, o espaço como um todo representa o que tem sido os fim de semana das pessoas, um lugar agradável estar em casa com poucos amigos e parentes.
A piscina ganhou redes que, quando ocupadas, encostam um pouco na água, proporcionando momentos de relaxamento. De um lado, a arquiteta optou por fazer um espelho d’água com espreguiçadeiras e balanço com pedras embaixo para descanso. Do outro, um espaço com lareira. “Separei a água com um vidro especial e fiz uma lareira abaixo do nível da casa. Isso faz sentido porque o fogo fica menos suscetível ao vento.” No meio da piscina, uma chapa de aço toda recortada a laser com vidro faz as vezes de passarela, dando apoio à circulação.
Josette defende que a casa merece ser sentida, tateada, por isso planeja fazer a edição do ano que vem, ainda sem data, no mesmo lugar, ocupando fisicamente todos os espaços. O plano é consolidar a mostra no formato híbrido, levando para o virtual imagens geradas a partir dos ambientes já decorados.
Acesse a mostra pelo modernoseternosbh.com