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Doação ao próximo

Engenheira mecânica dá o exemplo e dedica a sua vida a ações de responsabilidade social


postado em 20/01/2019 05:08

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)



Angela Alvarenga nunca quis passar em branco pela vida. Há 50 anos, ela trouxe para Belo Horizonte um dos primeiros computadores do país e ajudou a revolucionar o mercado de processamento de dados. Ao longo da carreira, envolveu-se com vários serviços voluntários e participou da fundação da Rede Cidadã, que oferece treinamento para a população carente entrar no mercado de trabalho. Tudo sem receber um centavo. “Nada melhor do que viver e falar que pude contribuir para a vida de alguém”, comenta a engenheira mecânica, há 16 anos presidente da organização não governamental (ONG). Angela acompanha, orgulhosa, a ampliação do projeto Trabalho Novo, desenvolvido em parceria com a Prefeitura de São Paulo, para capacitar moradores de rua. Está previsto para março o início das atividades em Campinas e outras cidades do estado devem receber o treinamento ainda este ano.

 

Conte um pouco da sua história.
Sou filha de pai funcionário público e de mãe advogada que dava aulas de matemática. Fui a primeira mulher a me formar em engenharia mecânica na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Eram 100 alunos, e apenas eu de mulher. Sempre gostei de matemática – na minha família tem muitos engenheiros – e, enquanto estudava, dava aulas particulares para me preparar para o vestibular.

Como a senhora entrou para o mercado de computação?
Estava de férias na praia e encontrei com pessoas conhecidas. Uma delas me falou: estamos importando o primeiro computador, você tem interesse?. Isso era em 1969. Não tinha condição de pagar, mas quando voltei para Belo Horizonte, um tio me emprestou o dinheiro e abri a Engepel, primeiro bureau de processamento de dados da cidade. Fazíamos planejamento de obras e folhas de pagamento. Na época, o computador tinha 8k de memória. Hoje nem e-mail tem só isso. Logo recebi uma proposta de trabalhar na Datamec. Eles faziam a loteria esportiva e tinham faturamento garantido, mas só no fim de semana, durante a semana ficava tudo parado. Então, levei o meu know-how para lá e ampliei os negócios. Resolvi sair quando a empresa foi estatizada, em 1986. Não aguentei, porque o presidente era do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e não estava nem aí para os clientes. Pedi demissão e aceitei o convite da Montreal Construtura, do Rio de Janeiro, de montar do zero a Montreal Informática, em que estou até hoje. Fomos só crescendo e hoje a matriz da empresa fica em Belo Horizonte.

O trabalho voluntário sempre fez parte da sua vida?
Sempre me envolvi com responsabilidade social. Fui a primeira mulher presidente da Sociedade dos Usuários de Informática (Sucesu) em Minas Gerais, e a primeira a ser reeleita. Na época, trouxemos a primeira feira de informática para Belo Horizonte, que parou o trânsito. Improvisávamos nos estacionamentos dos shoppings e tudo dava certo. Depois me chamaram para participar da Associação dos Amigos do Museu Histórico Abílio Barreto (AAMHAB). BH ia fazer 100 anos e a missão era inaugurar o prédio moderno ao lado do antigo para criar um contraste. Como presidente, angariei fundos para a construção. O presidente da Usiminas falou comigo que, se o projeto fosse de estrutura metálica, doaria para o museu e o Veveco (o arquiteto Álvaro Hardy) acabou realizando um sonho.

Como a senhora se envolveu com a Rede Cidadã?
Fernando Alves, o fundador, soube que eu tinha um relacionamento bom com as empresas e me chamou para participar da ONG. Virei presidente voluntária.

Por que aceitou o convite?
Preciso doar uma parte minha sem ganhar nada. Cuido de toda a área financeira. Nada é comprado e ninguém recebe aumento sem passar pelas minhas mãos. Somos auditados e temos que prestar contas. Já o Fernando ficou com a área de desenvolvimento de metodologia. Ele é uma pessoa muito estudiosa, está sempre atualizado, por isso hoje a Rede Cidadã é muito acreditada no Brasil todo.

Como funciona o trabalho da ONG?
A Rede Cidadã é uma ONG que gera trabalho e renda. Já somamos quase 80 mil pessoas empregadas, desde o aprendiz, que vai dos 14 aos 24 anos, até o sênior, acima dos 60. Os norte-americanos empregam muitas pessoas acima de 60 anos e agora vemos várias empresas brasileiras com vagas abertas para essa turma. Eles são muito confiáveis e as empresas estão gostando muito.

O que a senhora leva de informática para esse trabalho?
Todos saem formados na área de informática. Se a pessoa não estiver por dentro de toda a tecnologia, não tem emprego.

No ano passado, a Rede Cidadã fez uma parceria com a Prefeitura de São Paulo para capacitar moradores de rua. Qual foi o resultado?
Chegamos a formar cinco mil moradores de rua e hoje metade deles continua trabalhando em lanchonete, call center, loja, restaurante e supermercado. O então prefeito João Doria organizava cafés da manhã com os donos das empresas e pedia vagas de emprego. Agora ele foi para o governo e quer levar o projeto Trabalho Novo para o estado todo. Vamos começar em Campinas a partir de março.

Por qual tipo de treinamento os moradores de rua passam?
É uma semana de formação de vários tipos, inclusive com psicólogos. Utilizamos, por exemplo, a terapia do renascimento para a pessoa se conhecer melhor através da respiração, e a biodança para promover a integração entre os participantes. O treinamento específico para a vaga é de responsabilidade da empresa que vai contratar.

O que a senhora achou de iniciativa semelhante da Prefeitura de Belo Horizonte, que criou no início do mês o Programa Estamos Juntos?
Pensamos em fazer o mesmo do Trabalho Novo em BH, mas não conseguimos. Procuramos a prefeitura várias vezes, oferecemos o trabalho para eles, fizemos várias reuniões, mas não fomos chamados. Nós temos experiência, mas não fomos consultados. Ficamos tristes, mas tudo é válido e torcemos para dar certo, porque isso é muito importante para a cidade. Estamos crescendo mais em São Paulo. Além de Campinas, o Doria quer continuar com o Trabalho Novo em outros lugares, mas a cidade precisa se estruturar primeiro. Tem que fazer a triagem dos moradores de rua, disponibilizar um local para o treinamento e procurar as empresas que podem oferecer as vagas de emprego.

Ainda existe resistência em contratar moradores de rua?
É importante dizer que não treinamos quem mexe com drogas, isso exigiria uma outra abordagem. Então, quando tem vaga, a empresa não recusa essas pessoas. Começamos também um trabalho com presos em Ribeirão das Neves. Oferecemos treinamento, vivências e conseguimos trabalho para eles nas empresas durante o dia. Quando o Mineirão estava sendo reformado para a Copa do Mundo, 30% dos trabalhadores eram detentos.

De que forma isso muda a vida das pessoas?
Quando ajudamos uma pessoa que não tem trabalho nem dinheiro, devolvemos a vida para ela. Essas pessoas passam a ter uma razão de viver. É impressionante ver como os aprendizes entram de um jeito e saem de outro. Vemos vários que cresceram na empresa e hoje são chefes de departamento.

Qual é a sua motivação para fazer esse trabalho?
Impedir a pessoa de ir para o lado da criminalidade, das drogas, e vê-la crescer, feliz, trabalhando. As oportunidades que damos são muito importantes, e isso é muito gratificante para todos nós.

Em 16 anos de Rede Cidadã, o que mais marcou a senhora?
No início, só uma empresa acreditava no trabalho e hoje são mais de 100. É muito bom saber que quase 80 mil pessoas que passaram por aqui estão trabalhando com carteira assinada, num país onde o emprego está cada vez mais difícil. Isso mostra que o trabalho vale a pena. A nossa festa de 15 anos também foi muito marcante, fizemos baile e tudo, e ouvimos um tanto de agradecimentos. Poucas ONGs sérias no Brasil conseguem sobreviver. Acabamos de alugar um prédio de seis andares em São Paulo. Lá, todo mundo está elogiando o nosso trabalho. Saímos de BH para um lugar de tanta concorrência, conquista melhor não existe. Em 2015, fizemos um trabalho com uma metodologia nova para lideranças e uma ONG de jovens de New Orleans está levando a nossa experiência para os Estados Unidos.

Quais são os planos para a Rede Cidadã?
Crescer o máximo que puder, sempre modernizando e criando novas metodologias para ajudar as pessoas.

Como crescer?
A forma mais fácil é não fechar as portas para ninguém, tanto quem quer doar quanto quem está em busca de emprego. Bateu na porta, deixamos entrar. Nunca podíamos imaginar que fôssemos trabalhar com moradores de rua, mas alguém nos procurou e ajudamos a criar o projeto. Da mesma forma, poderíamos imaginar que uma família doaria por 30 anos uma chácara em Itatiba, no interior de São Paulo? Lá, conseguimos instalar 48 pessoas e podemos fazer vários treinamentos. De modo geral, as empresas preferem assim, porque as pessoas ficam mais envolvidas com as atividades, a concentração é maior.

A senhora se imagina fazendo trabalho voluntário por muito tempo?
Nada melhor do que viver e falar que pude contribuir para a vida de alguém. O que puder ajudar, faço. Mesmo no dia a dia da empresa, já ajudamos um que não tinha casa, fizemos mutirão e reformamos a casa de outro. O mais importante para mim é poder ajudar o próximo e ver a vida daquela pessoa mudar totalmente. Faço por amor. Trabalho voluntário é assim, você tem que gostar de fazer.

O que a senhora ganha com isso?
Felicidade e a certeza de que não passei direto na vida. Deixei a minha marca. É uma sensação de missão cumprida.


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