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Estado de Minas

Desempenho pífio do Fies frusta estudantes da graduação

A crise do Fies levou milhares de brasileiros a interromper a graduação. Instituições particulares de ensino superior apresentaram propostas para reestruturar o programa


postado em 02/12/2018 06:00 / atualizado em 03/12/2018 16:13

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)


O pior desempenho na série histórica do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) significa também o sonho frustrado de milhares de brasileiros de fazer uma graduação. O impacto no número de alunos que deixaram as salas de aulas do ensino superior por não ter conseguido acesso ao programa ainda é desconhecido, mas o desempenho pífio do chamado Fies privado (P-Fies) evidencia que a solução para garantir o acesso da população à educação não passa pela transferência da responsabilidade constitucional do governo para agentes financeiros privados. As instituições particulares de ensino superior apresentaram uma proposta de reestruturação, que tem como objetivo o resgate do aspecto social do programa. A expectativa é que o governo de Jair Bolsonaro abrace as medidas e mude o cenário a partir de 2019.

A ideia é que a União financie 100% do valor das mensalidades. Hoje, o percentual mínimo é de 50%, mas os custos relativos aos outros 50% são considerados impedimento para grande parte da população. Do lado das instituições, a proposta é que elas ofertem ainda um desconto permanente nas mensalidades dos alunos beneficiados pelo Fies (percentual fixo a ser estabelecido junto aos gestores da política). Os estudantes também teriam participação nesse modelo: começariam a pagar o financiamento no mês subsequente à sua contratação, em percentuais inferiores aos que arcariam com a diferença entre o valor financiado e o custo da mensalidade.

Outra proposta é o financiamento de cursos na modalidade EAD, que atualmente não é contemplada. A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) ressalta que as mensalidades do ensino a distância são bem mais baixas, na comparação com os cursos presenciais, mas ainda inacessíveis para uma parcela significativa da população. A justificativa é de que a modalidade permitiria ao governo ter maior controle financeiro do programa, pois o risco de inadimplência é reduzido em virtude dos valores menores de financiamento.

O modelo atual foi sancionado no fim do ano passado pelo presidente Michel Temer, apostando em três modalidades diferentes. A primeira delas, para as quais serão destinadas 100 mil vagas este ano, tem juro zero e corresponde ao financiamento oferecido diretamente pelo governo para o estudante. São reservadas a candidatos com renda familiar per capita mensal de até três salários mínimos. O juro zero, no entanto, é questionado. A taxa anual, que era de 6,5%, agora é calculada de acordo com a inflação, deixando de ser fixa para variar conforme a economia do país.

As outras duas modalidades, chamadas de P-Fies, destinam-se a estudantes com renda familiar de até cinco salários mínimos. O Fies 2 oferta 150 mil vagas e atende estudantes do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, segundo o MEC. Dentro do Fies 3, são oferecidas 60 mil vagas para todo o Brasil, sendo os recursos oriundos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em ambos os casos, a taxa de juros vai variar de acordo com a instituição financeira na qual foi fechado o financiamento.

As alterações contemplaram ainda o prazo de carência. Antes, o estudante tinha 18 meses para começar a pagar sua dívida. Agora, deverá fazê-lo imediatamente, já no mês seguinte ao de sua formatura. Quem tiver contrato formal de trabalho terá o valor da parcela descontado diretamente do salário. Se o estudante não tiver renda, o saldo devedor poderá ser quitado em prestações mensais equivalentes ao pagamento mínimo do financiamento, critério que também será usado para quem perder o emprego ou desistir do curso. Para tentar conter a derrocada do Fies, no segundo semestre, o governo aumentou a cota de financiamento dos cursos para, no mínimo, 50%, e ampliou o valor máximo do benefício por semestre. Antes, a quantia financiável era de até R$ 30 mil, referente a cada período de seis meses, e passou para R$ 42.983.

OCIOSIDADE Em junho, o novo Fies, que propagandeou contratos a juro zero, já dava sinais claros de que não pegou. Pouco antes do fim do semestre letivo, das 80 mil vagas oferecidas para o período, apenas 30 mil foram preenchidas – ociosidade de 62,5%, segundo estimativa da Abmes. No Fies privado, no qual a dívida é feita juntamente aos bancos credenciados pelo Ministério da Educação (MEC), a derrocada também já era latente. Segundo a associação de mantenedoras, das 75 mil vagas disponibilizadas nos primeiros meses do ano, apenas 800 contratos foram firmados (1%).

Para as mantenedoras, trata-se do pior cenário histórico. “Em 2010, éramos 190 milhões de brasileiros com 4,7 milhões de estudantes cursando o ensino superior particular. Desses, 76 mil tinham Fies. Em 2018, a população saltou para 208 milhões de pessoas, registrando crescimento populacional de 9,4% no período. Nesse mesmo intervalo, a quantidade de alunos nas instituições de ensino superior particulares subiu 42%”, afirma o documento da Abmes. Mas, o número de inscritos no Fies, na comparação de 2010 com 2018, cresceu apenas 5,2%. O levantamento considera que, para igualar proporcionalmente ao ano de 2010, em 2018, o Brasil deveria ter efetivado 107.920 contratos novos. Esse déficit de 25,6% faz deste o pior Fies da história”, relata.

Para a Abmes, o fracasso do programa este ano tem relação direta com as reestruturações e os cortes de recursos pelos quais o Fies vem passando nos últimos anos, especialmente com as mudanças implementadas a partir de 2015. Pesquisa da associação feita com 1.079 jovens das cinco regiões brasileiras que querem cursar uma graduação ou já estão na educação superior mostra que as alterações promovidas pelo governo federal descaracterizaram o Fies e dificultaram o acesso dos estudantes ao financiamento.

CONTRATAÇÕES O Fies teve seu ponto alto em 2014, quando 732.674 contratos foram firmados, um recorde na história do programa. No ano seguinte, com a crise que começou a assolar o país e as mudanças nas regras, o número de vagas despencou para menos da metade, mas o número de estudantes que aderiram ao financiamento foi alto – apenas 8,8% contratações não foram acertadas. Em 2016, o cenário mudou. A ociosidade pulou para 37,4%, mas caiu para 21,8% em 2017. No primeiro semestre do ano passado, quando foram disponibilizados 150 mil vagas, 21,3% delas não foram preenchidas, ou seja, mais que o dobro do número de contratos foram assinados, na comparação com o mesmo período deste ano.

Estudante do 2º período de design do UNI-BH, Ícaro Elísio Fróes Guimarães e Guimarães, de 20 anos, pode ser considerado um privilegiado. Ele entrou na faculdade no início do ano esperando conseguir o Fies para prosseguir no curso, cuja mensalidade gira em torno de R$ 1,1 mil. Mas o financiamento, de 85%, só saiu no fim de junho, válido para o segundo semestre. Mesmo tendo contratado no primeiro semestre o crédito universitário que a instituição disponibiliza, as finanças de casa ficaram apertadas, pois o desconto era de 50%. “Só meu pai trabalha, então, ele arcou com praticamente tudo, com a ajuda da minha madrinha e avó”, conta. O alívio virá a partir do ano que vem, quando a família terá que arcar com apenas 15% da mensalidade. “Foi um pouco sufocante este semestre ainda, pois tive que já devolver o dinheiro do Pravaler. Agora, vou poder arcar até com meu material”, diz.

O estudante criticou ainda o P-Fies. “Não vai dar em nada. Não tem condições de um estudante arcar com as exigências dos bancos. Não ajuda em nada”, afirma. A esperança para o jovem é o Fies. “Ele é a melhor opção. E minha área é bem ampla, logo, tenho a esperança de que, quando começar a pagar, já terei emprego e só essa dívida para dar conta.”

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) foi procurado para comentar os problemas com o Fies e explicar o uso do fundo garantidor, mas não deu retorno até o fechamento desta edição.


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