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Estado de Minas

Enem: Os obstáculos extras dos estudantes na prova de 2021, que tem 2ª etapa neste domingo

Prova teve um quarto de abstenção no domingo passado e é encarada com desânimo por alunos do ensino público, que chegam mais inseguros e despreparados, segundo estudantes e professores consultados pela reportagem.


28/11/2021 08:21 - atualizado 28/11/2021 08:32

Alunos diante de colégio no primeiro dia de provas do Enem 2021
Número mais baixo de alunos se inscreveu no Enem - e um quarto deles se absteve da prova do último domingo (foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que neste domingo (28/11) trará as questões de ciências da natureza e matemática, é uma prova geralmente considerada difícil pelos estudantes.

Mas Samidy Reis Ribeiro, de 19 anos, de Itabuna (BA), que presta o exame pela quinta vez, se deparou com um obstáculo extra em 2021.

"Tive mais dificuldade neste ano, não necessariamente com o conteúdo, mas com a minha confiança sobre o conteúdo, depois do ensino remoto", diz ela à BBC News Brasil a respeito da primeira prova do Enem (de ciências humanas, linguagem e redação), no domingo passado (21/11).

"E insegurança é algo que a gente não pode ter na prova. Mesmo sabendo o conteúdo, não ter a convicção sobre ele atrapalha o raciocínio e o tempo de prova", conta a estudante do ensino técnico do Instituto Federal de Ilhéus (BA), que sonha em cursar Direito ou Letras.

Marcia Maia, professora de Samidy no instituto, diz que o que mais escutou de seus alunos depois da primeira prova do Enem é que eles só querem voltar a falar do assunto quando sair a correção oficial das questões.

"Ouvi deles: 'quero esquecer o dia de hoje' (domingo passado). Não porque eles tenham ido pessimamente na prova, mas porque se viram diante de algo para o qual eles sabiam que poderiam estar infinitamente mais preparados", relata Maia.

O fechamento das escolas durante a pandemia de coronavírus teve um efeito particularmente grave nas escolas públicas do país e nos alunos de baixa renda, que viram o abismo aumentar em relação às escolas privadas e aos alunos de renda média e alta - que conseguiram migrar com mais facilidade para o ensino remoto e manter o aprendizado acontecendo com mais intensidade e regularidade.

Passado um ano e meio desde o início da pandemia, mais da metade (51%) dos alunos da rede pública segue sem ter acesso a um computador com internet, apontou uma pesquisa publicada no início de novembro, realizada pelo Datafolha sob encomenda de institutos educacionais.

Outra pesquisa, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), calcula que um em cada cinco alunos (ou 20%) do ensino médio da rede pública brasileira ficou sem aulas durante a pandemia - proporção que aumenta para 26,8% entre estudantes da zona rural.

Prova do Enem, em foto de 2019
Depois de um ano e meio de ensino remoto, muitos alunos se sentiram menos preparados e autoconfiantes para prestar o Enem (foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Para efeitos comparativos, esse índice foi a metade (11,8%) na rede privada.

Em média, os alunos da rede pública estudaram uma hora a menos por dia do que os da rede privada (3,18 horas contra 4,28 horas), uma diferença de 35%.

Com menos tempo de aula, teve conteúdo que simplesmente não foi abordado com profundidade.

"Por mais que a gente tenha trabalhado o conteúdo (do Enem) com a professora Marcia, teve coisas que, por causa da pandemia, a gente teve que suprimir", agrega a estudante Samidy.

"No presencial acho que teria dado tempo de ver todo o conteúdo. Mas (no ensino remoto) muitas questões (do Enem) eram sobre coisas que não deu tempo de estudar ou revisar", conta Thifany Gomes, de 17 anos, aluna do 2º ano na rede estadual de Belo Horizonte (MG), que presta o Enem como treineira.

O Enem ocorre, também, em meio a uma crise sem precedentes no Inep, instituto governamental responsável pela prova (por conta de denúncias de tentativas de interferência do governo federal no conteúdo das questões e de assédio moral contra servidores) e com uma queda expressiva no número de candidatos.

Foram menos de 3,5 milhões de inscritos no Enem 2021, o número mais baixo desde 2005. A prova já chegou a ter 8,7 milhões de participantes.

E a abstenção no último domingo foi expressiva: um entre cada 4 alunos inscritos desistiu de prestar a primeira prova, índice que pode aumentar nas provas de matemática e ciências da natureza, neste domingo.

Prova 'mais difícil'?

No domingo passado, quando fez uma enquete sobre o grau de dificuldade da primeira prova do Enem 2021, Vinicius de Andrade - que, desde 2016, comanda o Salvaguarda, projeto de inserção de alunos da rede pública no ensino superior - se surpreendeu com as respostas que recebeu dos alunos.

Dos mais de 110 que responderam, apenas dois consideraram a prova de linguagens e ciências humanas fácil, bem menos do que nos outros anos.

"Imagina, então, como vai ser na prova de exatas (neste domingo)?", pondera.

O motivo mais provável dessa percepção de dificuldade maior, diz ele, é justamente "o abismo" que aumentou no ensino remoto: se antes os professores da rede pública já se esforçavam para cumprir com todo o currículo escolar em um contexto de evasão e defasagem de ensino, o desafio ficou muito maior na pandemia.

Alunos diante de colégio no primeiro dia de provas do Enem 2021
"Ouvi deles: 'quero esquecer o dia de hoje' (domingo passado). Não porque eles tenham ido pessimamente na prova, mas porque se viram diante de algo para o qual eles sabiam que poderiam estar infinitamente mais preparados", relata professora (foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

"A pandemia tornou pior o que já não era bom", conta o professor Maicon Roberto Poli de Aguiar, que dá aula de História no ensino médio da rede estadual de Blumenau (SC).

"A maioria dos meus alunos não conseguiu acessar as aulas, por não ter escolhas (ou meios para se conectar) ou porque começaram a trabalhar mais de um turno" em meio à crise econômica, explica Aguiar.

Assim, uma dificuldade antiga, de fazer os alunos se sentirem pertencentes ao universo do Enem e do ensino superior, aumentou muito.

"Fiz três simulados do Enem neste ano. E o dia em que tive mais alunos, eles eram apenas seis", conta Aguiar. "Muitos nem prestaram o Enem. Não percebem esse universo como possível para eles."

"A pandemia impactou muito a minha autoestima - de não me sentir boa o suficiente para fazer a prova e competir com as outras pessoas", conta Fernanda Karem Amparo da Costa, de 18 anos, outra aluna do Instituto Federal da Bahia. "Um colégio (privado) aqui da minha cidade, Itabuna, prepara os alunos especificamente para o Enem, faz simulados. Então, eu estou competindo com pessoas mais preparadas."

Por enquanto, como Fernanda ainda tem mais um semestre de estudos no instituto em 2022, ainda não precisa contar com a nota do Enem deste ano. Mas teme ter dificuldades em aumentar sua dedicação aos estudos no Enem de 2022, esse sim decisivo para seu futuro.

"Se eu não me sair bem na prova deste ano, como vou fazer para conciliar a minha preparação com os estudos e com o estágio no ano que vem? É uma prova que vai definir o meu futuro."

Estudos competem com o trabalho

Outro problema é que, com a crise econômica e a dificuldade em acessar o ensino remoto, mais alunos acabaram acelerando sua entrada no mercado de trabalho, para o lamento do professor Aguiar, de Blumenau.

"Como eles não se veem na universidade, no ensino médio eles já compartilham o seu tempo com o trabalho - ou porque precisam (sustentar a família) ou porque dizem querer ter 'dinheiro para comprar minhas coisas'. Eles não calculam o impacto disso no médio e longo prazo, de que não vão ter tempo para estudar", diz.

Ainda em maio de 2020, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) havia alertado para o perigo de a pandemia criar uma "geração perdida de jovens", forçados a entrar precocemente no mercado profissional em empregos precários e de baixa remuneração, que propiciam poucas oportunidades de ascensão social e que absorvem tempo e energia que poderiam ser dedicados à educação.

No Brasil, a pesquisa do Inesc concluiu que mais de um terço (37%) dos alunos do ensino médio público brasileiro conciliam o estudo com algum trabalho, 12 pontos percentuais a mais do que os jovens da rede privada.

Nesse contexto, diz Aguiar, está mais difícil que os jovens vejam o ensino médio como um ambiente atraente. E fica mais difícil, também, enxergar o ensino como algo além de um mero diploma - "como se o objetivo da escola fosse só a aprovação, e não o intuito de aprender, de uma educação com uma intenção mais ampla", desabafa.

Marcia Maia observa realidade semelhante entre seus alunos no instituto federal de Ilhéus.

"Nunca, nos nossos dez anos, a gente teve um volume tão grande de estudantes trabalhando enquanto estudam", conta.

"Eles são empurrados ao mercado informal e têm que conciliar isso com as aulas e com todo o aspecto emocional (do Enem). Tudo converge para que achem o processo todo muito difícil, para achar que não tiveram um preparo adequado. (...) Isso recai sobre parte do nosso público como uma espécie de condenação prévia."

Apesar desses obstáculos, Maia exalta o comprometimento de muitos estudantes.

"Eles fizeram a prova (de domingo passado), encararam o desafio dessa etapa importante e não deixaram (o contexto negativo) se tornar um impedimento", diz a professora.

"Havia um clima de desânimo antes da prova, então demos (professores) um gás para eles no nosso grupo de WhatsApp, dizendo o quanto eles se superaram nesses dois últimos anos. Eles são guerreiros - tenho muito orgulho desses meninos e meninas. Se nós, adultos, sofremos quando somos avaliados, imagina então para esses jovens, que estão com a sua vida nas mãos?"


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