*Conteúdo produzido por Flávio de Castro
Com a era digital em constante evolução, as formas de entretenimento estão passando por uma profunda transformação. Uma tendência recente que ganhou destaque é a explosão das “Lives NPC”, transmissões nas quais criadores de conteúdo se transformam em personagens de jogos e animes, interagindo e obedecendo às ordens de seus espectadores. Essa nova forma de diversão e, por consequência, de “monetização”, se popularizou, principalmente, no TikTok, onde diversos criadores de conteúdo ao redor do mundo lucram com suas interpretações e performances personalizadas para seus seguidores.
Um elemento recorrente nas Lives NPC é a caracterização dos influenciadores como personagens do universo gamer, incluindo o uso de maquiagem, cabelos coloridos, orelhas de pelúcia e outros adereços. Além disso, eles reproduzem os trejeitos repetitivos dos tipos digitais que estão imitando, incluindo suas vozes. Os seguidores solicitam gestos, frases e ações específicas para os influenciadores durante as transmissões e, em troca, realizam pagamento com bônus virtuais, que são posteriormente convertidos em moeda real.
Para ter acesso a esse conteúdo, os espectadores precisam adquirir presentes virtuais pagos, que servem como forma de interação com os criadores de conteúdo. Primeiramente, é necessário comprar as “moedas” do TikTok, que só podem ser usadas dentro da plataforma. Em seguida, essas moedas podem ser usadas para enviar os "presentes" durante as atualizações ao vivo. Os valores desses itens podem variar amplamente, indo de pequenas cifras até quantias mais substanciais, em torno de três mil reais.
Quando o streamer recebe do público as palavras “rosa”, “milho”, “chocolate” e “sorvetes”, reage de maneira previsível e repetitiva. Com frequência, ele menciona esses alimentos em voz alta e até emite sons para indicar que está se divertindo com a situação. Uma jovem tiktoker brasileira, que disse ter ganhado 200 dólares americanos em um dia de live, publicou em seu perfil: “Não nasci para trabalhar CLT”. Outro perfil mostra duas mulheres, provavelmente mãe e filha, brincando ao segurar uma Carteira de Trabalho e pedindo maquinalmente para que ela seja assinada pelos espectadores.
Por trás dessa brincadeira aparentemente inocente, percebe-se que nem todos veem essa forma de entretenimento com bons olhos. A popularidade crescente das atividades digitais informais, por assim dizer, reflete a falta de perspectivas e oportunidades para uma vida digna e um trabalho decente para os jovens. Diante da precarização do trabalho e do congestionamento das oportunidades de emprego, é cada vez mais comum que jovens busquem novas e incertas “profissões”, tais como: yotuber, tiktoker, influencer, coach etc. Há também quem se aventure diariamente nos sites de aposta ou se arrisque em esquemas duvidosos de investimentos como forma de sustento.
A busca de dinheiro fácil, a necessidade de recompensa imediata e a exposição diuturna dos jovens às telas revelam algumas condições (e conceitos) próprios da pós-modernidade: o hedonismo incondicional, a infantilização das relações, a dependência digital e a busca de alternativas insólitas diante da precarização do trabalho formal. E, por incrível que pareça, essa discussão pode vir a ajudar e estimular o jovem que (ainda) busca o caminho tradicional do ensino superior como forma de acesso ao mercado de trabalho. Pois diante das intempéries do capital financeiro e dos modismos digitais mais esdrúxulos, a possibilidade de estudar direito, tecnologia, medicina, engenharia, arquitetura, etc., revela-se ainda uma escolha consciente, confiável, rentável e satisfatória para a vida dos jovens – ainda que seja a médio e longo prazo. Não se trata apenas de ganhar dinheiro a qualquer custo, mas também de aprender um ofício, desenvolver-se pessoal e profissionalmente e, quem sabe, promover um mundo melhor para todas as pessoas. Será que as lives NPC querem ou conseguem fazer isso? Fica a dica.
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Sobre o autor: Flávio de Castro é pós-graduado em Letras pela Unicamp e escritor. Escreveu Desaparecida (2018) e Minério de Ferro (2021), além de colaborar em diversas revistas, jornais e suplementos. Atualmente é pesquisador no Posling do CEFET-MG e professor de Literatura e Interpretação de Textos no Curso DetOnline.