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Estado de Minas FORMAÇÃO

Facão e enxada: formando de Direito homenageia pais lavradores

Filho de ex-cortadores de cana, Agnaldo Araújo, 44 anos, resolveu levar para a formatura os dois instrumentos de trabalho dos pais e emociona a todos


06/02/2022 13:34 - atualizado 06/02/2022 14:40

Agnaldo Araújo vestido com a beca da formatura em direito e com enxada e facão nas mãos
Agnaldo Araújo também teve que trabalhar, até aos 23 anos, no corte de cana. Mas decidiu que queria mudar de vida. (foto: Arquivo Pessoal)
A formatura é um momento muito especial na vida de qualquer estudante universitário, o que faz com que muitos façam homenagens a pessoas queridas na cerimônia. O formando de direito Agnaldo Araújo, 44 anos, resolveu prestar homenagens de uma forma inusitada e bastante simbólica. Em 15 de janeiro, ele colou grau portando um facão e uma enxada, impressionando e emocionando a todos.

Segundo Agnaldo, a razão de levar os dois instrumentos de trabalho foi para homenagear seus pais, ex-cortadores de cana, que, pelo esforço de seu trabalho,conseguiram proporcionar ao filho acesso à educação. Agnaldo conta que ambos foram suas maiores inspirações para estudar. E ele aproveitou a oportunidade da melhor forma, afinal, este é o segundo diploma superior que ele obtém. A primeira formação foi em administração. E ele garante que está se preparando para fazer o concorrido Exame de Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

"No início, o público pensou: 'o que esse doido está fazendo aí, com essa enxada e a faca na mão?'. Ao longo do discurso, contei que foi uma homenagem aos meus pais e a todos os pais que trabalham e lutam tanto pelos filhos", relata. Para ele, foi um momento bastante especial, que causou uma comoção não só em si mesmo, como em todos ali presentes à cerimônia. Agnaldo se mostrou surpreso com tanta repercussão da sua história. E conta, ainda, ter recebido muitas mensagens de apoio com pessoas revelando que tinham se inspirado no seu caso."Me enche o coração, de verdade, eu me sinto muito grato", disse.
 

ATÉ OS 23 ANOS TRABALHOU NO CORTE DE CANA

 
Agnaldo é natural de Peabiru, no norte paranaense, mas, aos 4 anos, a família migrou para o interior paulista, em 1982, para o trabalho nos canaviais do município de Areiópolis (SP), como única forma de prover sustento para os filhos. Aos 12 anos, Agnaldo também teve que trabalhar, até aos 23 anos, no corte de cana. Mas decidiu que queria mudar de vida. E percebeu que a melhor forma para isso era focar nos estudos: "Lembro de quando cheguei em casa, chamei minha mãe para conversar e falei com ela: eu vou mudar a história da nossa família, eu vou quebrar esse ciclo, vou estudar e ser alguém na vida".

Durante esse período, o agora formado em direito relatou, ainda, ter sofrido com preconceito e racismo, o que o motivou também a buscar uma vida melhor para si e para sua família por meio dos estudos. "Eu tive que ralar muito mais para isso. Eu sabia que eu só seria valorizado se eu tivesse conhecimento. Por isso, persisti", conta. A luta contra a discriminação racial foi uma bandeira que, desde cedo, Agnaldo levantou.

Tanto que, durante sua carreira profissional e acadêmica, ele também assumiu o posto de presidente do Conselho da Consciência Negra em Lençóis Paulista (SP), cidade onde reside, e tornou-se exemplo para várias pessoas negras na causa antirracista. Suas grandes inspirações de vida, além de seus pais, são em personalidades marcantes do Movimento Negro, como Martin Luther King Jr. e Nelson Mandela, de quem obteve muitos aprendizados sobre consciência de classe, consciência negra e a importância da luta contra as desigualdades.

Logo após ter saído da lavoura de corte de cana e ter dedicado o tempo que tinha estudando, Agnaldo fez um curso de vigilante. Ano após ano, ele se aperfeiçoou e foi conseguindo cargos cada vez mais altos na empresa onde trabalhava, até se tornar CEO. Nisso, ele adquiriu gosto em trabalhar na área de segurança, e desde os 31 anos, atua no ramo empresarial na área, tanto que a primeira graduação foi em administração de empresas na Faculdade Marechal Rondon (FMR-SP), onde concluiu o curso em 2015. Não satisfeito em ter apenas um curso, Agnaldo logo entrou para o curso de direito, na mesma instituição, e obteve o segundo diploma.

 
PAI MORREU DE LEUCEMIA E MÃE, POR CAUSA DA PANDEMIA, VIU HOMENAGEM PELO VÍDEO 


A homenagem de Agnaldo teve um peso emocional ainda mais forte por conta do pai, que faleceu no ano passado de leucemia. A mãe não esteve presente na cerimônia de formatura por causa da pandemia, mas pôde ver a homenagem do filho em vídeo, o que a emocionou bastante, segundo o agora addvogado. "Sozinho, você não conquista nada, sozinho, você não é ninguém e não vai a lugar algum. Então, sou grato a eles e demonstro isso todos os dias, faço questão disso", salienta.

Ele conta, emocionado, como o pai o incentivou a estudar na época e como ele se alegrava com cada conquista ao longo da sua carreira, e como isso o ajudou a estar onde ele está hoje. "Meu pai foi um cara ímpar, foi um exemplo de dignidade, de honestidade, de retidão; nunca vi ele falando mal de alguém ou deixando de cumprir com suas obrigações, e eu via muito valor nisso", relembra.

Agora formado em direito, e com uma trajetória marcante na vida, Agnaldo ainda não definiu algo concreto para seu futuro. Mas ele diz pensar muito no futuro do filho e no seu desejo de poder proporcionar a ele um futuro ainda melhor. Além disso, afirmou não se ver fora de uma sala de aula ou fora da criação de algum projeto social voltado às comunidades necessitadas, com o sonho de poder inspirar cada vez mais pessoas a superarem obstáculos e conseguirem grandes feitos na vida. "Não importa de onde você veio, o que importa é aonde você quer chegar", disse.


*Estagiário sob a supervisão de Ana Sá


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