Lula

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Ricardo Stuckert
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se mostrou incomodado com um fato que pode comprometer sua popularidade no terceiro mandato: a falta de capacidade de o Brasil crescer de forma sustentável. Essa realidade é reflexo das deficiências estruturais do país, de uma conjuntura externa pouco favorável e, em grande parte, fruto de uma série de políticas e escolhas erradas dos governos anteriores, inclusive do PT.

Analistas destacam que, entre o primeiro mandato do petista, iniciado em 2002, e o atual, o Produto Interno Bruto (PIB) potencial — capacidade de expansão da economia sem estímulos artificiais — encolheu de 3,5% para 1,5%. E, pela mediana das estimativas do mercado coletadas pelo boletim Focus, do Banco Central, o país deverá crescer menos do que o seu potencial neste ano: 0,91%. Apesar de Lula tentar jogar a culpa para o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que evita ceder às pressões políticas para reduzir a taxa básica da economia (Selic), de 13,75% ao ano, especialistas lembram que o problema é mais profundo do que o patamar dos juros.

O Brasil tem hoje o 11º maior PIB mundial, em meio ao processo de perda de capacidade de crescimento e de piora na competitividade e na produtividade. Desde 2015, deixou de ter PIB per capita de dois dígitos em dólares e, em 2022, registrou queda de 20,6% em relação ao de 2018. Pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), consideradas otimistas, o Brasil pode voltar a ter PIB per capita acima de US$ 10 mil em 2024. Por outro lado, as projeções da Tendências Consultoria, por exemplo, estimam que o PIB per capita só deverá voltar ao patamar de dois dígitos em 2026, ou seja, 11 anos depois de o país perder o grau de investimento.

Escolhas erradas

De acordo com a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências, o PIB per capita do Brasil, que chegou aos dois dígitos em 2010, levará mais de 20 anos para retornar ao pico de US$ 13,2 mil, alcançado em 2011. "Estamos vendo duas décadas perdidas na economia, devido a perda de capacidade de crescimento do país, resultado de escolhas erradas dos governos anteriores e que alguns integrantes do governo Lula insistem em querer retomar, como apostar nos investimentos de estatais e nos empréstimos de bancos públicos", lamenta Alessandra. Ela acredita que o país precisará investir mais forte em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), pois está na lanterna global nessa área fundamental.

Na avaliação do economista Otto Nogami, professor de Finanças do Insper, o país pode ficar preso na armadilha de baixo crescimento se continuar fazendo escolhas erradas. "Temos uma condição estrutural fragilizada que, nos últimos anos, piorou com a queda dos investimentos em infraestrutura, educação, saúde, segurança e mobilidade. Essas áreas foram deixadas de lado, criando um problema no sentido de que o investidor não vê uma infraestrutura adequada para as condições de produção, e assim reluta em investir ou mesmo em ampliar a produção", avalia.

Por conta dos retrocessos, o Brasil é o país que mais perdeu capacidade de produção nas últimas décadas em relação aos demais parceiros do Brics — grupo das economias emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, de acordo com Nogami.

Herança maldita

A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembra que Lula enfrentará uma situação inédita: uma conjuntura macroeconômica desfavorável combinada com uma herança ruim do ponto de vista fiscal deixada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. No início do primeiro mandato a economia brasileira tinha um cenário favorável, difícil de se repetir. Havia um forte crescimento externo aliado com o boom das commodities, mas com inflação baixa e juros baixos.

 

 

Silvia ressalta que, nesse terceiro mandato de Lula, a conjuntura internacional, com os países em desaceleração e um novo contexto geopolítico por conta da guerra na Ucrânia, dificultam o processo de retomada do crescimento sustentável. "O Brasil surfou a onda de crescimento externo sem inflação e juros baixos dos anos 2000. O único problema daquela época era a dívida externa, que foi reduzida com o aumento das reservas em moeda estrangeira. Agora, não existe mais espaço fiscal para o gasto do governo aumentar e ajudar o país crescer", explica.

Pelos cálculos do Ibre, a média de crescimento anual do PIB per capita (resultado do PIB do país dividido pela população) nos últimos 40 anos é muito baixa, de 0,7%. "Estamos colhendo os frutos da política econômica que inchou o Estado durante o período de vacas gordas sem melhorar a qualidade do serviço público, que emprestou muito dinheiro para empresas que podiam se capitalizar no exterior, e que concedeu subsídios mas não fez avaliações de impacto na economia para reverter as benesses", destaca Silvia.

Para ela, o governo precisa criar políticas públicas de longo prazo, que aumentem o emprego e a renda para o país voltar a crescer, em vez de criar programas para aumentar distribuição de benefícios.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, defende que o crescimento também passa pela valorização da educação, a fim de melhorar a qualificação da mão de obra. Como professor universitário, lamenta o fato de ver estudantes brasileiros chegando à faculdade na condição de analfabetos funcionais, um resultado da precarização do ensino desde os anos 1990, quando foi instituída a progressão continuada para melhorar as notas do país nas avaliações globais. "Tudo isso é consequência de políticas erradas, que passam pela falta de um planejamento estratégico estruturado para os próximos 20 ou 30 anos", pontua.

Além dos equívocos da política econômica de Dilma 1, que Lula vem tentando ressuscitar, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — berço de uma série de desperdícios de dinheiro público em obras mal projetadas ou que nem saíram do papel, o governo Bolsonaro foi marcado por retrocessos difíceis de serem recuperados no meio ambiente, na educação, na saúde e na cultura.

De acordo com levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), entre 2019 e 2022, o corte de gastos do governo Bolsonaro foi predominante em áreas fundamentais de programas sociais e ambientais, privilegiando o equilíbrio fiscal em detrimento da vida e do bem-estar da população.

 A principal conclusão do estudo foi que as contas públicas do governo federal registraram o primeiro superavit primário desde 2013, de R$ 54,1 bilhões, às custas do aumento da injustiça social e do desmatamento da Amazônia.