ilustração com setas e cifrões em azul e branco

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Pacífico/Reprodução
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará na próxima quinta-feira o julgamento de uma ação que propõe aumentar o rendimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para evitar perdas para os trabalhadores. A decisão do STF deve pôr um fim a uma discussão travada em mais de 200 mil processos na Justiça que contestam a aplicação da Taxa Referencial (TR) para corrigir os depósitos do fundo, que tem provocado queda no valor real dos recursos.

A maioria das ações pretende também obrigar o governo a ressarcir os trabalhadores pelos prejuízos do passado, o que pode gerar mais uma fatura bilionária para o Tesouro Nacional.


A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5090 foi movida pelo partido Solidariedade em 2014, mas só agora entrou na pauta do STF. Ela contesta a aplicação da TR, que por anos foi mantida perto de zero, e defende que os depósitos sejam remunerados por um índice que reflita a inflação.

Relator da matéria, o ministro Luís Roberto Barroso acolheu em parte a reclamação do partido e, na última quinta-feira, apresentou voto para que a correção dos valores seja, no mínimo, igual ao das cadernetas de poupança. A posição do relator foi acompanhada pelo ministro André Mendonça, antes que o julgamento fosse interrompido pela presidente da Corte, ministra Rosa Weber. Outros nove magistrados ainda devem votar.

Se prevalecer a tese do relator, a correção dos depósitos do FGTS terá um aumento expressivo. A poupança rende 6,17% ao ano, mais a variação da TR sempre que a taxa básica de juros (Selic) está acima de 8,5% ao ano, como ocorre atualmente. Já quando a Selic fica igual ou menor que 8,5%, o rendimento é de 70% da Selic mais a TR. Em março passado, a poupança rendeu 0,74%, o equivalente a 8,3% ao ano, percentual superior ao do FGTS.


Barroso afirmou que não há inconstitucionalidade no uso da TR para corrigir o Fundo de Garantia, mas observou: "Nem a correção monetária constitui direito subjetivo constitucional, nem é legítimo causar um prejuízo substancial ao trabalhador para financiar políticas públicas". O FGTS é fonte de recursos para obras de infraestrutura e programas habitacionais, especialmente para pessoas de baixa renda.


A TR foi criada no início dos anos 1990, durante o Plano Collor 2. Desde 1999, ela tem ficado muito abaixo da inflação, impondo perdas aos cotistas do fundo. Segundo cálculos do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador (IFGTS), que participa da ação em análise no Supremo, 80 milhões de trabalhadores deixaram de receber quantias, que, somadas, chegam a R$ 720 bilhões.

 

'Uso da TR é injustiça com o trabalhador'

Membro do partido que entrou com ação no STF, o deputado Áureo Ribeiro (SD-RJ), disse ao Correio que o uso da TR como indexador do fundo é uma injustiça com o trabalhador brasileiro. Segundo o parlamentar, o Congresso Nacional deveria discutir um novo indexador que levasse em conta a inflação, como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).


"A gente quer que seja uma aplicação, tirando essa Taxa de Referência, que corrija pela inflação, para que o trabalhador não tenha perdas. Com o passar dos anos, existe um impacto muito grande (da TR). A gente tem clareza do que está sendo votado e do problema que é consertar isso", afirmou.


O ministro Luís Roberto Barroso não acolheu, no entanto, o pedido do Solidariedade para que as perdas passadas sejam compensadas pelo governo. Segundo ele, a mudança na forma de remuneração do FGTS deve valer apenas a partir da decisão que vier a ser tomada pelo STF sobre o assunto. O voto do ministro propõe que as perdas sejam tratadas pela via legislativa ou por negociação coletiva, mas não diz de que forma.


Ao se manifestar ante o STF, a advocacia Geral da União (AGU) foi contra o ressarcimento das perdas. O órgão também defendeu a constitucionalidade da aplicação da TR. De acordo com a AGU, a ação do Solidariedade perdeu seu objeto devido a duas leis posteriores à apresentação da ADI 5090, que determinaram que o FGTS passasse a distribuir aos cotistas uma parcela dos lucros obtidos com a aplicação dos recursos. Com isso, o fundo começou a remunerar os trabalhadores com valores superiores à TR.


De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e utilizada pela AGU para defender a constitucionalidade da TR, a remuneração das contas vinculadas ao Fundo de Garantia superou em quase todos os anos o IPCA, ao considerar a série histórica desde 2016.


Impacto no orçamento federal


Se for aprovada, a ADI 5090 pode trazer grandes impactos aos orçamentos do governo federal. A AGU calcula que a União teria de pagar quase R$ 296 bilhões aos trabalhadores, caso o STF entenda que haja inconstitucionalidade no uso da TR. Esse valor remete à defasagem da atual taxa, se comparada ao INPC desde 1991. Cálculos de entidades de defesa dos trabalhadores, contudo, apontam para valores substancialmente maiores.

Daniel Lannes, advogado e doutorando em finanças públicas, tributação e desenvolvimento pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), lembra que, em 2001, a União chegou a aprovar a instituição de uma contribuição social com o objetivo de recompor as contas do FGTS, na Lei Complementar 110/2001. "Essa é uma possível solução para arrecadar os recursos necessários para cobrir esse montante de R$ 296 bilhões, caso o resultado do julgamento da ADI 5090 seja desfavorável ao governo", entende o advogado.


O impacto calculado pela AGU leva em conta a possibilidade de que os valores defasados sejam restituídos a todos os trabalhadores com conta no FGTS. No entanto, Daniel Lannes ressalta que, em casos que envolvem enorme quantidade de dinheiro da União, o STF pode amenizar a decisão para evitar que o rombo nos cofres públicos seja muito grande.


"A princípio, pela Teoria Geral do Direito, a decisão beneficiaria todo mundo que tem conta no FGTS. Mas a gente sabe que, como a pressão orçamentária e política deve ser grande, talvez isso sensibilize os ministros para modular os efeitos, o que é um fundamento válido no direito", pondera o especialista.


Para a advogada trabalhista Iara Neves, do escritório Ferraz dos Passos Advocacia, se houve entendimento do Supremo de que a atual regra de correção do Fundo de Garantia viola a Constituição, isso também pode dificultar a implementação de promessas de campanha do atual governo, como ampliar o programa Minha Casa Minha Vida.

"Não obstante, é de suma importância ressaltar que a pacificação da questão jurídica que envolve a correção do FGTS pela TR constitui uma questão de justiça e equidade para os cotistas, e que o governo deve encontrar meios de lidar com o impacto financeiro decorrente da referida correção. Nesse sentido, uma possibilidade seria adoção de medidas para reduzir gastos e aumenta a eficiência na administração pública", acrescenta a advogada.


*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo