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Estado de Minas DIA PELA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL

Brasil tem mais negros em universidades, mas eles são minoria nas empresas

De 2010 a 2019, o número de alunos negros no ensino superior subiu quase 400%, mas a representatividade em cargos de chefia no mercado de trabalho ainda é baixa


21/03/2022 16:14 - atualizado 22/03/2022 11:27

Mulher negra, sentada, apertando a mão de um homem de terno em pé
Pessoas negras ainda encontram dificuldades de inserção no mercado de trabalho, especialmente em cargos de liderança (foto: RODNAE Productions no Pexels)

Os negros (pretos e pardos) representam 56% da população brasileira, e, devido às politicas de cotas, o número de alunos negros no ensino superior cresceu quase 400%, entre 2010 e 2019, chegando a 38,15% do total de matriculados, segundo dados do site Quero Bolsa. Apesar disso, os negros ainda são minoria em cargos de liderança em empresas no Brasil. Nesta segunda-feira (21/03), Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, os dados mostram o quanto o debate sobre acesso dos profissionais no mercado de trabalho ainda necessário.

Dados do Instituto iDados, de 2020, mostram que 37,9% dos homens e 33,2% das mulheres negras com diploma de ensino superior trabalham em cargos que não exigem o diploma. Essa pesquisa mostra que, apesar da escravidão ter sido abolida do Brasil há 134 anos, resquícios da estrutura social que segrega negros persistem até hoje. 

Etiene Martins, pesquisadora de ralações raciais pela UFJR, explica que os brasileiros tem mais resistência em falar sobre o racismo, que é algo que incomoda, do que sobre a desigualdade social, uma questão financeira, de falta de estudo. “Fica evidente o quanto o racismo impede que uma pessoa qualificada possa acessar o emprego", diz Para a pesquisadora, no imaginário racista brasileiro, as pessoas negras estão relegadas ao lugar de subserviência.

Um exemplo do impacto do racismo no mercado de trabalho é a busca realizado por Felipe Bellido por uma colocação. O jovem é formado em ciência política e está finalizando o doutorado na área de ciências sociais e políticas públicas, tendo desenvolvido parte dos estudos  na Faculdade de Illinois, nos Estados Unidos. Apesar do currículo, ele enfrenta dificuldade para encontrar emprego compatível com sua formação. Diante desse cenário, ele cogita aceitar um emprego abaixo da sua qualificação pela necessidade de remuneração. 

“Envio currículos para as empresas, mas não está fácil, pelo menos não em um lugar que nos garanta uma vida digna para a família, minha mulher e filho. Tenho toda essa responsabilidade de colaborar para o sustento deles”, pondera.

Candidatos negros recebem diversas justificativas dos recrutadores para a não contratação, como aparência, falta de formação específica ou de uma língua estrangeira. No entanto, ele observa que são selecionadas para os cargos pessoas brancas menos qualificadas do que ele. Além disso, ao olhar ao redor em ambientes corporativos, é possível perceber a ausência de profissionais negros nos postos de trabalho.

“É um peso psicológico que a gente carrega, o fato de a gente ter que provar o tempo todo que a gente é bom e que merece estar ali, sendo que tem pessoas com qualificações não tão boas quanto a nossa por ‘n' motivos, inclusive o racismo, que acessam muito mais facilmente esses espaços”, declara Felipe.

Etiene afirma que a estrutura das empresas que, muitas vezes, mantém nos quadros funcionais pessoas brancas, desde o RH até a presidência, faz com que a inserção de profissionais negros, mesmo que qualificados seja dificultada. É algo tácito, que a pesquisadora denomina de “pacto da branquitude”. Muitas vezes, os profissionais brancos, que estão em cargos de decisão. indicam pares, ou seja ouros profissionais brancos para ocupar os cargos vagos. 

Etiene também explica que direitos básicos, como a acesso à educação,  são encarados, no Brasil, como privilégios. A diferença entre o ensino público e privado foi evidenciado na pandemia. As escolas particulares conseguiram se articular, para oferecer aulas remotas, de forma mais adequada que as escolas da rede pública, que levaram mais tempo para dar início ao ensino remoto e uma parcela dos alunos não tinha acesso a aparelhos, como celular ou notebook, nem à internet. 

A discrepância entre os dois sistemas de ensino reflete diretamente na inserção da população negra e periférica à graduação e, consequentemente, no mercado de trabalho.

Quebrando barreiras 


Mesmo aqueles que conseguiram alcançar cargos de liderança em grandes empresas precisaram quebrar barreiras, enfrentar a discriminação e sentem, diariamente, o peso da estrutura discriminatória no mercado de trabalho.  
 
Luciana Machado, engenheira química, trainee de Marketing Veja e Mentora de Diversidade e Inclusão, começou a trabalhar com 16 anos. Ela conta que já deixou de ser contratada por morar na periferia e por ser negra. “Como uma mulher negra, retinta, periférica, gorda.... eu não estava nem perto do idealizado para ser o padrão”, conta.

Além disso, Luciana destaca que os funcionários negros não podem cometer erros. O erro de um profissional negro é generalizado, como se todos os negros fossem cometer o mesmo erro. Desse modo, quando um funcionário negro erra, é provável que não contratem outro negro para aquela vaga.
 
“Não adianta o tanto que eu faça, eu não vou chegar da mesma forma que uma pessoa branca. É o peso da excelência negra. Eu ouvi da minha avó ‘você vai precisar ser  duas, três, quatro, cinco vezes melhor para estar naquele lugar e, mesmo assim, vão te olhar atravessado, ainda assim não vão te dar as mesmas oportunidades’. É um lugar multo cruel”, desabafa.

Ao passar pela L’Oreal, Luciana ajudou a criar a rede de equidade racial da L'Oréal Brasil, a L'OréAfro. “Eu entendo que meu propósito na vida também faz parte estar nesse lugar de luta, em todos os espaços que eu estou, e aonde eu puder levar pessoas negras para criar novas narrativas, eu fareivou.”

Iniciativas que ajudem a inserção de negros nas empresas, inclusive recrutadores negros são de extrema importância para mudar o cenário atual. Raissa Lima, formada em administração e atualmente cursando mestrado em gestão de pessoas pela USP, trabalha como Talent Acquisition, na identificação de profissionais promissores. Ela enfrentou dificuldades na contratação ao se ver, muitas vezes, como a única pessoa negra no ambiente, algo que se tornou uma inquietação ao longo da carreira.

Raissa contribui para criar oportunidade para outros profissionais negros, algo que não encontrou tempos atrás, quando participava de processos seletivos e as empresas não contavam com recrutadoras negras. As recrutadoras não costumavam entender a realidade de uma mulher negra e periférica, que tinha que enfrentar a jornada dupla de estudar e trabalhar e cruzar quase toda a cidade da sua casa até o local de trabalho. 
 
“Se hoje nós somos o início, espero que mais pessoas pensem da mesma forma que eu penso e possam dar mais oportunidade para pessoas furarem a bolha e, assim, quem sabe um dia, a gente chegue em um mundo ideal no que se refere à igualdade de oportunidades”, declara Raissa. 

Abismos no mercado de trabalho


Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) mostram que apenas um terço dos cargos de diretoria são ocupados por pessoas negras. Já o Instituto Locomotiva apresentou uma pesquisa que  mostra que um homem branco, com curso superior, ganha em média R$7.286, enquanto homens negros têm uma média salarial de R$4.990, uma diferença de 46%. 

A disparidade é ainda maior quando comparado às mulheres negras, com média de R$3.067, menos da metade que ganha um profissional branco. Esse abismo salarial impacta diretamente no poder aquisitivo da população negra, e, consequentemente, na sociedade como um todo. 

O professor de economia do Centro Universitário UNA Mussa Vieira aponta que uma possível solução para a disparidade de salário e oportunidades tem que surgir do poder público, que deve criar políticas afirmativas, como o sistema cotas, para acesso ao mercado de trabalho. 
 
Para o acesso ao ensino superior,  existem políticas púlbicas como o sistema de cotas, o ProUni e o Fies, que viabilizam a inserção de pessoas negras e de baixa renda. O professor defende que, do mesmo modo, seria possível criar um sistema que aplicasse essa lógica ao setor corporativo. “A sociedade brasileira ainda trabalha as políticas afirmativas como um favor, mas não são. Políticas afirmativas existem para corrigir um erro do passado, corrigir as desigualdades do presente e melhorar a projeção para o futuro”.

O professor ainda aponta que a diversidade nas empresas deve ser encarada como uma meta, como um fator essencial para o desenvolvimento, não como uma obrigação. “Quando a empresa começa a juntar essas pessoas, cria um choque cultural benéfico, e quem sai ganhando é toda a comunidade”, conclui o professor.
 
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Maria Cruz 


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