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Eleita ícone da América Latina, Janaína Rueda quer mudar o mundo através da gastronomia

Chef paulistana ganhou visibilidade por colocar o Centro de São Paulo na rota gastronômica, onde hoje tem quatro estabelecimentos


01/11/2020 04:00 - atualizado 02/11/2020 10:18

Pão chinês, nugget de galinha caipira e repolho(foto: Mauro Holanda/Divulgação)
Pão chinês, nugget de galinha caipira e repolho (foto: Mauro Holanda/Divulgação)
Uma brasileira que representa a América Latina. A escolha de Janaína Rueda como ícone do ano pelo Latin America’s 50 Best Restaurants não é um reconhecimento apenas para o Brasil. A iniciativa premia o Centro de São Paulo, a força da mulher, a comida democrática e a vontade de transformar o mundo através da gastronomia. “Fiquei muito feliz, porque pude dar voz às pessoas do meu entorno e mostrar um trabalho que faço com o coração”, comemora a chef, que é sócia do marido, Jefferson Rueda, em quatro casas: Bar da Dona Onça, A Casa do Porco, Hot Pork e Sorveteria do Centro.
 
A paulistana ganhou visibilidade por vários motivos, sendo o primeiro deles colocar o Centro de São Paulo na rota gastronômica do país e do mundo. Há 12 anos, ela abriu o Bar da Dona Onça debaixo do Edifício Copan, na Avenida Ipiranga, região onde nasceu e cresceu (vendeu de lanche a roupa e chegou a ser caixa de uma boate de performance de travesti). A chef ousou na escolha do ponto e do cardápio, dedicado ao que ela chama de cozinha popular brasileira. “É uma comida de casa, mas com técnicas de alta cozinha, que aprendi com o Jefferson”, explica.
 
Janaína tem orgulho de dizer que a feijoada é o prato que a melhor representa. Não há dúvida de que ela revolucionou a tradicional receita ao usar apenas carnes frescas (linguiça e bacon, por exemplo, são feitas por Jefferson). “Usar carne salgada é um hábito da época dos tropeiros, dos bandeirantes, quando não existia geladeira. A cozinha brasileira tem que evoluir e tem que ter mais frescor, e foi o que fiz com a feijoada”, justifica a chef, que levanta a bandeira dos ingredientes frescos.
 
Tartar de carne, pão preto, maionese de mostarda e rabanete(foto: Mauro Holanda/Divulgação)
Tartar de carne, pão preto, maionese de mostarda e rabanete (foto: Mauro Holanda/Divulgação)
 
 
Seu propósito na cozinha é claro: deixar a comida brasileira cada vez menos industrializada. O que isso significa? Fazer o máximo de preparos na própria cozinha, como molhos, caldos e iogurte, usar queijos artesanais, ovos caipiras, carne de animais criados soltos, frutas, verduras e legumes orgânicos. “As pessoas não vão sair de casa para comer em um restaurante molho de tomate industrializado e queijo de grande indústria, isso compram no supermercado e comem em casa. Temos que ter um diferencial.”
 
A mudança não precisa ser de uma vez, Janaína defende. Pode ser implementada aos poucos, como ela fez. Há sete anos, parou de servir refrigerante industrializado no Bar da Dona Onça (A Casa do Porco já abriu sem). No momento, o seu objetivo é trabalhar exclusivamente com orgânicos nas quatro casas. “Alguns ingredientes ainda não são orgânicos, como a cereja. Não quero tirar o floresta negra da sorveteria, então estou pensando em plantar, trocar definitivamente por outra fruta ou ser mais sazonal.”
 

Faça a sua parte

 
No Dona Onça, os clientes já sabem: as saladas e as frutas mudam de acordo com a estação. “Dá muito trabalho ter orgânicos, fica mais caro, mas a mudança tem que partir de nós. Se cada um fizer a sua parte, o mundo muda mais rápido. Não podemos esperar o do lado fazer. Faça, arrisque, tenha segurança dos seus ideias, do seu propósito.” Parte dos alimentos são produzidos no Sítio Rueda, administrado pela família. A Mercearia da Cidade, que será o quinto negócio do casal no Centro, venderá produtos que eles mesmo fazem (a abertura teve que ser adiada por causa da pandemia).

A chef também luta para ver a cozinha como ferramenta de educação. “O meu sonho é que todas as escolas públicas tenham gastronomia no currículo, assim como religião e educação física. Não existe melhor forma de aprender do que comendo, e você aprende de tudo, geografia, história, matemática.” Janaína ajudou a criar o projeto Cozinheiros pela educação, do estado de São Paulo, que durou quatro anos. Entrava em sala de aula para conversar com alunos e professores sobre gastronomia e treinou, pessoalmente, 1,8 mil merendeiras para preparar receitas com alimentos frescos.
 
O propósito de Janaína Rueda na cozinha é deixar a comida brasileira cada vez menos industrializada(foto: Thomas Baccaro/Divulgação)
O propósito de Janaína Rueda na cozinha é deixar a comida brasileira cada vez menos industrializada (foto: Thomas Baccaro/Divulgação)
 
 
No início da pandemia, quando todo o setor estava desesperado, Janaína arregaçou as mangas e partiu para a ação, atitude que pesou na decisão dos jurados do prêmio. Ela uniu chefs do Brasil todo para reivindicar ajuda financeira do governo. “Percebi nitidamente que a cozinha brasileira é muito unida. Falar o contrário disso é uma mentira.” Em paralelo, ajudou a alimentar a população vulnerável. O Bar Dona Onça virou centro de coleta de doações, que eram distribuídas para líderes comunitários no Centro.
 
Janaína nunca passou por apuros, pois sempre foi dona do negócio, mas sabe que não é fácil ser mulher na cozinha. Por isso, não tolera comportamento machista (“é daqui para a rua”) da sua equipe. Na Casa do Porco, elas são maioria e provam ter uma liderança nata. “Desculpem-me os homens, mas as mulheres são naturalmente mais fortes porque conseguem dar a vida a alguém. É inevitável falar que a mulher vem com a força da natureza. Eles que lutem.”
 

Por amor

 
Janaína diz que começou a cozinhar por amor. Nunca imaginou ser cozinheira até conhecer Jefferson, que já tinha oito anos de estrada. “Como sou uma pessoa muito atrevida, não ligava que o Jefferson era um chef muito renomado e cozinhava normalmente, sem nenhum problema. Ele começou a falar que a minha comida era muito boa, foi me ensinando e me deu força.”
 
Na época, Janaína trabalhava com vinhos e cozinhava todos os dias em casa para a família. Só decidiu virar cozinheira para ter mais tempo com o marido, que trabalhava 20 horas por dia e chegava a dormir no sofá do restaurante. “Descobri que, para ficar perto dele, tinha que ser na cozinha. Eu gostava de vinhos, de comida e de gente, ou seja, três coisas muito boas para um restaurante.”
 
 
Arroz de galinhada caipira, quiabo e gema curada(foto: Mauro Holanda/Divulgação)
Arroz de galinhada caipira, quiabo e gema curada (foto: Mauro Holanda/Divulgação)
 
A ideia do Dona Onça surgiu de tanto Janaína ouvir Jefferson dizer que não havia nenhum bar em São Paulo com comida boa como a dela, de casa. Sobre o nome, em referência ao apelido que ganhou do marido, ela explica: “quando você é justa, acaba tendo fama de brava”. Jefferson ficou os três primeiros meses ajudando na cozinha. “Foi uma fase muito difícil, tinha medo do dia em que ele fosse embora, mas ele foi embora e aprendi muito rápido. Tenho desde criança uma liderança natural e sabia que podia pedir ajuda para ele, e ele apareceu muitas vezes”, conta.
 
O cardápio revela várias referências de Janaína. A avó dela, espanhola, era especializada em cozidos. A mãe frequentava muitos restaurantes e sempre levava a filha para comer fora, ou organizava jantares em casa . “A minha casa vivia cheia de chefs de cozinha da época, eram cozinheiros da noite.Lembro-me de comer estrogonofe, steak à Diana e coquetel de camarão.” Soma-se a isso a cozinha do interior apresentada por Jefferson, que nasceu em São José do Rio Pardo, Minas (uma viagem a BH e Diamantina, pouco antes de abrir o Dona Onça, “foi uma grande inspiração”) e influências boêmias.
 
 
Rabada de boi, polenta cremosa e agrião(foto: Mauro Holanda/Divulgação)
Rabada de boi, polenta cremosa e agrião (foto: Mauro Holanda/Divulgação)
 
Sete anos depois, Janaína ficou ainda mais próxima do marido. Jefferson deixou restaurantes sofisticados para abrir A Casa do Porco, a poucos quarteirões do Dona Onça, e hoje eles são sócios em mais duas casas, Hot Pork e Sorveteria do Centro. Os chefs se revezam e dão suporte em todas as cozi- nhas. “A gente se complementa muito, somos uma coisa só. Somos casados, sócios e trabalhamos juntos. Ninguém vive sozinho, precisamos sempre de parcerias, e nós dois fizemos uma boa parceria.”
 
Janaína brinca que já conseguiu superar o mestre. Aprendeu com Jefferson o preparo da galinhada, mas ele mesmo diz que não sabe fazer igual, a dela é muito melhor. Depois de anos servindo com um ovo frito por cima, a chef resolveu fazer diferente. Curou a gema de ovo para complementar o prato e ouviu do marido: “estou criando um monstro”. A paulistana se diverte com a história que, no fundo, fala sobre o amor. Amor que rende receitas memoráveis. 
 

Arroz de galinhada caipira


Ingredientes
2 galinhas caipiras inteiras, cortadas em partes; 1 cenoura em cubos; 2 cebolas em cubos; 6 dentes de alho cortados ao meio; 6 tomates maduros em cubos; 250g de arroz agulhinha; 500g de quiabo picado; sal e pimenta-do-reino a gosto; 2 litros de água; azeite para refogar; salsinha e cebolinha para finalizar

Modo de fazer
De véspera, faça uma marinada com cenoura, cebola, alho, sal, pimenta e azeite e tempere os pedaços de galinha. Deixe apurar de um dia para o outro. No dia seguinte, separe a ave da marinada e reserve. Em uma frigideira, doure bem a galinha. Em outra frigideira, refogue a marinada até que doure bem. Junte tudo em uma panela de pressão, acrescente a água e os tomates e cozinhe por 25 minutos. Acerte o sal, deixe esfriar e desfie a ave, preservando o caldo. Em outra panela, coloque o frango desfiado com o caldo e o arroz agulhinha. Cozinhe por 7 minutos e reserve. Em uma frigideira, salteie o quiabo no azeite por 3 minutos. Incorpore o arroz e misture. Salpique salsinha e
 cebolinha e sirva. 
 

Saiba mais

 
Todo ano, o prêmio Latin America’s 50 Best Restaurants homenageia, na categoria ícone, um chef que dá uma contribuição importante para o setor de restaurantes. O nome é escolhido através de uma votação com mais de 250 pessoas em todo o continente. A cerimônia de premiação, desta vez virtual, será em 3 de dezembro, mesmo dia do anúncio da lista dos 50 melhores restaurantes da América Latina (A Casa do Porco ficou em 39º lugar no ano passado). 

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