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Em "Alegoria da paisagem", terceiro álbum solo de Roger Deff, rapper homenageia o Jardim Alvorada e moradores de outros bairros da periferia da capital

Flávio Charchar/DIVULGAÇÃO
Uma aula no mestrado em artes em 2019 – com linha de pesquisa em processos de formação, mediação e recepção –, na qual se debatia um conceito de “paisagem”, serviria de inspiração para o título e as temáticas inseridas no terceiro disco de estúdio do rapper mineiro Roger Deff, “Alegoria da paisagem”, lançado nesta quinta-feira (19/10) nas plataformas digitais e que ganhará em novembro uma versão em LP. O álbum possui oito músicas e ainda versão alternativa para a faixa “Amor pela quebrada”.

“A professora Raquel levou para a sala um texto que falava que uma paisagem não existe a priori, mas, sim, a partir do momento em que é observada por alguém”, relembra o músico, jornalista e pesquisador de 46 anos. “Levei essa ideia para uma leitura social. Se paisagem é aquilo que é visto, o que é a paisagem de BH? A periferia não é mostrada como cartão-postal da cidade. Porém, ela é uma paisagem? Esse tipo de lugar existe? As pessoas dali existem se não são vistas? Quem as legitima? Então, o nome ‘Alegoria da paisagem’ surgiu num contexto de questionar, mas também de afirmar a periferia como paisagem, com toda sua potência, suas contradições e o lugar que é.”

Naquele ano, o integrante do grupo belo-horizontino de rap Julgamento daria à luz a seu primeiro rebento fonográfico solo, “Etnografia suburbana”, e a ideia para “Alegoria da paisagem” começava a brotar na mesma época. Sucessor de "Pra romper fronteiras" (2021), o terceiro álbum é ainda uma homenagem às comunidades. “Dentro da tradição do rap, existe a temática do território. Cada rap fala muito de sua quebrada, sua periferia. O cara de Nova York fala de Nova York, o de São Paulo fala de São Paulo, o de BH, de BH. Mais especificamente queria trazer o (bairro) Jardim Alvorada, representando também outras várias possibilidades de se pensar em periferia”, conta.

O mais novo trabalho também ganhou a conotação de tributo ao pai, seu Teodoro, falecido em outubro de 2022. “Meu pai estava sempre muito feliz com o rap rolando. A música me deu a possibilidade de me conectar com minha família. Meu pai com certeza iria gostar de ouvir este álbum”, comenta o cantor.

Trilogia da periferia

Além de confirmar que seus discos solo são conceituais, Roger Deff traça uma linha que une essas obras. “Entendo que os três se comunicam, numa espécie de ‘Trilogia da periferia’. Nem sei se o nome seria esse, mas há uma trilogia ali. Eu parto de um estudo macro com o ‘Etnografia’, depois foco no hip-hop, meu momento de descoberta do hip-hop e a batida clássica no ‘Pra romper fronteiras’, e falo da quebrada no ‘Alegoria’. E esses trabalhos, esses temas, se comunicam”, pontua.

O cantor espera que o maior número possível de pessoas escute o álbum, após cumprir mais um objetivo na carreira. “Consegui eternizar as pessoas do meu bairro nessa narrativa. E a galera que já ouviu o single ‘Amor pela quebrada’ (lançado em 29 de setembro) se reconheceu ali. Se essas pessoas se reconheceram ali, para mim já valeu”, afirma.

Crônicas líricas

Tendo o rap como fio condutor para suas crônicas líricas, Deff transita por outros territórios musicais, como samba, samba-rock, funk e jazz. “Essa relação com a música brasileira sempre me interessou muito. O Julgamento até fazia um pouco disso, mas eu queria ir mais a fundo e trabalhar com temas mais pessoais e intimistas, um lado de vivência mais pessoal”, relata ele, citando influências de Emicida e Criolo.

Um dos exemplos que ratificam as simbioses da linguagem hip-hop com outras vertentes artísticas é “No calor do dia”, terceira faixa do novo álbum e que conta com a participação da mineira Adriana Araújo. “Adriana é uma das representantes do samba mais fortes daqui. Além disso, temos origens parecidas, somos duas pessoas negras, da periferia, que têm a música como caminho para circular a cidade e ocupar espaços. E ter a voz de uma mulher negra é muito importante”, diz.

Rolê à la Clube da esquina

As parcerias, entre outras, continuam com X (da banda brasiliense Câmbio Negro) e o mineiro Radical Tee, na faixa “Não desisti”; Rodrigo Borges, em “Canto pra subir” – “homenagem à quebrada e que ganhou um rolê meio Clube da Esquina” (Rodrigo é sobrinho de Lô e Márcio Borges), além do percussionista Luciano Cuíca Play, ex- Black Sonora. 

O terceiro disco conta também com os cantores e companheiros de Deff desde “Etnografia suburbana” Celton e Michelle Oliveira, o guitarrista Ricardo Cunha, o baterista Edgar Filho – esses dois ainda assinam a direção musical e a produção do álbum –, o baixista Luiz Prestes, o tecladista, flautista e saxofonista Marcel Kavalim e o DJ Hamilton Júnior. “As parcerias são interessantes, porque você traz uma narrativa de uma história que é pessoal, mas convida pessoas para ampliar essa leitura. É uma sorte também ter pessoas próximas e que têm tudo a ver com a história que você está falando”, ressalta Deff.

“ALEGORIA DA PAISAGEM”
• Roger Deff
• 9 faixas
• Independente

*Estagiária sob supervisão de Thiago Prata e Tetê Monteiro