A jornalista Carol Braga

A jornalista Carol Braga no camarim do Sesc Palladium, preparando-se para participar da única sessão de "Para dar um fim no juízo de Deus" na Virada Cultural de BH, em 2016

Leandro Couri/EM/D.A Press


Carol Braga*

 

Como será encontrar Zé Celso? Será que ele chega muito tempo antes? Será que ele fica no palco o tempo inteiro? Será? Será? Será? Minha expectativa estava nas alturas quando o Teatro Oficina autorizou que eu vivesse uma experiência inédita na minha vida. Ser atriz por um dia na única apresentação que o grupo faria em Belo Horizonte da peça “Para dar um fim no juízo de Deus”, durante a Virada Cultural de BH, em 2016. 

O objetivo era justamente contar os bastidores dessa cena em uma reportagem aqui para o jornal Estado de Minas. Antes de chegar ao Sesc Palladium, vivi um mix de sentimentos. Além da ansiedade e da expectativa, que caminhavam de mãos dadas, também senti medo. Afinal, para quem ama o teatro, estar diante de um diretor do calibre de Zé Celso, era muita emoção. 

A peça estava marcada para a 0h, e eu cheguei por volta das 19h. Me passaram todas as coordenadas, mas, lá no fundo, eu só queria saber do Zé. "Está no camarim", era a resposta padrão para a pergunta que eu fazia insistentemente. Tipo criança viajando que quer saber se  o destino está próximo. Até que a porta do tal camarim se abriu e ele foi para o palco. 


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Nessa montagem, Zé Celso também atuava e tinha o corpo totalmente pintado de vermelho. A caracterização dos atores e, consequentemente a dele, era toda feita no palco e não no camarim, o que já foi uma surpresa para mim. A outra foi que não encontrei no diretor a figura solar que eu talvez tenha criado na minha cabeça. 

 

O Zé Celso que apareceu no palco do Sesc Palladium para se apresentar na Virada Cultural de BH era um homem sério. Muito sério e concentrado. Quando me aproximei para fazer uma foto, ele chamou a minha atenção. Isso que dá jornalista fã querer ser paparazzi. A partir de então, comecei a observar e admirar de longe. 

Além de ser o que me restara, era também uma forma de prestar mais atenção aos detalhes. Aquele homem sério com quem me deparei horas antes de abrir as portas para a plateia desapareceu completamente quando o público entrou. Zé Celso Martinez Corrêa era um ser de teatro e, como tal, ele se alimentava da troca com o público. É a razão daquilo tudo. 


Por mais hermética, difícil, longa ou dionisíaca que qualquer peça que ele tenha feito ao longo da vida possa ter sido, o artista sempre cria pensando na relação com a plateia. Por isso, testemunhar a mudança de energia de Zé Celso quando as portas do Sesc Palladium se abriram trouxe para mim o mesmo encantamento que ver uma lagarta se transformando em borboleta. Uma metamorfose na minha frente.


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A mudança de energia, as expectativas, todas as informações que eu estava processando estavam tão intensas que, durante o espetáculo, acabei tropeçando em uma máquina de fumaça e caí na coxia. Um vexame, claro. Hoje, sete anos depois, penso que, talvez, meu corpo não tenha dado conta de processar tudo aquilo. Sucumbiu.

Toda experiência teatral transformadora tem algo que transcende nosso entendimento. Eu já sentia isso ao ver as peças dirigidas por Zé Celso. Ao testemunhar mais uma entrega apaixonada, compreendi que a missão dele sempre foi além de simplesmente encenar obras de arte.

Zé Celso buscava despertar algo profundo dentro de cada um de nós. Estar com ele, seja na plateia, seja entrevistando ou mesmo vivendo uma experiência maluca de ser atriz por um dia no Oficina, era também um convite a transcender nossos próprios juízos e mergulhar de cabeça na experiência coletiva da arte. 


A presença dele no palco era uma lembrança poderosa de que o teatro é um lugar de encontros e transformações, onde nossas emoções podem encontrar ressonância e nosso senso de humanidade é revitalizado. Evoé!

 

 

 

*Carol Braga é jornalista. Foi repórter do Estado de Minas entre 2011 e 2016. É criadora do site “Culturadoria”, onde escreve atualmente.