José Celso Martinez Corrêa

José Celso Martinez Corrêa, em Ouro Preto, em 2006

Cristina Horta/EM/D.A. Press

“Minha avó era índia, eu sou um xamã.” Assim Zé Celso se definiu em entrevista concedida ao Estado de Minas, em 2018. Embora recorresse às suas raízes, ele não aceitava rótulos. “Esse negócio de ‘ismo’ não dá. Não gosto de comunismo, não gosto de capitalismo, não gosto de feminismo, não gosto de ‘viadismo’. Os ‘ismos’ foram muito importantes até certa parte, mas, num momento como este, tem que acabar com os ismos, é preciso juntar tudo”, afirmou, na mesma entrevista.

O momento, como se sabe, correspondia à ascensão da extrema direita no cenário político brasileiro. Verdadeiro agregador, o diretor e dramaturgo enxergava o teatro como instrumento para “reunir todas essas forças que estão separadas”. 

“O teatro é exatamente o fato cultural do cara a cara, de gente ao vivo”, disse, reafirmando o poder “transumano de transmutar” dessa arte milenar. “Traz sempre um sentido de aglutinação, de ação.”

Sobre a criação do Teatro Oficina, em 1958, em conjunto com Amir Haddad, Carlos Queiroz Telles, Fernando Peixoto, Renato Borghi, Ítala Nandi, Etty Fraser, entre outros, ele brincou tratar-se de uma espécie de reunião dos estudantes de Direito fracassados. O grupo nasceu na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Por improvável que pareça, “foi onde me encontrei”, contou o artista.



O Teatro Oficina ganhou notoriedade no final da década de 1960, quando incorporou em suas montagens a experiência cênica internacional e, sobretudo, elementos do Tropicalismo, a partir da estética ligada à ideia de antropofagia concebida por Oswald de Andrade (1890-1954).


Na montagem de  “O rei da vela”, peça de Oswald escrita em 1933, publicada em 1937 e, até então, nunca levada aos palcos, o Oficina apostou em apresentar um manifesto satírico e insurgente contra as relações de poder e a posição de subserviência do Brasil em relação aos países considerados de primeiro mundo.

A crítica da montagem foi feroz. Um novo rico interessado em ascender socialmente por um casamento de fachada com uma aristocrata serviu de alegoria para condenar a relação entre países imperialistas e colonizados. De quebra, a peça ainda expunha a hipocrisia da elite conservadora e reacionária na forma que ela encarava - e até hoje encara - a sexualidade.


Mais do que expressar uma crítica contundente ao capitalismo, “O rei da vela” refletia sentimentos pessoais que Zé Celso nutria pelo sistema econômico.

“Tomaram o poder a favor do dinheiro, a favor do capitalismo ‘selvageééérrimo’, o capitalismo mais selvagem que a história humana já viu, em que a desigualdade é enorme e o capital financeiro, de especulação, pega o capital agrário, pega o capital industrial e leva lá longe. Sei disso, sou testemunha disto, estou dizendo uma coisa concreta”, afirmou o dramaturgo.

Ao longo da vida, as críticas de Zé Celso ultrapassaram o limiar ideológico, sendo direcionadas aos atores políticos do Brasil. Para ele, o Congresso Nacional era um “teatro de quinta categoria”, composto por lacaios. “O Senado era para ser um lugar de sabedoria, já foi, mas atualmente não é mais”, afirmou.

“O Brasil já teve muitos políticos talentosos e tem muitos políticos talentosos. Um dos mais talentosos está preso (em referência a Lula, que em 2018 estava detido em Curitiba). Mas, hoje, não tem talento político. São pessoas que, além de não ter talento, são ignorantes mesmo, burras, feias. E são reativas a tudo o que foi conquistado no Brasil no campo cultural, das liberdades humanas, na área social. A gente vê um moralismo feroz, fascista, um ódio, uma reação ao que é a criação.”

Também sobraram críticas e alfinetadas  para ex-governador de São Paulo, João Doria, e o então governador do estado, Geraldo Alckmin, quando Zé Celso abordou a disputa com o empresário e apresentador Silvio Santos envolvendo o terreno onde está construída a sede do Teatro Oficina, no bairro paulistano do Bexiga.

Até o fim, Zé Celso lutou pelas causas que defendia. Sem travas na língua.