O professor Jorge Coli

O professor de história da arte Jorge Coli faz a conferência de abertura: "O corpo e seus mistérios"

Damião Francisco/divulgação

Como pensar um mundo em constante movimento? “A velocidade das transformações é tão grande que neste momento de incerteza somos capazes de reconhecer apenas o caráter transitivo dos acontecimentos”, afirma o jornalista e professor Adauto Novaes. Criado por ele, o ciclo de conferências “Mutações” vem tentando apresentar caminhos para a reflexão sobre o tempo presente.

A 16ª edição do evento chega a Belo Horizonte neste mês, por meio de parceria com o projeto Sempre um Papo. A partir do próximo dia 22, 16 pensadores participam de debates no Teatro José Aparecido, na Biblioteca Pública de Minas Gerais – os encontros irão até outubro. Quem abre a programação na próxima semana é o professor de história da arte da Unicamp Jorge Coli.
 
Neste ano, o tema que norteia o ciclo é “Corpo-Espírito-Mundo: Passagens”, conceito tirado de Paul Valéry (1871-1945). “Meu espírito contém um mundo que contém meu corpo que contém meu espírito.” A citação do poeta e filósofo francês é feita por Novaes para explicar por que ele partiu da ideia de espírito.
“A perspectiva de um progresso ilimitado da ciência-poder e da técnica tende a confirmar a destruição do espírito ou, no mínimo, que ele se transforme em uma coisa supérflua”, diz Novaes. “Se se quiser destruir o homem e o mundo, comece por destruir o espírito deste mundo.”
 
Para Novaes, é preciso emancipar o espírito de sua própria criação. “Valéry cansou de alertar para a contradição entre a ciência-saber e a ciência-poder. Com o predomínio da ciência-poder, assistimos à ruína da ‘nobre arquitetura’ construída sobre dois pilares, a ciência e o saber. A derrota do pensamento traz outra consequência: manipulamos objetos técnicos que fazem operações sem que tenhamos o mínimo conhecimento do seu funcionamento. Eles são capazes de responder a complicadas questões sem que possamos seguir a lógica mais elementar”, afirma o filósofo.

Segundo Novaes, isto geraria impotência do espírito para que ele se opusesse ao que ele mesmo criou, a tecnociência. “Foi o que escreveu Paul Valéry: ‘Aquilo que nós criamos conduz-nos para onde não sabemos e para onde não queremos’.”
 
Ele coordena ciclos de conferência desde a década de 1990, época em que estava à frente do Centro de Estudos e Pesquisas da Funarte, no Rio de Janeiro. A partir de 2000, criou o instituto Artepensamento, por meio do qual continuou a realizar as séries de conferências. O ciclo já gerou 45 livros e, mais recentemente, sob o chapéu do Instituto Moreira Salles, chegou ao ambiente digital , com um acervo de 711 ensaios e 25 filmes.
 

Corpo é o tema de abertura 

 
Para o professor titular de História da Arte da Unicamp, o maior mistério do corpo é a sua presença material e a forma como ele age, de maneira indecifrável.

“Enquanto o espírito é associado aos processos conscientes de decisão e existência, o corpo é um enigma em si mesmo. Ele abriga tanto as dores físicas quanto as paixões descontroladas, e passa por transformações e envelhecimentos imperceptíveis. Sua presença no mundo tem o poder de modificá-lo, mesmo que nossa percepção dele seja limitada”, afirma Coli.
 
Em sua palestra, o professor vai destacar a relação do corpo humano com outros corpos, animados ou inanimados. “Essa condição ontológica de coexistência é desafiadora. Estamos cercados pelo cosmos, imersos na multiplicidade infinita das coisas, à mercê das forças superiores da natureza e impotentes diante do destino. Lutamos para nos afirmar nessa condição, como seres compostos de corpo e espírito.”
 
E há ainda os corpos da arte. “A obra de arte é um corpo físico, material, mas possui uma dimensão espiritual que pensa e que transcende as categorias da racionalidade. Estamos no domínio do que Paul Valéry chamou de implexo, pressuposto da presença física das obras de arte no mundo como uma materialidade espiritual. Portanto, o maior mistério da obra de arte como corpo está em sua presença material, em suas interações com o mundo e em sua capacidade de evocar uma reflexão mais profunda e inquietante.”

O professor Newton Bignotto

O filósofo mineiro Newton Bignotto falará sobre "O novo espírito da guerra", no dia 16/8

Bazar do tempo/Divulgação
 

Filósofo mineiro aborda a guerra

 
Tomando como base três autores – Maquiavel, Clausewitz e Michael Walzer – o filósofo e professor titular aposentado da UFMG vai tratar das mudanças do espírito da guerra.

De acordo com Bignotto, em “A arte da guerra” Maquiavel relê a relação da guerra com a política. “E como ela evoluiu, criando um novo espírito no nosso tempo? Para Maquiavel, guerra e política são laços indissolúveis.”

Já Clausewitz, diz Bignotto, mostra que, além do aspecto violento, a guerra também tem um aspecto moral muito intenso. “A guerra seria uma continuação da política por outros meios. O pacifismo é um produto muito poderoso da Primeira Guerra, mas muitos intelectuais se viram diante de uma situação complicada quando a Segunda Guerra eclodiu.” 
 
Por fim, Bignotto vai trazer à tona o pensamento do filósofo americano Michael Walzer, a partir do livro “Guerras justas e injustas”. 
 
“Com estes três autores, farei um percurso da formação do novo espírito da guerra, que passa a ser impactada pelas transformações técnicas, morais e políticas, mas que continua atingindo os corpos, os bens e o espírito. As guerras contemporâneas vão tornando o corpo do outro uma coisa fraca. Os bens, que antes eram cobiçados, passam a ser destruídos de maneira aleatória. E, finalmente, a guerra impacta totalmente o espírito, da maneira como as pessoas vivem e de sua visão de mundo.” 

O professor Helton Adverse

O professor da UFMG Helton Adverse participa do ciclo com a conferência "Ausência de pensamento, esquecimento e ideologia", em 21/8

Reprodução
 

Uma reflexão sobre o mal, ontem e hoje 

 
A partir de “Eichmann em Jerusalém”, o polêmico (e brilhante) livro de Hannah Arendt que está completando 60 anos, o filósofo e professor da UFMG Helton Adverse vai tratar do conceito da banalidade do mal, que Arendt apresentou na obra. “Ideologia, ausência de memória e esquecimento são tópicos interligados a ele”, diz Adverse.
 
O filósofo vai abordar o contexto atual, “sem circunscrever uma análise de conjuntura”, para fazer uma ligação com a morte do espírito. “Como ele pode morrer? Tendo as suas faculdades – de pensar, julgar, relembrar – neutralizadas.” 
 
Em 1961, Arendt foi a Israel acompanhar o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann, capturado no ano anterior pelo Mossad em Buenos Aires. O subtítulo do livro é “Um relato sobre a banalidade do mal”. Em sua época, ela foi mal compreendida, pois muitos consideraram que o termo dava a entender que a autora estaria amenizando o horror cometido por Eichmann.   
 
“Não era nada disso, não se tratava em absoluto de desculpar, mas de entender como um homem comum poderia ter sido cúmplice da perpetração de um dos maiores crimes da história da humanidade. E a banalidade do mal significa também que esse mal pode se repetir no tempo atual. Não é preciso um contexto extraordinário para que isto se repita”, acrescenta Adverse.

16 AUTORES E SEUS TEMAS

Confira a programação do ciclo de palestras

  22/6 – Jorge Coli: 
  “O corpo e seus mistérios”

  26/6 – Eugênio Bucci: 
  “O espirituoso espírito artificial”

  3/7 – Oswaldo Giacoia: 
  “O espírito e a criação de mundos”

  6/7 – Luis Alberto Oliveira: 
  “A máquina que apaga o tempo e a memória”

  10/7 – Márcia Cavalcante: 
  “O nanquim do acaso”

  13/7 – Roberto Zular: 
  “Valéry e a antropologia do espírito”

  17/7 – Frédéric Gros: 
  “Apropriação predatória e apropriação ecológica”

  24/7 – Renato Lessa: 
  “A condição cretina: notas sobre 
  a burrice e a estupidez”

  27/7 – João Cezar de Castro Rocha:       
  “Kasparov e a máquina”

 31/7 – Vladimir Safatle: 
“Outra destruição da natureza é possível”

  7/8 – Thomás Zichman de Barros:
   “A transgressão e o populismo – ou 
  a defesa do trans-populismo”

  10/8 – Pedro Duarte: 
  “Duas cartas de amor na era da técnica”

  16/8 – Newton Bignotto: 
  “O novo espírito da guerra”

  21/8 – Helton Adverse: 
  “Ausência de pensamento,  esquecimento
   e ideologia”

  9/10 – Jean-Pierre Dupuy: 
  “Da cibernética à inteligência artificial”

  Olgária Matos: “A democracia à prova da      
  verdade” (data a ser definida) 
 

SEMPRE UM PAPO – MUTAÇÕES

Os debates serão sempre às 19h30, no Teatro José Aparecido de Oliveira, na Biblioteca Pública de Minas Gerais, Praça da Liberdade, 21, Funcionários. Entrada franca. Ingressos devem ser retirados pelo site Sympla