Daniel Rocha e Tony Lee fumam maconha em cena do filme O mestre da fumaça

Daniel Rocha e Tony Lee em "O mestre da fumaça", comédia "lisérgica" em cartaz em BH

Lança Filmes/divulgação


Desde que perdemos Paulo Gustavo, o Brasil não conseguiu produzir algo que se parecesse com um filme popular. Nem mesmo Halder Gomes, de “Os parças” – o primeiro, de 2017; o segundo é uma bomba –, conseguiu emplacar nada memorável. Não havia por que esperar grande coisa de “O mestre da fumaça”, tentativa de kung fu brasileiro.

No entanto, surpresa! Eis aí um filme simpático e apreciável que, com um pouco de sorte, pode atrair boa quantidade de espectadores aos cinemas. Em todo caso, não é por acaso que ganhou o prêmio do público da Mostra de São Paulo no ano passado.

Sim, “O mestre da fumaça” se inscreve numa tradição brasileira, a da paródia. Aqui, logo no início, a Tríade, que parece mistura de máfia com escola de artes marciais, mata um mestre da fumaça com ardil bem sem vergonha, no sentido de mal-ajambrado – o envenenamento da fumaça em seu cachimbo. Pior, a Tríade promete matar os seus descendentes até a terceira geração. Até aqui estamos na China.
 
 

A ação é retomada no Brasil anos depois, quando o neto mais velho do mestre, por nome Daniel, está para completar 27 anos – data limite para sua execução, pois depois disso ele estará livre. Ele e seu irmão mais novo, Gabriel, são inseparáveis. Daniel já é um mestre das artes marciais; Daniel, ainda não.

Ocorre que Daniel é baleado e, assim, impossibilitado de se defender de qualquer ataque. Então Gabriel vai à luta, em busca do último mestre da fumaça, que logo descobriremos ser um chinês pouco acolhedor a novos discípulos. Daniel terá de passar por algumas provas se quiser tê-lo por professor.

Então vem a melhor notícia: o segredo dessa escola de artes marciais é ninguém mais, ninguém menos que a maconha. Dela vem o grande saber dos seus lutadores. Esse poder invencível chega de cigarros, cachimbos e mesmo charutões de maconha. Entramos no terreno de uma suave transgressão.

Pancadas e Cannabis

O aprendizado de Gabriel é duro: tem de aprender a tragar o cigarro, a enrolá-lo e tudo mais. Isso vem junto com o aperfeiçoamento no kung fu, o que supõe muitas tragadas e não poucas pancadas.

O kung fu, sabemos, é antes de tudo um aprendizado espiritual. Assim, logo que chega ao mestre, sedento de vingança, por conta do irmão baleado, este lhe ensina, entre uma baforada e outra, que precisará esquecer o irmão etc. e tal. Kung fu padrão.

Há ensinamentos mais específicos e nada tolos. Assim, o ar é um dos quatro elementos da natureza, e entre eles o mais fugidio. Ou seja, o lutador que aprende a filosofia da fumaça ele próprio adquire a capacidade de se tornar fumaça, isto é, invisível.

Seria bom mesmo que o rapaz se tornasse invisível, pois a gangue inimiga é temível. Quem a comanda, aqui no Brasil, é um sujeito fortão e mal-encarado, cuja particularidade é a semelhança com John Travolta, mas um Travolta que não tivesse dado certo.

Ele recebe ordens direto da China e, a seu lado, tem uma jovem ruiva especialmente sádica. Adora ver sangue e morte. É uma pena que seu personagem não tenha tido desenvolvimento maior. Merecia bem mostrar um lado masoquista tão interessante quanto esse aspecto sádico.

Aliás, uma deficiência do filme é a ausência de lutadoras. Talvez isso aconteça por machismo, talvez por falta de lutadoras de kung fu competentes entre nós.

No mais, o aspecto de paródia não chegou às lutas. Elas são cuidadosamente encenadas e, se não atingem a violência dos filmes originais, em todo caso não passam vergonha. No mais, o filme é bem quadrado, e pode-se pensar que seu público não espera por mais do que isso.

Se “O mestre da fumaça” se credencia como paródia popular de um gênero idem, pode-se dizer também que perde a chance de invadir mais decisivamente o registro da comédia – sustentado apenas pelas baforadas e explicações do mestre. Isso pode ficar para a próxima vez. (Inácio Araújo – Folhapress) 

“O MESTRE DA FUMAÇA”

Brasil, 2022. Direção de Andre Sigwalt e Augusto Soares. Com Daniel Rocha, Tony Lee e Luana Frez. Em cartaz na Sala 3 do Una Cine Belas Artes, às 16h20