Volks incendiado durante protestos contra a realização da Copa do Mundo no Brasil

Protesto em ato contra a Copa do Mundo registrado por Gabriela Biló

Gabriela Biló/reprodução

'A história é contada por quem está no poder e muda tanto que é importante a gente ter um livro que conte essa narrativa política, que preserve isso, que não deturpe'

Gabriela Biló, fotógrafa


Logo no início do livro de fotografia “A verdade vos libertará”, na página 20, um aviso: “Saímos do Facebook”. Acima, vê-se uma pessoa encapuzada com um extintor nas mãos prestes a quebrar um ônibus. Gabriela Biló captou a imagem em novembro de 2013, durante um ato do Movimento Passe Livre (MPL) pela tarifa zero, no Centro de São Paulo.

A pichação, que ela transcreveu para o livro, era o início do fenômeno que tomaria dimensão até então inimaginável. O movimento organizado em grupos de Facebook saía da rede para tomar as ruas do Brasil, causando, quase 10 anos depois, o caos que resultou em quebra-quebra e prédios oficiais queimados em Brasília no fatídico 8 de janeiro de 2023.

Das redes para o asfalto

Em 2013, Biló monitorava os grupos para saber onde seriam os protestos, que não tinham liderança oficial e surgiam de forma orgânica nas redes sociais antes de saltar para o asfalto.

“Quando começava a conversar sobre os rumos políticos que o Brasil tomou, sempre falava que, para mim, tudo tinha conexão com 2013, mas percebia que muitas pessoas se surpreendiam com essa análise. Para mim, é uma narrativa que sempre foi muito clara”, conta a fotógrafa, que se juntou a Cristiano Botafogo e Pedro Daltro, do podcast Medo e Delírio em Brasília, e ao designer Pedro Inoue para criar o livro de fotografias “A verdade vos libertará”.

Na publicação da editora Fósforo há imagens captadas entre 2013 e este ano, todas elas fruto da cobertura de Biló, formada em jornalismo, para os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de São Paulo e para a agência Futura Press.

“Nossa história é uma coisa tão deturpada com o tempo. A história é contada por quem está no poder e muda tanto que é importante a gente ter um livro que conte essa narrativa política, que preserve isso, que não deturpe”, afirma a fotógrafa.

Deturpação é uma ideia que Biló conhece bem. Em 18 de janeiro deste ano, 10 dias após a invasão do Palácio do Planalto, a imagem feita pela fotógrafa publicada na capa da Folha de S. Paulo gerou polêmica, suscitando a discussão sobre fake news na fotografia que tomou as redes.

Fruto da técnica de dupla exposição, a imagem mostrava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o rosto abaixado, arrumando a gravata, por trás de uma vidraça do palácio estilhaçada pelos terroristas durante os ataques de 8 de janeiro.

Neste momento em que a inteligência artificial (IA) está cada vez mais apta a criar imagens de cenas que nunca existiram e a discussão das fake news se transporta também para o campo visual, a imagem em dupla exposição de Biló gerou reações de nomes importantes do fotojornalismo brasileiro, como Eder Chiodetto, ex-editor da Folha de São Paulo, que viu na imagem o deslocamento da função jornalística da fotografia.

“A múltipla exposição é um arquivo único, não são dois, tem essa coisa de elementos que estão no real com as condições dadas naquele instante, são coisas que estão acontecendo naquele momento, não posso criar nada que não esteja lá”, explica a fotógrafa.

Gabriela Biló tem olhar generoso para a chegada da IA ao mundo da fotografia. “Não sei muito como vai ser o papel dela no jornalismo, mas acho que tem espaço e lutar contra a IA é inútil. A IA está aí para ficar, a gente precisa entender que ela pode ser usada para defender valores humanos e democráticos”, acredita.

Mais preocupante é o extremismo nas redes e a circulação das fake news que engajam e levam os algoritmos a distribuir cada vez mais conteúdos violentos.
 
“Vai piorar muito antes de melhorar, a gente ainda está nesse caminho. Os algoritmos estão cada vez mais desenhados para fechar bolhas e bolhas são lucrativas, os extremismos crescem nessas bolhas”, observa a fotógrafa.

Liberdade de expressão e crime

Muitas vezes usada por plataformas e redes sociais para justificar a livre circulação de perigosas ideias extremistas, a liberdade de expressão, na opinião de Gabriela, tem limites e não pode ser exercida para embalar práticas criminosas.

“O limite da liberdade de expressão é quando começa o limite do outro. Você incentivar um crime não é liberdade de expressão, é crime. Liberdade de expressão (nesse caso) é um termo político usado para defender discurso de ódio”, diz Biló.

Ao longo do livro, é possível perceber ideias extremistas durante manifestações em diferentes momentos. Cartazes com pedidos de intervenção militar registrados em 2014, referências ao kit gay que, na narrativa bolsonarista, teria sido criado pelo petista Fernando Haddad e a própria escalada das fake news no WhatsApp são abordados por meio das imagens.

 O livro traz também os momentos políticos mais dramáticos do país, com as declarações chocantes de Bolsonaro durante a pandemia, os ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), o orçamento secreto, a posse de Lula e a invasão terrorista em Brasília de 8 de janeiro deste ano.

Algumas imagens vêm acompanhadas de QR codes com acesso a comentários de Gabriela Biló sobre o momento retratado e os métodos de trabalho adotados por ela.

Capa do livro A verdade vos libertará, de Gabriela Biló, tem o rosto de Jair Bolsonaro

Capa do livro A verdade vos libertará, de Gabriela Biló, tem o rosto de Jair Bolsonaro

Fósforo/reprodução
“A VERDADE VOS LIBERTARÁ:
2013-2023”

• De Gabriela Biló, com podcast Medo e Delírio e Pedro Inoue
• Fósforo
• 208 páginas
• R$ 149,90