A atriz Débora Falabella de pé, segurando mala de viagem e tendo ao fundo a Cordilheira dos Andes, em cena de 'Bem-vinda, Violeta!'

Rodado em Ushuaia, na Patagônia argentina, o filme tem o argentino Darío Grandinetti no papel de um escritor famoso que oferece residências literárias para jovens autores, como Violeta

Vitrine Filmes/divulgação

Em uma das primeiras cenas de “Bem-vinda, Violeta!”, filme de Fernando Fraiha (“La vingança”), que entra em cartaz nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (4/5), Viggo (personagem de Germán De Silva) diz para Ana (Débora Falabella): “Bem-vinda ao fim do mundo, querida! Tem que olhar por onde anda aqui. Um passo em falso, e você cai em um abismo terraplanista”.

Ana é uma aspirante a escritora que passou em um programa de residência literária com o prestigiado escritor argentino Holden (Darío Grandinetti). Viggo, por sua vez, é uma espécie de ajudante de ordens do romancista argentino, parceiro de longa data. 

O programa de residência é bastante singular e nada ortodoxo. Holden seleciona cinco alunos de diferentes nacionalidades para passar um tempo com ele em uma casa afastada de todo convívio social, na Patagônia argentina. 

Um verdadeiro processo de imersão para que os escritores não tenham distrações durante a concepção do romance – ao final do programa, cada aluno deve entregar uma história escrita ao longo do período de laboratório.
 

Pedagogia da crueldade

A maneira como Holden conduz esse processo, no entanto, é questionável –  por isso o conselho de Viggo logo no início da trama, interpretado por Ana e os demais residentes como piada. O escritor tenta extrair de seus alunos todo tipo de emoção,  no intuito de canalizá-las nos personagens dos romances que estão sendo concebidos durante o programa.
 
A forma como ele faz isso chega a ser brutal e cruel. No caso de Ana, que está escrevendo uma história sobre Violeta, uma jovem emocionalmente instável que seduz e, por fim, mata seu professor de biologia, Holden sugere que ela não consegue desenvolver os personagens de sua trama por ser covarde.

E vai além: ao descobrir que o que motivou Ana a ser escritora foi o sentimento de culpa que ela nutria pela morte da mãe durante o parto, Holden explora isso de maneira violenta. “Ana, a menina que matou a mãe e agora tenta agradar a todo mundo, também é uma personagem, só que mais covarde”, diz em certo momento, ao “explicar” o que seria um personagem.
 
 

Em outra situação, o escritor retém a bombinha para tratar asma de Ana, até que ela lhe dê características da personalidade de Violeta que ele julgue satisfatórias. Em uma sequência angustiante, a moça tem que se dividir entre tentar respirar e dar as respostas que o professor quer ouvir.

À medida que Holden explora memórias dolorosas de Ana e instiga sentimentos nada doces na moça, ela, estranhamente, mais se interessa pela residência e pela história que está escrevendo, a ponto de, em determinado momento, começar a viver a vida de Violeta.

Num comentário sincero com um colega, ela diz: “Eu pensava que seria Ana que escreveria sobre violeta. Mas agora vejo que é a Violeta que está escrevendo sobre Ana”.

A própria personalidade dela muda, deixando de se portar como boa moça para se tornar uma mulher confiante, sensual e, de certo modo, emocionalmente instável – como no momento em que, de uma hora para outra, ela se irrita com os rascunhos que sua colega de quarto fez e joga tudo fora, destruindo, sem remorso, todo o trabalho dela.

Ana passa, então, a traçar os mesmos passos de sua personagem. Começa a se sentir interessada por Holden e tenta seduzi-lo, usando como artimanha algumas técnicas de que ele próprio lança mão no processo de residência.

Ele, no entanto, não cai no jogo da aluna. Mas, ao ver que as coisas estão saindo do controle, não faz absolutamente nada para conter a situação caótica que está prestes a se estabelecer. Em sua concepção, finalmente Ana estava dando vida à sua personagem e, consequentemente, à história que pretendia escrever.

“Acho que o Viggo é um sábio e o único personagem que entendeu o que acontece naquela residência”, avalia Débora. “Ele já passou por muita coisa, é o personagem que está ali há mais tempo e já entendeu o que é aquela residência. Mas os artistas chegam com tanta sede, tanta vontade de aprender e de se desafiar que, na hora, aquilo (o comentário inicial de Viggo) passa despercebido, como se fosse uma piada interna”.
 
O cineasta Fernando Fraiha e o ator Dario Grandinetti estão lado a lado durante filmagens na Patagônia

Fernando Fraiha dirige o ator Dario Grandinetti na Patagônia

Vitrine Filmes/divulgação
 

“Cordilheira”

Baseado no livro “Cordilheira”, de Daniel Galera, “Bem-vinda, Violeta!” traz uma temática que não é inédita – o longa espanhol “O autor” (2017), de Manuel Martín Cuenca, talvez seja o melhor exemplo de obra que aborda exatamente a mesma questão. Contudo, para o diretor Fernando Fraiha, o diferencial de seu longa é que a trama não se limita ao fazer artístico.

“O Holden leva para um extremo. Ele é um manipulador. Para fazer o que ele faz, nem precisa ser um artista. Está cheio de líderes por aí de diversos tipos de seitas, desde religiosas, até políticas – e mesmo em empresas – onde o criador ou presidente acaba entrando nesse lugar mítico, tendo certo poder e influência sobre as pessoas”, afirma.

O diretor prossegue: “E, em contrapartida, há essa idolatria por parte das pessoas, que acabam sendo manipuladas e induzidas a fazer algo que não querem”. Fraiha conta que havia um bom tempo que estava de olho no romance no com o objetivo de adaptá-lo para o cinema. Mas como os direitos autorais já haviam sido adquiridos, logo que o livro foi lançado, em 2008, ele não podia levar adiante o projeto.

“Daí, num determinado momento, os direitos ficaram livres, eu apresentei uma proposta de adaptação e seguimos com o filme”, diz o diretor.
 
Paisagem da Patagônia, com picos gelados, em cena do filme Bem-vinda Violeta

Paisagem da Patagônia é 'mágica', afirma a atriz Debora Falabella

Vitrine Filmes/divulgação
 

Pontes sul-americanas

Embora a trama pudesse ser desenvolvida no Brasil, sendo ambientada em alguma cidade longínqua, a escolha por rodar “Bem-vinda, Violeta!” na Argentina se deu por dois motivos. Em primeiro lugar, para se manter fiel ao romance de Galera. E também para construir pontes entre o Brasil e demais países da América do Sul, rompendo com a ideia que se tem de que os brasileiros estão de costas para seus vizinhos.

Foram três meses de preparação para o filme, ao longo de 2020. Como era o auge da pandemia, as reuniões e primeiros ensaios foram feitos por videochamada. Somente quando a equipe desembarcou em Ushuaia, na Patagônia argentina, os atores tiveram a dimensão de como seria a trama e entenderam um pouco mais sobre seus personagens.

“Eu já tinha morado em Buenos Aires, mas não conhecia a Patagônia argentina”, conta Débora. “Me pareceu um lugar muito diferente de qualquer outro lugar que eu já tenha ido. A paisagem, a natureza, é tudo muito próprio. Isso foi mágico para mim e para minha personagem, porque, assim como Ana, eu cheguei num lugar desconhecido, com pessoas desconhecidas. Isso foi muito importante: eu chegar, não estar totalmente à vontade ainda e aquele lugar tomar conta de mim”, emenda.

“Bem-vinda, Violeta!” ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Austin (no Texas), em novembro do ano passado. O filme também foi laureado com o Troféu Redentor de melhor ator para Darío Grandinetti, no Festival do Rio, em outubro passado, e, em julho de 2022 levou o Spirit Award na categoria longa-metragem de ficção na 25ª edição do Brooklyn Film Festival.

“BEM-VINDA, VIOLETA!”

(Brasil/Argentina, 2022, 1h47). Direção: Fernando Fraiha. Com Debora Falabella, Dario Grandinetti, German De Silva e Maria Ucedo. Em cartaz a partir desta quinta-feira (4/5) no UNA Cine Belas Artes (Sala 2, 16h e 18h) e no Centro Cultural Unimed-BH Minas Tênis Clube (Sala 2, 18h20).