Vestido de preto em ambiente com velas, Keanu Reeves abaixa a cabeça em cena de 'John Wick 4: Baba Yaga'

Quarto capítulo estabelece um novo patamar para a franquia protagonizada por Keanu Reeves e a posiciona como o melhor espelho para os nossos tempos

Paris Filmes/Divulgação

John Wick, o personagem mais célebre de Keanu Reeves, chega ao quarto longa com uma operação ousada: todo o novo filme é dominado pela ideia de retorno. A começar pelo título brasileiro: "John Wick 4: Baba Yaga", em substituição ao original: "John Wick: Chapter 4".

Esse retorno não diz respeito apenas a uma similaridade com o ritmo mais alternado do primeiro longa, cadenciando um pouco a correria dos longas anteriores, mas também a uma série de passagens e lugares que o personagem precisa revisitar para continuar vivo. Esse retorno será tematizado e bifurcado na trama em uma série de pormenores.

Antes, recapitulemos. No primeiro longa, "De volta ao jogo", de 2014, um inconsequente filho de um mafioso russo invoca com Wick, rouba seu carro e, mais grave, mata o cachorro que havia sido um último presente da falecida esposa. Wick, obviamente, parte para a vingança.

Ficamos sabendo, pela reação dos outros personagens, que vencê-lo é tarefa quase impossível. Ele é uma espécie de "Baba Yaga", na denominação russa, um bicho-papão. O espectador conhece o mito John Wick.

Vingança

O segundo longa, "John Wick: Um novo dia para matar", de 2017, mostra as consequências de sua vingança, os obstáculos e os poderosos que precisa enfrentar por ter voltado ao jogo. A dose de humor é maior, estética do absurdo, e a linguagem é muito mais atual e nova do que "Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo". Aliás, toda a série é esteticamente muito superior.


Em "John Wick 3: Parabellum", de 2019, a cabeça do matador está a prêmio por causa da bola de neve que se tornou o longa anterior, com dívidas sendo cobradas e novas vinganças surgindo. O filme se assemelha a um catálogo, muito bem-sucedido cinematograficamente, com mil e uma maneiras de se matar várias pessoas no menor tempo possível.

Esses dois longas anteriores estabelecem perfeitamente o mundo de John Wick, em que assassinos por contrato estão espalhados por toda a parte e sua linguagem é explicitada: "excomunicado", "contrato", "negócios", "promissória", entre outras palavras mais ou menos conhecidas, principalmente dos filmes de matadores, que adquirem um significado particular. A série se fortalece cada vez mais, cria um vínculo muito forte com seus fãs.

Deserto

"John Wick: Baba Yaga", o quarto tomo, surge em 2023 como um filme de crise assumida. Pela primeira vez, não vemos no início a cidade de Nova York em tomadas aéreas noturnas. Quebra-se, de cara, um padrão. Wick agora monta um cavalo, como já havia feito em "Parabellum". Desta vez não está na cidade grande, mas num deserto. Foi acertar contas com o chefão maior.

Esse acerto, contudo, piora ainda mais sua situação. Agora, a única maneira de sobrevivência é voltar muitas casas no tabuleiro do jogo: voltar a pertencer a uma família, e com isso fazer parte da cúpula para desafiar o novo grande chefe, um playboy violento interpretado por Bill Skarsgard.

O tema do retorno estará espelhado em vários momentos do filme, da mesma forma que no terceiro longa se remetia toda hora à ideia de ilusão. Num dos mais engraçados, já perto do fim, uma escadaria serve tanto como simulação da dificuldade de passar de fase em um videogame quanto como representação do mito de Sísifo.

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Nessa necessidade de retorno, Wick reencontra velhos amigos, sobretudo o gerente do Continental de Osaka, vivido por Hiroyuki Sanada, e um assassino cego chamado Caine, interpretado por Donnie Yen, da cultuada série chinesa "O grande mestre".

Ambos são novos personagens para o espectador, mas um dos trunfos dos filmes "John Wick" é de nos fazer entender a importância que certas pessoas tiveram no passado do herói sem que as tenhamos visto anteriormente. Os olhares entre eles importam mais que as palavras explicativas.

SR. NINGUÉM Há também o encontro com um homem que permanece por um bom tempo nebuloso: o autodenominado Sr. Ninguém, interpretado por Shamier Anderson. Ele persegue Wick, sempre acompanhado de seu cachorro. Como quer a recompensa, passa a ajudar Wick a se livrar de seus possíveis algozes para que a recompensa aumente e ele a obtenha no final.

Lembrando que, em "Parabellum", o protagonista também teve a ajuda de cachorros, e que sua ligação com o animal já havia prosseguido no segundo longa, quando ele adota um cachorro sem nome, que encontra agora um paralelo com o Sr. Ninguém.

Dois personagens marcantes estão mais uma vez presentes. O gerente Winston, do Continental de Nova York, personagem carismático vivido por Ian McShane, e o porteiro do mesmo hotel, Charon, papel de Lance Reddick, ótimo ator, infelizmente falecido no último dia 17/3, aos 60 anos. A lealdade entre esses dois personagens é bonita de se ver ao longo da série, e se torna mais tocante no terceiro longa.

Chad Stahelski dirige mais uma vez, demonstrando habilidade ainda maior nas cenas de ação e agora arriscando até tempos ousados, nunca antes vistos na série, que condizem com a maior duração do quarto longa, quase três horas.

"John Wick 4: Baba Yaga" pode não ser o melhor dos filmes com o personagem, mas estabelece um novo patamar, mais imponente e desbravador. E reivindica para a série o posto de melhor reflexo de nossos tempos. Neste caso, um reflexo talentoso e instigante.
 
“JOHN WICK 4: BABA YAGA”
• (EUA, 2023, 171 min.) Direção: Chad Stahelsk. Com Keanu Reeves, Donnie Yen, Bill Skarsgard. Classificação: 16 anos. Em cartaz em salas das redes Cineart, Cinemark, Cinépolis e Cinesercla.