André Melo Mendes*
Especial para o Estado de Minas

recém-lançado volume de contos 'Animais desaparecidos'

A escritora Lyslei Nascimento retrata um futuro distópico com leveza em seu recém-lançado volume de contos "Animais desaparecidos", em que espécies como as borboletas foram extintas

Luis ACOSTA/AFP PHOTO

 
Imaginar um tempo em que várias espécies de animais foram extintas não é um exercício impossível. Diante das investidas do homem contra outras espécies, mais do que ficção, o texto de “Animais desaparecidos”, de Lyslei Nascimento, é um alerta.

Nesse tempo cheio de ausências, “as borboletas desapareceram dos jardins das casas, das praças, das matas próximas e longínquas há muito tempo”, “os vaga-lumes, ou pirilampos, se volatilizaram na imensidão” e “os Louva-a-Deus, com suas mãozinhas postas como se rezassem, e seu verde que te quero verde, a lembrar as florestas extintas, não fizeram recuar os assassinos”.

O livro, publicado pela Editora MEPE, pode ser adquirido tanto impresso quanto no formato digital – e sua contemporaneidade também está na forma: ela segue os conselhos sugeridos por Italo Calvino em “Seis propostas para o próximo milênio”: com destaques à leveza e à rapidez.
 
No presente em que vivemos, no qual o tempo é um luxo, a arte da narrativa curta é uma estratégia que equilibra a leveza e o pesadume, real e metafórico. Em “Animais desaparecidos”, os verbetes são leves e, paradoxalmente, densos, em suas várias camadas ou níveis de sentido. O futuro distópico não é, em nenhum dos verbetes, apocalíptico, como o leitor pode estar acostumado a ler ou ver em filmes e séries atuais.

A autora prefere apostar na ironia, na sutileza das citações que podem ou não fisgar e atrair o leitor para outros textos, outros universos literários ou artísticos. O resultado é um momento de leveza ou de reflexão. Os contos são curtos, por vezes, sintéticos, mas possuem referências que irão interessar tanto aos leitores iniciantes quanto aqueles mais experientes.

No conto sobre o desaparecimento dos galos, por exemplo, Lyslei faz uma citação à história cristã, mais especificamente ao episódio bíblico que relata a negação do Apóstolo Pedro a Cristo, e também ao poema de João Cabral de Melo Neto,“Tecendo a manhã”.

Já no verbete sobre os Joões-de-Barro, a referência literária é evidente na menção a Otelo (Sheakespeare) e a Bentinho (Machado de Assis), personagens consagrados pelo cânone literário, mas também à música popular. As várias remissões, ligadas pelo sentimento corrosivo do ciúme, fazem espraiar outros sentidos e sentimentos fatais.

Por fim, no conto sobre os dromedários, há outra citação à literatura brasileira, dessa vez a “O Homem que calculava”, de Malba Tahan, pseudônimo de Julio César de Mello e Souza. Em seu livro, sugerido no verbete, o escritor narra as aventuras e proezas matemáticas do calculista persa Beremiz Samir na Bagdá do século 13.

O leitor poderá, ainda, perceber conexões com o cinema, nacional e internacional, nas referências, por exemplo, ao filme “O homem que copiava” e, a partir dessa percepção, construir outras interpretações sobre o texto.

Discreta, como é comum aos bons mineiros, Lyslei Nascimento continua seu caminho leve e rápido em direção a um lugar de destaque na literatura brasileira do século 21. Fiquemos atentos aos próximos lançamentos.
 
*André Melo Mendes é professor no departamento de Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG.

'Animais desaparecidos'

"Animais desaparecidos"


“ANIMAIS DESAPARECIDOS”

.Lyslei Nascimento
.Editora MEPE (67 págs.)
.R$ 33,54 e R$ 16 (e-book)