De paletó preto e camisa cinza, Salman Rushdie olha para a câmera

Salman Rushdie perdeu a visão de um olho no ataque que sofreu nos EUA

twitter/reprodução

Em sua primeira entrevista desde que sofreu um ataque a faca em Nova York, no ano passado, o escritor britânico de origem indiana Salman Rushdie disse que está "muito difícil escrever". Em artigo publicado na última segunda-feira (6/2) na revista "The New Yorker", Rushdie, de 75 anos, disse que o ataque de seis meses atrás deixou cicatrizes emocionais.

"Existe transtorno de estresse pós-traumático, você sabe. Escrever se tornou muito difícil. Eu me sento para escrever e nada acontece. Escrevo, mas é uma combinação de vazio e lixo, coisas que escrevo e apago no dia seguinte", contou o escritor.

Rushdie descreve como "deprimente" o sentimento de sentar e esperar pela inspiração para escrever, mas diz que não vai "adotar o papel de vítima" e que vem trabalhando o trauma com um terapeuta.

Segundo o próprio, o autor perdeu 20 quilos depois do ataque de 10 facadas, que danificou gravemente a mão esquerda a ponto de impedi-lo de digitar. O evento levou Rushdie a abandonar um romance inspirado em Franz Kafka e Thomas Mann, mas ele diz pensar em escrever sobre o atentado em uma história em primeira pessoa. 
 
"Tenho sofrido de pesadelos, que tendem a diminuir. Estou bem, consigo me levantar e andar. Quando digo que estou bem, quero dizer que há partes do meu corpo que precisam de monitoramento constante. Foi um ataque colossal."

O autor de “Os versos satânicos” foi atacado quando estava prestes a participar de uma conferência em Chautauqua, Norte do estado de Nova York, em 12 de agosto de 2022. Nacionalizado americano e vivendo em Nova York há 20 anos, Rushdie perdeu a visão de um dos olhos e os movimentos de uma das mãos, em consequência do ataque, conforme anunciou seu agente, em outubro passado.

"Tenho sofrido de pesadelos, que tendem a diminuir. Estou bem, consigo me levantar e andar. Quando digo que estou bem, quero dizer que há partes do meu corpo que precisam de monitoramento constante. Foi um ataque colossal"

Salman Rushdie, escritor, em entrevista à "New Yorker"


Lesões

O autor contou ao também escritor David Remnick que não consegue escrever muito bem, devido à falta de sensibilidade na ponta de alguns dedos: "Como você pode ver, as lesões grandes estão essencialmente curadas. Tenho sensibilidade no polegar e no indicador, e na metade inferior da palma da mão. Estou fazendo muita terapia da mão e dizem que estou indo muito bem."

Rushdie viveu escondido durante anos, depois que o primeiro líder supremo do Irã, aiatolá Ruhollah Khomeini, ordenou o seu assassinato, por considerar blasfêmia sua interpretação do islã e do profeta Maomé no livro "Os versos Satânicos", publicado em 1988.

Foi um erro ter baixado a guarda nas últimas décadas? "Eu me faço essa pergunta e não sei a resposta", disse Rushdie. "Três quartos da minha vida como escritor se passaram desde a fatwa (decreto religioso). De certa forma, você não pode se arrepender de sua vida", acrescentou.

Hadi Matar, um jovem de 24 anos de Nova Jersey com raízes no Líbano, foi preso logo após o ataque e se declarou inocente. "Eu o culpo", disse Rushdie, quando questionado sobre quem ele achava que era o responsável.

A entrevista foi publicada na véspera do lançamento nos Estados Unidos do romance mais recente de Rushdie, "Victory City". Escrito antes do ataque, o livro trata de uma mulher do século 14 que desafia um mundo patriarcal para governar uma cidade.