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Estado de Minas MÚSICA

Filarmônica de Minas trabalha incansavelmente em sua estreia na Europa

Equipe cuida dos mínimos detalhes para tudo dar certo. Cadeiras adequadas, instrumentos vindos da Espanha e exercícios de respiração são parte da rotina


09/09/2022 04:00 - atualizado 09/09/2022 02:19

Público e o palco, ao fundo, na Torre de Belém, em Lisboa, onde a Filarmônica de Minas fez concerto ao vivo
Bicentenário da Independência foi comemorado pela Filarmônica de Minas com "Aquarela do Brasil", na capital portuguesa (foto: Agenor de Carvalho/divulgação)

Lisboa
– Uma simples peça de mobiliário poderia se tornar problema. As cadeiras propostas para os músicos da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais na única apresentação a céu aberto em Portugal, nos jardins da Torre de Belém, eram de modelo dobrável.

Gerente da orquestra, Jussan Fernandes logo viu que estavam longe do ideal. Queria outro modelo – não foi fácil, mas conseguiu. Noventa cadeiras, o número de musicistas da Filarmônica, que, sob a regência do maestro Fabio Mechetti, encerra nesta sexta-feira (9/9), no Convento de Coimbra, sua primeira turnê europeia.

Multidão foi à Torre de Belém assistir ao concerto da Filarmônica de Minas
Chuva, que poderia atrapalhar o concerto, não veio. Multidão prestigiou o concerto da Filarmônica na Torre de Belém (foto: Vitorino Coragem/divulgação)

Padrão mantido no além-mar

 Preciosismo, poderiam dizer sobre a questão da cadeira. Mas é como deve ser. O padrão de excelência em “casa” (a Sala Minas Gerais) tem que ser mantido aonde a orquestra vá. No além-mar não tem sido diferente, ainda que tudo seja diferente.

Cento e quatorze pessoas (orquestra e equipe) estão em Portugal para as quatro apresentações que celebram o bicentenário da Independência. Já houve três concertos – terça (6/9), na Casa da Música, no Porto; quarta (7/9), na Torre de Belém, no Festival Lisboa na Rua; e quinta (8/9), no Centro Cultural de Belém, também na capital portuguesa.

No início desta tarde, o grupo parte para Coimbra, onde a Filarmônica encerra a temporada à noite. Logo depois da apresentação, estrada novamente. Chegada no início da madrugada a Lisboa e partida, de volta para BH, na manhã de sábado. A turnê é puxada, exige bastante dos músicos, mas as duas horas em cada palco têm valido a pena.

“É uma experiência muito doida, pois a exposição é grande. Não existe nenhum som, só o oboé, então tem aquela tensão. Mas depois que passa, a sensação é maravilhosa”, comenta o oboísta Públio Silva, de 31 anos. Ele tem passado pela mesma situação a cada noite. Ópera conhecida de Carlos Gomes (1836-1896), “O escravo” é uma das raras peças no repertório dos quatro concertos – na turnê, estão sendo executados o “Prelúdio” e a “Alvorada”.

É o oboé de Públio que dá início à execução. “Sou suspeito para falar, mas o som do oboé parece que abraça, é aveludado e tem a ver com temas mais introspectivos. Já toquei (os trechos selecionados de ‘O escravo’) algumas vezes, mas toda a mudança no clima, seja temperatura e umidade, interfere no instrumento. Ficamos mais atentos e tensos.”

O trompetista Érico Fonseca, de 40, integrante da primeira formação da orquestra, concorda. “Conversei com alguns colegas e praticamente todos têm sentido as mudanças. Estou mais sem ar, com o fôlego prejudicado, então sinto que estou exigindo mais da musculatura.”
 

"É uma experiência muito doida, pois a exposição é grande. Não existe nenhum som, só o oboé, então tem aquela tensão. Mas depois que passa, a sensação é maravilhosa"

Públio Silva, oboísta

 

Fonseca segue à risca o mesmo ritual. No backstage, uma hora antes de cada apresentação, não é difícil ouvir o som de seu trompete. Numa das tendas montadas atrás do palco na Torre de Belém, ele repassava uma série de exercícios – técnicas para reforçar a embocadura, manter a regularidade do som, etc.

“São exercícios isométricos, parecidos com fazer prancha para fortalecer a musculatura. O trompete é um instrumento muito físico, então exige cuidado e muito respeito”, diz ele.

Maestro Fabio Mechetti rege a Filarmônica em Lisboa
Maestro Fabio Mechetti escolheu repertório brasileiro e português para a temporada (foto: Vitorino Coragem/divulgação)

Maestro "vigia" a acústica das salas

Na estrada, a rotina da orquestra é basicamente a mesma. Chegar com antecedência mínima de três horas a cada concerto e fazer o último ensaio para ajustes no som. Mesmo que as obras estejam mais do que ensaiadas, cada palco traz sua própria peculiaridade.

Na Casa da Música, por exemplo, Mechetti ensaiou com um olho na orquestra e o outro no regente associado, José Soares. Este, do meio da plateia, analisava o som. Ao terminar o ensaio, o regente titular comentou que a orquestra teria de maneirar a dinâmica.

“Sempre há a questão de ajuste de acústica. Aqui tem muita coisa – madeira, metal, vidro – que ajuda a rebater o som”, explicou. No momento do concerto, com pouco mais de mil lugares ocupados, a questão da acústica foi sanada. Sim, tudo faz diferença – e a presença da plateia, obviamente, também.

Na Torre de Belém, a surpresa foi geral. Tecidos revestiam o palco, o que melhorou a acústica sobremaneira. Em apresentações a céu aberto, a acústica pode ser sempre problema. Havia um elemento a mais: o concerto foi transmitido pela Rádio e Televisão de Portugal (RTP).

Menos de duas horas após o final do espetáculo, o arquivo já estava pronto para ir ao ar pelo canal da Filarmônica no YouTube, esforço que envolveu profissionais da emissora pública portuguesa e da orquestra, tanto os que estão em Lisboa quanto a equipe que permaneceu em Belo Horizonte.

O grupo de mais de 100 pessoas deixou BH no domingo (4/9). No entanto, duas delas chegaram a Portugal em 28 de agosto: Jussan Fernandes e o diretor de operações Ivar Siewers. Para evitar eventuais transtornos, percorreram todos os locais de apresentação e acertaram detalhes.

Instrumentos vieram de caminhão de Madri

O ideal é que cada musicista toque o próprio instrumento, mas isso não foi possível, e os de maior porte foram alugados. Nove violoncelos, sete contrabaixos, duas harpas, todo o set de percussão (exceto percussão brasileira), tímpanos e tubas. E também a celesta, instrumento com teclados da família da percussão. Esse foi o mais difícil de alugar, contou Fernandes. Somente uma empresa espanhola tinha disponível todo o set de instrumentos – o caminhão veio de Madri com o material.

Os músicos, principalmente violoncelistas e contrabaixistas, sentiram a mudança, o que é natural. Ajustes tiveram que ser feitos antes, pois na hora do palco nada poderia dar errado.

Anteontem, nos bastidores, pouco antes de subir ao palco, o maestro Mechetti mostrava empolgado para José Soares a foto da Torre de Belém, com a Lua por trás. A chuva poderia estragar tudo, havia previsão de precipitação mínima.

Na plateia, cheia àquela altura, brasileiros, portugueses e europeus que lotam Lisboa neste fim de verão no hemisfério norte. Duas mil cadeiras totalmente ocupadas. Na parte de trás do gramado, havia muita gente em pé, outros se deitaram em cangas.

Orquestra em cena, Mechetti subiu ao palco e fez os devidos agradecimentos – os institucionais, à embaixada do Brasil em Portugal, à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais; aos patrocinadores Cemig, Apex Brasil e Banco Master.

Também citou, assim como fez na Sala Minas Gerais, na semana anterior, Rainer e Maria Brockerhoff. Assinante da Filarmônica, o casal deu contribuição vultosa para a turnê – o patrocínio privado, prática na Europa e nos Estados Unidos, é raro no Brasil.

Os dois hinos, de Brasil e de Portugal, abriram todas as apresentações. O repertório executado ao longo desta semana destaca os maiores compositores da música brasileira – Carlos Gomes no século 19 e Villa-Lobos no século 20, assim como o lisboeta Joly Braga Santos.

"Batuque" e "Congada" encantam o público

Com caráter mais popular, o concerto da Torre de Belém trouxe obras de outros autores. “Congada”, de Francisco Mignone, e “Batuque”, de Lorenzo Fernandez, ambas inspiradas na tradição afro-brasileira, tiveram calorosa recepção do público, assim como “Mourão”, de Guerra-Peixe, com referências à cultura do Nordeste.

O bis com “Aquarela do Brasil” (Ary Barroso) e “Tico-tico no fubá” (Zequinha de Abreu) desfez qualquer diferença da plateia. Neste período de turbulência no Brasil, sob os ecos da celebração da efeméride que vem ganhando leituras tão distintas no país, aqui a música falou mais alto.

* Repórter viajou a convite da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais


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