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Estado de Minas LITERATURA

Livro revela o surrealismo rebelde da autora inglesa Leonora Carrington

Sai no Brasil 'Um conto de fadas mexicano e outras histórias', com textos recuperados depois de ampla pesquisa sobre a obra da escritora à frente de seu tempo


24/06/2021 04:00 - atualizado 24/06/2021 07:32

A pintora e escritora Eleanora Carrington em sua casa, na Cidade do México, em 2000(foto: Daniel Aguilar/Reuters - 11/11/2000 )
A pintora e escritora Eleanora Carrington em sua casa, na Cidade do México, em 2000 (foto: Daniel Aguilar/Reuters - 11/11/2000 )

Entediada com a própria família, garota resolve enviar uma hiena em seu lugar na festa de debutante, causando horror e perplexidade aos convidados e à sua mãe. Enquanto isso, uma mulher participa de um estranho jogo de damas com os ministros de uma rainha, cujo vencedor levará a monarca ao zoológico, onde será devorada pelo leão. O traço surreal não é novidade na literatura da inglesa Leonora Carrington, cujos melhores trabalhos estão reunidos em “Um conto de fadas mexicano e outras histórias”, lançado no Brasil pela editora Iluminuras. Nesta seleção, o insólito ganha ares de normalidade a partir de uma imaginação surrealista.

Leonora Carrington (1917-2011) ficou mais conhecida como artista plástica, uma das poucas pintoras e escultoras que se filiaram ao surrealismo, movimento fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Freud, que enfatizavam o papel do inconsciente na atividade criativa.

HOMENS 
Os integrantes do surrealismo, nos anos 1920 e 1930, eram quase exclusivamente homens, o que transformou a arte de Leonora em uma tomada de posição em favor da liberdade de expressão da mulher. Afinal, as artistas associadas ao movimento eram vistas pelos colegas masculinos apenas como musas.

“Não tive tempo para ser a musa de ninguém, pois estava muito ocupada me rebelando contra minha família e aprendendo a ser artista”, disse Leonora, certa vez.

Jovem, ela recusou as regras dos internatos católicos, refugiando-se nas fábulas irlandesas e na obra dos autores ingleses Lewis Carroll, Jonathan Swift e Beatrix Potter.

Aos 19 anos, iniciou um relacionamento com o pintor Max Ernst, cujo quadro “Duas crianças ameaçadas por um rouxinol” (1924) exercia nela um fascínio particular. Os dois moraram juntos no Sul da França, onde hospedavam amigos surrealistas.

Com a ocupação nazista da França, em junho de 1940, Leonora fugiu. Em Santander, na Espanha, foi internada em um hospital psiquiátrico depois de sofrer um colapso emocional. Após um breve período em Nova York, ela se transferiu, em 1942, para a Cidade do México, onde viveria o resto de sua vida.

Lá, juntou-se à comunidade crescente de artistas, escritores e fotógrafos expatriados, incluindo seu novo marido, o húngaro Imre Weisz. No México, Leonora reviveu seu fascínio infantil pelas fábulas irlandesas, permitindo-lhe descobrir a força mística da culinária, da cura e das mitologias.

“O sonho, o delírio e o conto de fadas são alguns dos ingredientes mais importantes destes textos”, observa o poeta e artista plástico Sérgio Medeiros, no prefácio de “Um conto de fadas mexicano”. As histórias do livro foram recuperadas em versões originais ao longo do exaustivo trabalho de pesquisa na França e no México realizado por Dirce Waltrick do Amarante (também responsável pela tradução) e Nora M. Basurto Santos.

PAINEL 
Dez histórias oferecem um amplo painel das influências recebidas por Leonora, decisivas não apenas na construção de sua imaginação, como também nas nuanças linguísticas, pois os textos foram originalmente escritos em três idiomas.

“Em seus contos, as personagens estão em um mundo do qual desconhecem as regras, um mundo absurdo que flerta muitas vezes com o horror bárbaro”, observa Dirce Amarante, citando o protagonista de “O apaixonado”, que guarda o corpo de sua amada nos fundos de sua banca de verduras e frutas.

“As lendas irlandesas, os mitos clássicos e mexicanos, a alquimia, a magia e o tarô, entre outras influências esotéricas, alimentaram as criações artísticas de Carrington”, aponta Dirce, destacando o fato de os contos apresentarem adultos como pessoas muitas vezes violentas e cruéis, reflexo da relação conflituosa que a autora manteve com os pais e com os professores de diversas escolas tradicionais inglesas, das quais foi expulsa por não se adaptar às regras.

“Esse é o caso do pai dos meninos de 'Um conto de fadas mexicano', que bebe e agride os filhos, e do progenitor da protagonista de 'A dama oval', que, para educar a filha, queima seu brinquedo favorito. E diz: 'Você é bem grandinha para brincar com Tártaro. Tártaro é para crianças. Portanto, eu mesmo vou queimar o Tártaro até que não reste mais nada dele'”, destaca a tradutora. “Sua aproximação com o mundo dos sonhos e, consequentemente, com o surrealismo parecia, portanto, natural.”

RAIVA 
“A vegetação ao luar expõe seus braços vivos, enquanto uma mulher alienada parece possuir asas... Essas metamorfoses são frequentes no universo de Leonora Carrington, no qual, no entanto, a magia não suaviza a raiva e o sofrimento dos protagonistas (quase todos femininos), fato que só acentua a angústia de vidas que não se encaixam de jeito nenhum nos padrões de comportamento ditos normais”, observa Sérgio Medeiros, para quem a sombra aterrorizadora da morte é um tema muito concreto na literatura da escritora.

A obra pictórica de Leonora Carrington está povoada de representações iconográficas de animais fantásticos e também reais – ela usava a simbologia de feras para representar o amor e a liberdade tanto na pintura quanto na literatura. (Estadão Conteúdo)

(foto: Iluminuras/reprodução)
(foto: Iluminuras/reprodução)

“UM CONTO DE FADAS MEXICANO E OUTRAS HISTÓRIAS”
.De Leonora Carrington
.Iluminuras
.144 páginas
.Preço recomendado: R$ 49,90



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