Elis Regina

Elis Regina bateu recorde ao vender 100 mil cópias de seu LP lançado em 1972

Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press

 
Elis Regina já havia lançado nove discos de estúdio – incluindo os dois primeiros gravados em Porto Alegre, antes da fama –, quando chegou ao mercado “Elis 72”, considerado por muitos como o álbum mais icônico do legado da cantora gaúcha.
 
Produzido por Roberto Menescal, então diretor artístico da Philips, o LP reunia 12 canções. Quase todas viriam a se tornar clássicos da MPB. Após nova mixagem e remasterização, a obra de Elis Regina agora pode ser apreciada em CD, vinil e nas plataformas digitais. Também foi lançado um lyric vídeo da canção “Casa no campo”.
 
Os novos formatos de “Elis 72” são resultado do empenho de João Marcello Bôscoli, filho da cantora e do compositor carioca Ronaldo Bôscoli. Desde 2012, atento a cada detalhe, ele vem remixando criteriosamente os trabalhos da mãe no Estúdio Trama, em São Paulo.
 
O projeto de João Marcello já contemplou “Elis & Tom” (1974), “Falso brilhante” (1976) e “Elis” (1980), marcos da discografia da eterna Pimentinha.

Timbre cristalino

A remixagem e a remasterização de “Elis 72”, realizadas por Carlos Freitas, possibilitam maior percepção do timbre cristalino de uma das maiores cantoras brasileiras e da sonoridade criada pelo pianista e arranjador César Camargo Mariano, com quem Elis foi casada. A partir dali, surgiu o que se tornou conhecido como “o som de César”.
 
No estúdio, Camargo teve a companhia de Hélio Delmiro (guitarra), Luizão Maia (baixo) e Paulo Braga (bateria). A partir daquela gravação, os quatro formaram a banda que passaria a acompanhar a estrela em shows.
 
Com vários estilos, “Elis 72” trouxe músicas de nomes consagrados. O repertório reúne Tom Jobim (“Águas de março”), Chico Buarque e Francis Hime (“Atrás da porta”), Milton Nascimento e Ronaldo Bastos (“Cais” e “Nada será como antes”) e Ivan Lins e Ronaldo Monteiro (“Me deixa em paz”).
 
A cantora também prestigiou compositores iniciantes, que se tornariam nomes fundamentais da MPB: Sueli Costa e Victor Martins (“20 anos blues”), João Bosco e Aldir Blanc (“Bala com bala”), Fagner e Belchior (“Mucuripe”), Gutemberg Guarabira (“Olhos abertos”), Zé Rodrix e Tavito (“Casa no campo”).
 
Naquele repertório também se destacaram “Boa noite, amor”, canção tradicional com a assinatura de Francisco Matoso e José Maria de Abreu, e “Vida de bailarina”, de Dorival Silva, o Chocolate.

Roberto Menescal

Roberto Menescal convenceu Tom Jobim e Chico Buarque a darem "Águas de março" e "Atrás da porta" para Elis Regina

Cadu Dias/Divulgação

 

ENTREVISTA/ROBERTO MENESCAL

O 'garimpeiro' de canções para a obra-prima de Elis

Um dos pilares da bossa-nova, o compositor, multi-instrumentista e produtor Roberto Menescal exerceu, entre 1979 e 1986, a função de diretor artístico da Philips, atual Universal Music. Produziu discos de Elis Regina, Chico Buarque, Emílio Santiago, Maria Bethânia, Nara Leão, Leila Pinheiro e Márcia Tauil, além dos grupos Os Cariocas e MPB-4.
 
O experiente Menescal assinou trilhas sonoras dos filmes “Bye bye Brasil” e “Joana Francesa”, de Cacá Diegues; é coautor dos clássicos “O barquinho”, “Nós e o mar” e “Ah se eu pudesse”; e atualmente dirige o Bossacucanova. Nesta entrevista, ele revela detalhes da produção do clássico “Elis 72”. 
 
Em 1972, você era diretor artístico da Philips. Quantos artistas a gravadora tinha sob contrato? Elis já era uma das estrelas do elenco?
Não sei precisar agora, mas eram mais de 50, entre cantores populares e nomes de maior destaque da MPB. Elis era uma das estrelas, ao lado de Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa, Rita Lee, Tim Maia, Alcione, Zizi Possi e Emílio Santiago..

Ela o convidou para produzir “Elis 72”?
O convite partiu da Elis, o que me deixou muito lisonjeado, pois conhecia bem o trabalho dela, de quem era fã.

Os músicos que participaram das gravações já faziam parte da banda da cantora?
Não. Antes de iniciarmos as gravações, conversamos sobre quem iria acompanhá-la. Em consenso, escolhemos e convidamos o César Camargo Mariano, que era da banda do Simonal, o violonista Hélio Delmiro, o baixista Luizão Maia e o baterista Paulinho Braga, do Som Imaginário. O César escreveu os arranjos. Depois das gravações, eles passaram a formar a banda que a acompanhava em shows.
 
Elis já chegou ao estúdio com o repertório definido? Ou pediu sugestões a você?
Antes de irmos para o estúdio, Elis disse que queria gravar músicas inéditas de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento, mas não havia feito contato com eles. Ponderei que precisaríamos saber se eles tinham músicas prontas e se poderiam cedê-las. Durante a conversa, falei de outros autores. Alguns ela não conhecia. Aos poucos, fomos fazendo a seleção do repertório a partir de umas 20 pré-selecionadas, compostas por artistas em início de carreira como João Bosco (“Bala com bala”), Zé Rodrix (“Casa no campo”), Fagner (“Mucuripe”), Sueli Costa (“20 anos blues”). Selecionamos também duas músicas do Milton Nascimento (“Cais” e “Nada será como antes”) e do Ivan Lins (“Me deixa em paz”). Sugeri “Vida de bailarina” (Chocolate) e “Boa noite, amor” (Francisco Matoso e José Maria de Abreu).

Como “Águas de março” e “Atrás da porta” chegaram para Elis?
Quando falei para ela que iria me encontrar com o Tom Jobim para ver se conseguia alguma música dele, Elis perguntou: Você acha que o maestro iria me dar uma música nova? Cheguei à casa do Tom e ele estava passando uma canção que eu não conhecia para Rose, cantora do Chico’s Bar. Liguei meu minicassete e gravei escondido. Depois, já sem a presença da Rose, disse para o Tom que queria aquela música para o disco da Elis, e ele concordou. Fiquei devendo essa à Rose.

E “Atrás da porta”?
Pedi músicas para o Francis Hime, e ele me mandou quatro. Ouvi ao lado de Elis, gostamos, mas achamos que não eram para aquele projeto. Depois da quarta, havia uma outra, cantada pelo Francis, com letra do Chico Buarque até o meio da canção. O Francis explicou que a melodia tinha sido criada há dois anos, mas o Chico ainda não tinha concluído a letra. Fui à casa do Chico e falei que estava produzindo um disco da Elis e gostaria de ter aquela música no repertório. Mostrei para ele a gravação que fizemos sem o restante que faltava. Ele ficou impressionadíssimo. Em seguida, pegou um papel de embrulho e escreveu o restante de “Atrás da porta”, que ganhou interpretação emocionada de Elis.

Qual foi a faixa escolhida para ser a música de trabalho de “Elis 72”?
Geralmente, havia a escolha da música de trabalho. Mas em relação a esse disco, deixamos que ela fosse feita pelos radialistas. Me recordo que “Bala com bala”, “Atrás da porta”, “Águas de março” e “Casa no campo” foram muito tocadas logo após o lançamento do LP, por diferentes emissoras do país.

Quando gravou “Elis 72”, ela havia lançado quantos discos pela Philips?
Elis havia lançado sete LPs pela Philips. Assim como outras estrelas da companhia, vendia 20 mil discos, em média. Com o “Elis 72”, a vendagem subiu para 100 mil cópias.

Como era a sua relação com Elis Regina?
A impulsividade de Elis, por vezes, levava à discussão. Mas, por outro lado, ela era muito carinhosa. No geral, tínhamos uma ótima relação.

Você ouviu o “Elis 72” relançado recentemente em CD, vinil e plataformas digitais, remixado e remasterizado?
Ouvi e fiquei muito impressionado com a remasterização, com a clareza da voz, a maior presença dos instrumentos, além da eliminação dos chiados, que eram comuns na reprodução dos discos tocados através de uma agulha passando pelos sulcos. Enfim, é um grande presente para todos nós.
 

Disco Elis

Disco Elis

Reprodução
"ELIS 72"


» De Elis Regina
» Produção: Roberto Menescal
» 12 faixas
» Universal Music
» O álbum foi relançado em CD, vinil e nas plataformas digitais