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Estado de Minas PLANO B

Forçado a ficar longe das ruas, Celton acha seu lugar na internet

Conhecido por vender suas HQs no corpo a corpo com o consumidor, quadrinista desenvolve vídeo sobre a história da construção de BH e descobre novo filão para o seu trabalho


postado em 15/07/2020 04:00 / atualizado em 14/07/2020 19:30

 
Celton se tornou conhecido em Belo Horizonte ao percorrer as ruas da cidade com um anúncio gigante da sua produção de quadrinhos(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A.Press )
Celton se tornou conhecido em Belo Horizonte ao percorrer as ruas da cidade com um anúncio gigante da sua produção de quadrinhos (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A.Press )

"Tenho de agradecer a Deus por ter tido essas ideias. Pois é questão de sobrevivência e é nessas situações adversas que surgem as grandes ideias. Não adianta fazer quadrinho sem poder sair pra vender. Quando termino uma revista, a primeira coisa que eu ganho é uma dívida na gráfica, para rodar os exemplares. Se eu não vender, como vou pagá-la? Por isso, o momento é da internet"

Lacarmélio Alfêo de Araújo, o Celton,quadrinista

Com tramas divertidas envolvendo figuras folclóricas da capital mineira, como a Loira do Bonfim e o Capeta do Vilarinho, o quadrinista Lacarmélio Alfêo de Araújo acabou entrando também no imaginário popular da cidade, com seu personagem e pseudônimo Celton.

Além de protagonizar suas próprias publicações, o bem-humorado artista ficou conhecido por circular a pé pelas ruas de Belo Horizonte, desde os anos 1990, com uma enorme placa, oferencendo os exemplares em semáforos, mesas de bar ou onde quer que houvesse uma aglomeração.

Com a epidemia do novo coronavírus, essa missão se tornou impossível para o popular herói nos últimos meses. Porém, acostumado com desafios, tanto na ficção quanto em sua carreira, Celton buscou um novo caminho e tenta se reinventar durante a quarentena, recorrendo à computação gráfica.

Publicado em seu perfil no Facebook na semana passada, o vídeo chamado por Lacarmélio de Viagem histórica em 3D ao Curral Del Rey foi intensamente compartilhado. As cenas incluem reconstruções gráficas, desenhadas digitalmente por ele, de paisagens do arraial que deu origem a Belo Horizonte, a partir de imagens históricas oficiais da Comissão Construtora da Nova Capital.

Em 11 minutos, o trabalho apresenta o Curral Del Rey. A locução do texto que descreve cada local é do próprio Celton. Diante das dificuldades impostas pelo isolamento social para propagandear e vender seus quadrinhos no corpo a corpo com os consumidores, o desenhista junta um antigo interesse pela animação à conhecida paixão pela história de BH e não tem medo de dizer que o presente e o futuro de Celton são digitais.

“Fico muito feliz com o fato de que muita gente tem gostado do vídeo. Isso me surpreende. Quem sabe um dia isso possa ser usado nas escolas? São assuntos que a meninada costuma não gostar sobre história, achar chato, mas, mudando o esquema de narrativa, quem sabe?”, vislumbra Lacarmélio no embalo dos elogios que tem recebido.

Ele explica que a ideia não é nova. “Pensava em contar essa história do Curral Del Rey desde 2015, mas ainda não tinha conhecimento suficiente de computação gráfica”, diz. Ele começou a estudar a técnica há mais de 10 anos, sempre por conta própria. “Nunca tive condições de fazer um curso, então vejo tutoriais, vou aprendendo aqui e ali e, hoje, já uso uns quatro programas, mas é bem trabalhoso. Tem cena de 15 segundos que gastou duas semanas para ficar pronta, até porque meu computador não aguenta tudo”, afirma o artista, homenageado no Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) de 2005.

ESTILO 

Apesar da novidade do formato, ele destaca que mantém a mesma estética gráfica e estilo narrativo dos quadrinhos. “Minha ideia principal no vídeo é as cenas se interligarem sem vácuo, sem que quem assista perca o interesse. A mesma coisa que eu procurava fazer no quadrinho: se na terceira página eu não tiver prendido a atenção do leitor, já era; é porque estou errado”, compara Celton.

O tema dominante em suas publicações também se mantém no vídeo. “Minha paixão é escrever roteiros em que exista pesquisa sobre a história de BH. Para esse vídeo, a parte da informação foi fácil, pois já era um tema que eu estudava. Difícil é a execução, fazendo tudo sozinho, desde o roteiro até a edição. Saiu uma palavra com uma letra errada, que só vi depois de publicado”, conta.

Além das imagens fotográficas da Comissão Construtora da Nova Capital, que ele diz ter conseguido no acervo do Museu Histórico Abílio Barreto, o agora videomaker encontrou um mapa do Curral Del Rey na Biblioteca Digital Luso-Brasileira, com alto detalhamento topográfico.

“É um material em alta resolução, com curvas de nível, e bate com a topografia do Google Maps. Como esse pessoal fez isso há mais de cem anos? É incrível. Então usei tudo isso, e ainda pesquisas feitas em um livro escrito pelo Abílio Barreto (Belo Horizonte: Memória histórica e descritiva), para criar as imagens, uma por uma, no computador, em 3D.”

Com um momento desfavorável para a venda dos quadrinhos impressos, Celton diz que insistirá nas animações digitais por um tempo. “Tenho de agradecer a Deus por ter tido essas ideias. Pois é questão de sobrevivência e é nessas situações adversas que surgem as grandes ideias. Não adianta fazer quadrinho sem poder sair pra vender. Quando termino uma revista, a primeira coisa que eu ganho é uma dívida na gráfica, para rodar os exemplares. Se eu não vender, como vou pagá-la? Por isso o momento é da internet”, afirma Lacarmélio, que vive com a mãe de 94 anos e diz ter redobrado os cuidados com a prevenção do novo coronavírus.

SURPRESA 

Buscando seguir uma proposta mais informativa e didática, na qual descarta incluir seu conhecido personagem das ficções, ele pretende lançar em breve dois novos vídeos, no mesmo estilo do inicial. Um sobre o início da construção da nova capital mineira e outro sobre a configuração urbana nas primeiras décadas de BH.

“A vida é cheia de surpresas. Tem coisas que não sabemos responder. Para mim, em produção e criação, não importa se no quadrinho ou no 3D, o que vale é a emoção. Se o caminho mais emocionante for o 3D, vou por esse caminho. Stan Lee, quando descobriu o cinema, o que virou? A vida gira. A emoção de ver esse vídeo pronto é a mesma de ver uma revista impressa, porque o processo criativo da história é o mesmo, só o material que é diferente, tanto que mantenho meu estilo”, argumenta.

Ainda que esteja entusiasmado com o novo formato, Celton não deixa de lado as histórias em quadrinhos. Ele conta que, no começo da pandemia, chegou a iniciar um roteiro que envolvia o coronavírus como um vilão, mas preferiu abandonar o projeto, dada a gravidade da crise sanitária.

Porém, os números já lançados anteriormente foram disponibilizados, gratuitamente, para download em PDF, através de um link postado em sua página no Facebook. Totalmente dedicado às atividades criativas, ele disponibiliza seus dados bancários na rede social para quem quiser colaborar com qualquer valor em troca.

“Todo mundo, nas suas áreas, tem feito alguma coisa para conseguir pagar as contas. Nem acompanho quantos downloads são feitos. O que importa é o pessoal se divertir e gostar, tanto dos quadrinhos quanto dos vídeos. Quem quiser doar alguma coisa, doa.” É possível acompanhar as publicações de Celton em www.facebook.com/lacarmelio.alfeodearaujo.


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