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Estado de Minas CLÁSSICO

Escritor Rodrigo Lacerda promove curso on-line sobre 'Hamlet'

Formato de grupo de estudos permite que cada um participe com sua tradução da obra. Encontros serão sempre as quartas-feiras, até junho, a partir de hoje (13)


postado em 13/05/2020 04:00


Uma das maiores tragédias de Shakespeare, portanto, da história do teatro, Hamlet (1599-1601) acompanha o príncipe da Dinamarca que tenta vingar a morte de seu pai, o rei, executado pelo próprio irmão, Cláudio. Hamlet permite várias leituras. Apaixonado pelo dramaturgo inglês, a quem já dedicou um livro – Hamlet ou Amleto? – Shakespeare para jovens curiosos e adultos preguiçosos (Zahar) –, o escritor carioca Rodrigo Lacerda se lançou na aventura de levar Hamlet para o período do isolamento social.
(foto: Renato Parada/Divulgação)
(foto: Renato Parada/Divulgação)

A partir desta quarta-feira (13), Lacerda promove o curso on-line Um príncipe em quarentena: leitura acompanhada do Hamlet de Sha- kespeare, via plataforma literária A Escrevedeira. As aulas serão sempre às quartas, até o próximo dia 3 de junho. Lacerda prefere chamar os encontros de grupo de estudo, já que os participantes vão acompanhar a leitura da peça, cada um de sua casa. Para o autor, o texto shakespeariano dialoga com o momento atual, já que, nos primeiros atos, o personagem-título se sente totalmente enclausurado.

Na entrevista a seguir, Lacerda fala sobre esse projeto e também de seu novo livro, O fazedor de velhos 5.0. Continuação do romance de formação de mesmo título publicado 11 anos atrás, o volume foi lançado pela Companhia das Letras precisamente na semana em que a pandemia mundial do coronavírus foi decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

''Aos 15 anos, ganhei uma edição da obra completa em inglês. Foi meio um presente, meio uma maldição. Não consegui ler nada, pois não é só uma questão das palavras que você não conhece, mas as que conhece e têm outro sentido. A própria sintaxe é diferente. Foram vários obstáculos, demorei, entre várias tentativas, alguns anos (para conseguir ler a obra completa)''

Rodrigo Lacerda, escritor



Como Hamlet se relaciona com o isolamento social?
Hamlet se presta bem ao momento em que vivemos porque, de fato, ele tem a sensação de estar enclausurado nos quatro primeiros atos. A peça fala disso várias vezes. Além disso, há uma imagem recorrente nela, que é a do envenenamento do corpo social, do corpo humano. A ideia de corrupção física, de ameaça à saúde também existe, então achei que a peça é um jeito de exorcizar um pouco o que estamos vivendo. Fazer esta leitura não vai me impedir de fazer todas as outras: o Hamlet niilista, o filosófico, o político. Todas as leituras têm uma razão de ser e nenhuma delas é dona absoluta da verdade.

Os participantes do curso vão trabalhar com as traduções que têm. Como você pensa em trabalhar com traduções diferentes de um mesmo texto?
Você não pode exigir que as pessoas consigam ler o inglês do século 17, já que muitos falantes do inglês não conseguem. Parte da graça deste grupo de estudo serão as várias traduções, pois isso até contribui para a discussão. Volta e meia, cada tradutor resolveu uma questão de uma forma diferente, nem sempre utilizando a tradução literal, pois os vários sentidos de uma mesma palavra às vezes não têm o equivalente em português. Pelas opções dos tradutores veremos a riqueza de sentidos e o texto original, que tenho, vai entrar para explicar as variações.

Na sua opinião, qual a melhor tradução de Hamlet para o português?
Saiu recentemente uma da Penguin Brasil que talvez seja a melhor de todas (de Lawrence Flores Pereira, lançada em 2015). Em geral, uso o da Anna Amélia Carneiro de Mendonça, mãe da (crítica) Bárbara Heliodora. Fui aluno da Bárbara muitos anos, quando ela tinha um grupo de estudos de Shakespeare, então é a tradução com a qual estou acostumado. Admito que, às vezes, havia uma preocupação grande com a métrica. Isso obriga o tradutor a muitas vezes fazer opções de tradução que não seguem tão fielmente o sentido. A do Millôr é ótima, mas às vezes um pouco informal demais. O legal é trabalhar com todas ao mesmo tempo, pois a soma delas vai se aproximar do texto original.

Quando e de que maneira você descobriu Shakespeare?
Aos 15 anos, ganhei uma edição da obra completa em inglês. Foi meio um presente, meio uma maldição. Não consegui ler nada, pois não é só uma questão das palavras que você não conhece, mas as que conhece e têm outro sentido. A própria sintaxe é diferente. Foram vários obstáculos, demorei, entre várias tentativas, alguns anos (para conseguir ler a obra completa). Conto um pouco disso em O fazedor de velhos (romance juvenil publicado em 2008 e vencedor do Jabuti, entre outros prêmios). Os personagens (de Sha- kespeare) têm uma força vital, uma espécie de autoria da própria biografia. Eles sabem o que querem, podem ser vilões ou não. Ler isso quando eu estava chegando à vida adulta, com 17, 18, 19 anos, me deu muita força. Bateu fundo naquela época e ficou essa amizade eterna.

Por falar em O fazedor de velhos, você lançou a continuação, "5.0.", junto com a pandemia.
Ele saiu em 13 de março (dois dias depois de a Organização Mundial da Saúde declarar a pandemia do novo coronavírus), então nem sei se chegou a ser distribuído completamente. Perdeu o clima, pois a vida de tanta gente virou de cabeça para baixo, que achei melhor deixar passar e retrabalhar o livro quando a normalidade voltar.

Por que decidiu escrever uma continuação?
O primeiro livro ia da infância até a juventude dos personagens, terminava na faculdade (Pedro é o narrador da obra). Um dos temas era a passagem do tempo, e as alterações da nossa maneira de ver o mundo que o tempo provoca. Sendo esse o tema principal, passados 11 anos do lançamento, tive vontade de fazer essa continuação e de projetar aqueles mesmos personagens. O Pedro, agora, está fazendo 50 anos. Foi uma experiência divertida, nunca tinha feito nada assim antes. O livro amplia um pouco o repertório de personagens. Tem os da obra anterior e outros. É curioso, pois você volta (aos personagens) e tem a sensação de que está revendo uma turma antiga que não via há muito tempo. É como um reencontro com a turma do colégio, em que você se reconecta muito rapidamente. Em certa medida, é até mais fácil escrever sobre o que está distante, a juventude, a infância, porque você já fez um balanço daquilo, sabe o que tirou dali, o que perdeu. Escrever sobre a fase da vida em que você está agora ainda não deu tempo de decantar tanto.

''A ideia de corrupção física, de ameaça à saúde também existe (no texto de Shakespeare), então achei que a peça é um jeito de exorcizar um pouco o que estamos vivendo. Fazer esta leitura não vai me impedir de fazer todas as outras: o Hamlet niilista, o filosófico, o político. Todas as leituras têm uma razão de ser e nenhuma delas é dona absoluta da verdade''

Rodrigo Lacerda, escritor



Além da idade, o que você e Pedro têm em comum?
Embora não tenha sido a intenção inicial, já no primeiro livro eu levei muitos elementos pessoais meus. Não gosto do rótulo autoficção, mas, se tivesse que usá-lo na minha obra, seria para os dois livros O fazedor de velhos. O enredo não é o mesmo, mas a voz do narrador é muito parecida com o meu jeito de me expressar, mesmo que ele e eu não concordemos em tudo. Neste novo livro, deu para tratar de outros assuntos que o primeiro não tratava. São livros eminentemente escritos para jovens, embora o primeiro tenha um grande número de leitores de todas as idades. Mas há uma tentativa de levar para o leitor jovem o amor pelas artes. Não como uma coisa da boca para fora, mas realmente fazer com que ele entenda a importância da arte para a própria vida. Isso tinha no primeiro e no segundo tem de novo. Agora, este novo livro também traz a coisa da discussão política. Construí oposições entre os personagens que, de alguma forma, ecoam um pouco o que temos vivido no Brasil dos últimos tempos.

Você já chegou a pensar em lançar uma continuação de A república das abelhas: Carlos Lacerda (2013), já que a narrativa desse livro vai até meados dos anos 1950, e seu avô teve grandes momentos na política brasileira além desse período?
Acho que assunto tem, porque no livro não falo do governo Juscelino, não falo do Jânio, do Jango, nem do golpe de 64, apenas os menciono. A expectativa por um segundo volume tem a ver com a maneira como o livro foi entendido. Para mim, ele não é uma biografia do meu avô, mas a história de uma família que durante três gerações esteve no centro dos acontecimentos políticos do Brasil. O livro não é focado em um personagem, mas numa linha: o avô do meu avô (Sebastião de Lacerda), o meu bisavô (Maurício de Lacerda) e meu avô. Mas não vejo necessidade, sobretudo porque o pai (Maurício) foi um político tão importante na Primeira República quanto ele (Carlos Lacerda). A experiência do pai com a Revolução de 30 foi tão parecida com a do meu avô no golpe de 64 que, sinceramente, eu me sentiria contando a mesma história (caso fizesse uma continuação).
(foto: Reprodução)
(foto: Reprodução)

O FAZEDOR DE VELHOS 5.0
• Rodrigo Lacerda
• Companhia das Letras (312 págs.)
• R$ 49,90 e R$ 29,90 (e-book)

UM PRÍNCIPE EM QUARENTENA: 
LEITURA ACOMPANHADA DO HAMLET, 
DE SHAKESPEARE
Curso com Rodrigo Lacerda. Dias 13, 20 e 27 de maio e 3 de junho, das 19h30 às 21h30, no site A escrevedeira (escrevedeira.com.br). Valor: R$ 330.


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