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Estado de Minas

Exposição de José Luiz Pederneiras registra a destruição da natureza

'A montanha pulverizada' reúne 25 fotos que mostram as mudanças provocadas pela ação de mineradoras no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais


postado em 21/07/2019 04:18

(foto: Fotos: José Luiz Pederneiras)
(foto: Fotos: José Luiz Pederneiras)
Em A montanha pulverizada, Carlos Drummond de Andrade já traduzia em poesia o sentimento de ver a natureza sumir, pouco a pouco, pela ação das mineradoras. As décadas passaram, serras e morros “encolheram” (ou até desapareceram), mas essa realidade continua atraindo olhares sensíveis. É o caso do fotógrafo José Luiz Pederneiras. A partir deste domingo (21), a Galeria de Arte do Centro Cultural Minas Tênis Clube recebe a exposição O outro lado da montanha. Em 25 imagens, o artista mineiro chama a atenção para esse cenário de mudanças.

A coleção reúne fotografias tiradas desde 2014. “Certa vez, numa das viagens que faço sempre ao Rio de Janeiro, vi uma montanha toda embrulhada com tiras de plástico. Parecia uma obra do Christo (artista plástico búlgaro, conhecido pelas intervenções em parceria com a companheira Jeanne-Claude). Parecia também cenário de filme de ficção. Isso me chamou a atenção e comecei a fotografar essas mudanças”, explica Pederneiras, que fez seus registros no Quadrilátero Ferrífero, na Região Central de Minas Gerais.

“As fotos chamam a atenção para a necessidade de preservar esse patrimônio”, afirma Pederneiras. No entanto, mantêm o caráter artístico. “Elas retratam uma situação devastadora. São diferentes, estranhas. É um cenário que, às vezes, parece de outro planeta. Isso me impactou, me impressionou, e resolvi registrar. Ao longo do tempo, a coisa foi se transformando, aquelas cenas iam se modificando”, relata.

Uma das imagens mais impressionantes tem a montanha “cortada” pela mineração em um espelho d’água duplicado. Essa fotografia foi feita em Congonhas – um dos municípios mais ameaçados por essa atividade no estado.

Durante o período em que Pederneiras realizou o projeto, Minas registrou o rompimento de barragens de rejeitos minerais da Samarco e da Vale, respectivamente, em Mariana (2015) e Brumadinho (2019). O artista chegou a fotografar em Mariana, mas preferiu não incluir as imagens na coleção. “Estive na região atingida, mas nunca quis publicar essas fotos, pois elas causam muito sofrimento às famílias atingidas. Todo esse horror já foi suficientemente mostrado na mídia”, argumenta.

ALÉM Não apenas as montanhas compõem a exposição. Há a preocupação em mostrar o que há além delas. O mar se destaca em quase metade das imagens. “Ele sempre exerceu uma grande fascinação sobre mim. Até morei no Rio por isso. Tudo o que vem da montanha desemboca no mar, as riquezas minerais, as águas dos rios”, observa Pederneiras. “Foram dois trabalhos paralelos que resolvi juntar na mesma exposição a partir da conexão sentimental que tem a ver com a minha história e a história do meu povo”, afirma.

Guilherme Horta assina a curadoria da mostra, cuja expografia foi criada por Fernando Maculan e Paulo Pederneiras.
Fotógrafo e artista plástico, José Luiz é irmão de Rodrigo e Paulo Pederneiras – respectivamente, coreógrafo e diretor-geral do Grupo Corpo. São dele as belas fotos oficiais de todas as montagens da companhia de dança criada por sua família em Belo Horizonte, em 1975.

O OUTRO LADO DA MONTANHA
Fotografias de José Luiz Pederneiras Em cartaz até 21 de outubro no Centro Cultural Minas Tênis Clube (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). O espaço funciona terça, quarta, sexta e sábado, das 10h às 20h; quinta, das 10h às 22h; e domingo, das 11h às 19h. Informações: (31) 3516-1360. Entrada franca.

A MONTANHA PULVERIZADA
De Carlos Drummond de Andrade

Chego à sacada e vejo a minha serra,
a serra de meu pai e meu avô,
de todos os Andrades que passaram
e passarão, a serra que não passa.

Era coisa dos índios e a tomamos
para enfeitar e presidir a vida
neste vale soturno onde a riqueza
maior é sua vista e contemplá-la.

De longe nos revela o perfil grave.
A cada volta de caminho aponta
uma forma de ser, em ferro, eterna,
e sopra eternidade na fluência.

Esta manhã acordo e
não a encontro.
Britada em bilhões de lascas
deslizando em correia transportadora
entupindo 150 vagões no trem-monstro de 5 locomotivas
– o trem maior do mundo, tomem nota –
foge minha serra, vai
deixando no meu corpo e na paisagem
mísero pó de ferro e este não passa.


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