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O INTELECTUAL ENGAJADO

Coordenador de Ensaios e inéditos comenta aspectos da personalidade e da obra de Euclides da Cunha revelados no volume recém-lançado pela Editora Unesp, com 31 textos


postado em 10/03/2019 05:07

O escritor Euclides da Cunha (1866-1909), ao centro, com seus irmãos(foto: O CRUZEIRO/ARQUIVO EM)
O escritor Euclides da Cunha (1866-1909), ao centro, com seus irmãos (foto: O CRUZEIRO/ARQUIVO EM)


A obra de Euclides da Cunha (1866-1909) inspira estudos eternos. Próximo homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que ocorre em julho, o autor de Os sertões apresenta uma radicalidade na literatura e cultura brasileiras. Sobre seu trabalho, debruçam-se diversos pesquisadores, como Francisco Foot Hardman, que coordena o volume Ensaios e inéditos (Editora Unesp), organizada por Leopoldo Bernucci e Felipe Pereira Rissato. Trata-se do conjunto de 31 composições assinadas por Euclides, cuja primeira tem a data de 1883, quando ele tinha apenas 17 anos, e a última é de 1909, ano de sua morte.

Além do ineditismo em livro de alguns textos – e de outros serem pouquíssimo conhecidos –, a missão desse trabalho é a de mostrar como o talento de Euclides não se limitava aos Sertões, certamente uma das mais importantes obras da literatura brasileira. “Julgo tão importante como outro livro de Euclides, À margem da história (1909), publicado postumamente. A editora Unesp deverá lançar uma edição crítica na qual será possível constatar sua radicalidade no âmbito da literatura e da cultura brasileiras”, diz Hardman.

Entre as 31 composições, há desde fragmentos (punhado de frases sobre determinado assunto ao qual Euclides não pode ou não quis retomar) até anotações e manuscritos que resultariam em textos acabados como Contrastes e confrontos (1907), Peru versus Bolívia (1907) e o já lembrado À margem da história. Uma das questões mais recorrentes na obra de Euclides é a relação entre civilização e barbárie – assim, quando de sua viagem ao Alto Purus, no Acre, região fronteiriça com o Peru, em 1905, época de auge da economia extrativista da borracha, o escritor observou o trabalho semiescravo a que eram submetidos os seringueiros, além da brutalidade reservada aos índios.

À época, Euclides foi designado para liderar a comitiva mista brasileiro-peruana de reconhecimento da região. E, além de cumprir com os objetivos técnicos da missão (como mapeamento da área), ele coletou dados para uma análise histórica e social do extremo Oeste da Amazônia. Sobre Ensaios e inéditos, Hardman respondeu as questões a seguir.



Que detalhes sobre o trabalho de Euclides da Cunha são apresentados nessa seleção que não é possível ver (ao menos não tão nitidamente) em Os sertões?

Haveria vários aspectos a considerar. Mas, de forma sintética, penso na dimensão do interesse internacionalista amplo que o autor revela, em vários dos textos desse volume, não só no âmbito das questões da América Latina, mas de toda a geopolítica mundial, muito além do apregoado “nacionalismo rígido” que muitas leituras apressadas lhe conferem. Sua resenha original, por exemplo, sobre o romance Quatrevingt-treize (1874), de Victor Hugo, manuscrita num caderno de cálculo infinitesimal na Escola Militar, por volta de 1885, converte-se em libelo, em profissão de fé romântica nos ideais da Revolução Francesa, que já nos tinha chamado a atenção quando compilávamos sua poesia de juventude. Seu interesse pelas regiões interiores e sua articulação com os polos hegemônicos da política, da economia ou da cultura faz dele um dos primeiros intelectuais brasileiros a questionar as estruturas autoritárias mais arcaicas herdadas da colônia e do império e, sobretudo, a exclusão de muitos de seus espaços e comunidades humanas da “história oficial”. Quanto ao estilo, vale lembrar que aqui nós temos textos curtos, numa forma talvez a mais recorrente em Euclides (Os sertões constituindo, a rigor, uma exceção). Seu vínculo forte com o jornalismo, seja como cronista ou articulista de fundo, é algo que necessitaria ser ainda mais bem estudado.

Pelos textos, nota-se Euclides em constante ato de autocrítica sobre assuntos diversos. É possível dizer, então, que esses escritos, de alguma forma, até ajudam a ressaltar aspectos biográficos?

Bem, para Euclides certamente valeria a máxima borgiana: no fundo, publicamos livros para parar de revê-los... Ele era particularmente obsessivo com as revisões intermináveis que fazia, mesmo quando o livro já estava no prelo. Sem dúvida, tanto nesse volume quanto em sua Poesia reunida emerge uma dimensão autobiográfica inegável, às vezes mais explícita ou implícita. Certamente, isso vai despontar com força nos volumes seguintes da série que estamos preparando, relativos à sua correspondência ativa e passiva, em dois tomos remissivos. O trabalho quase todo inédito de recuperação de sua correspondência passiva devemos em grande parte à pesquisa primária incansável de Rissato.

Interessante também é a forma crítica como Euclides via as tentativas de uma restauração da monarquia e também apontava as rachaduras da república, não?

Euclides foi um abolicionista e republicano de primeiríssima hora, engajado como jovem cadete radical, inclusive com simpatias declaradas pelo socialismo reformista mais afim aos inícios da social-democracia europeia, o que, digamos, se no Brasil de hoje representa uma posição avançadíssima, imagina, então, no final do século 19. Mas, como já apontaram com argúcia, entre outros, nossos saudosos amigos euclidianistas Frederic Amory e Roberto Ventura, ao contrário do que leituras banais sugeriram, Euclides, já em 1894, descontente com os rumos autoritário-militares da república, entra em rota de colisão com a carreira militar, é transferido abruptamente para Campanha, em Minas Gerais, e, em 1895, inicia seus trabalhos como engenheiro de obras públicas no Estado de São Paulo, desengajado do Exército, como tenente da reserva. E como dissidente discreto, mas efetivo, podemos acrescentar.

Euclides será o escritor homenageado da Flip deste ano. Um dos motivos é o fato de Os sertões ser considerado um dos primeiros clássicos brasileiros de não ficção. Observando nossa atualidade, qual importância tem essa homenagem? E quão Os sertões é atual nesse tempo?

Euclides é um dos maiores escritores da língua portuguesa de todos os tempos. Nesse sentido, todas as homenagens serão sempre bem-vindas, necessárias e, esperemos, renovadas. Sua modernidade literária pode ser vista nos gêneros híbridos adotados, na temática social inovadora e na sua desconfiança visceral em relação ao beletrismo e ao bacharelismo de nossas elites. A atualidade de Os sertões pode ser buscada de várias maneiras. Vou destacar o que me parece o mais importante. Quando setores que passaram a nos governar podem tornar mais vulneráveis nossos ecossistemas e os povos que lá habitam (indígenas, ribeirinhos, quilombolas, camponeses, entre outras comunidades), lembrar das “loucuras e crimes das nacionalidades”, com que Euclides conclui sua obra-prima, é lembrar que 20 mil sertanejos, nossos irmãos – como sempre reitera o escritor –, foram massacrados pelo Estado e pelo Exército de nossa jovem república. Isso deveria sempre ser relembrado, para que não se justifiquem outros crimes. (Agência Estado)


Euclides da Cunha – Ensaios e inéditos
. Organização: Leopoldo M.
Bernucci e Felipe Pereira Rissato
. Editora Unesp
. 460 págs.
. R$ 60



"Euclides tem muito a dizer sobre o Brasil de hoje"

Uma das maiores especialistas em Euclides da Cunha no Brasil, com 12 livros publicados sobre o escritor e sobre Canudos, a crítica literária e professora emérita da USP Walnice Nogueira Galvão participará da próxima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (10/7 a 14/7), cujo homenageado é o autor de Os sertões.

Uma nova edição de No calor da hora - A Guerra de Canudos nos jornais – a primeira em cerca de duas décadas – também está sendo preparada pela editora Cepe/Selo Suplemento Pernambuco. O livro lançado em 1973 (a tese de livre-docência de Walnice) é o motivo pelo qual a pesquisadora até hoje não confia nos jornais. “Você me desculpe”, diz ela, por telefone, “mas a mídia era cúmplice e fazia lavagem cerebral dos brasileiros”.

Euclides, explica Walnice, era prata da casa do jornal Estado de São Paulo. Desde que fez um ato de protesto contra a monarquia e foi expulso da Escola Militar, no Rio, em 1888, se mudou e o jornal (então A Província de São Paulo) o acolheu. Ele escreveu “violenta propaganda republicana”, segundo a professora, e depois da proclamação voltou para o Rio, de onde seguiu colaborando com a publicação.

Em 1897, vai para Canudos (Os sertões sai em 1902) a pedido do jornal. Ele fica menos de um mês no local, no fim da guerra. “É um fenômeno curiosíssimo o que acontece ali, porque ele era tenente do Exército, engenheiro militar, depois civil. Mas ele era imbuído do que aprendeu na Escola Militar, na época uma escola de vanguarda, seguindo o modelo da Revolução Francesa. Os militares da época viraram revolucionários. Então, ele vai para Canudos achando que vai combater os monarquistas. Chegando lá, encontra pobres miseráveis, e o exército equipadíssimo massacrando aquele povo. Ele então sofre um problema de consciência tremendo, o qual você pega com a mão nas páginas d’Os sertões, e muda de lado. Ele deixa de torcer pelo Exército e passa a torcer pelos rebeldes. Isso é uma coisa tremenda.” O livro é a história dessa passagem.

Embora não tenha se envolvido diretamente no movimento de derrubada da monarquia, Cunha foi beneficiado. “Imediatamente após o golpe que proclamou a república, ele é readmitido na Escola Militar.”

“Euclides tem muito a dizer sobre o que está acontecendo no Brasil hoje”, afirma Walnice. “Ele tinha uma preocupação com a justiça social e escreveu um livro que é um monumento de denúncia da maneira com que o Brasil trata os pobres, a ferro e fogo, num momento em que os pobres também estão sendo tratados a ferro e fogo. O processo adquiriu outros disfarces, mas isso não mudou.”

A escolha de Euclides tem a ver com a vontade de Fernanda Diamant, a nova curadora da Flip, de investir mais em não ficção na programação do evento em 2019. “Os sertões é o primeiro clássico de não ficção brasileira, uma obra exemplar. Uma não ficção que é uma grande literatura”, disse a curadora.

O livro está disponível em algumas edições. Uma coedição da Edições Sesc e da Ubu, organizada e comentada por Walnice Nogueira Galvão, resultou em dois produtos diferentes (a Ubu lançou como caixa, em 2016; a Sesc publicou um ano antes, num volume único). Leopoldo Bernucci editou um volume de 928 páginas para a Ateliê Editorial, em 2018. A Martin Claret também tem uma versão na praça – a chancela da Flip costuma estimular o mercado a soltar novas edições. (Agência Estado)



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