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Pioneiro e polêmico

Acusado de racista, Monteiro Lobato criticou o tratamento dado à criança negra. Chegou a defender a eugenia publicamente, mas percebeu o erro, garante a biógrafa Marcia Camargos


postado em 13/01/2019 05:06

Símbolo do nacionalismo no país, Monteiro Lobato foi um dos líderes da campanha O Petróleo é Nosso (foto: Arquivo EM/D.A Press)
Símbolo do nacionalismo no país, Monteiro Lobato foi um dos líderes da campanha O Petróleo é Nosso (foto: Arquivo EM/D.A Press)


Monteiro Lobato é alvo de polêmicas que voltarão à cena agora, quando sua obra cai em domínio público. Em 2010, um de seus livros mais importantes, Caçadas de Pedrinho (1933), foi acusado de “teor racista” pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que recomendou ao governo não distribuí-lo a escolas públicas. Posteriormente, a relatora do caso voltou atrás e decidiu que cada professor deveria dar explicações aos alunos sobre o preconceito presente no livro.

A discriminação estaria presente no tratamento conferido à personagem Tia Nastácia e a animais como o macaco e o urubu, entre outras passagens. Uma das frases escritas por Lobato é: “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão”.

“Monteiro Lobato é um autor que não só reflete uma visão que muitos consideram racista, mas também tinha traços de uma desqualificação do negro mais significativa do que outros escritores. Sem dúvida, ele se alinha com uma perspectiva racial muito complicada”, observa Maria Cristina Soares, organizadora da coletânea Lendo e escrevendo Lobato.

Há pouco tempo, lembra a professora, comentou-se a ligação do criador de Emília, Tia Nastácia e Narizinho com a Ku Klux Klan, organização racista norte-americana. A revista Bravo! chegou a publicar cartas inéditas do escritor paulista se referindo a isso. “Um dia se fará justiça ao Ku Klux Klan; tivéssemos uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos livres da peste da imprensa carioca – mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva”, escreveu Lobato, em 1938.

No entanto, a professora Maria Cristina Soares chama a atenção para o contexto em que Monteiro Lobato se formou. Nascido em 1882, seis anos antes da abolição da escravatura, e fazendeiro (recebeu terras como herança do avô), ele era uma homem de seu tempo, apesar de considerado visionário.

“Lobato nasceu no século 19, mas tinha pensamentos do século 19 e do século 20. Essa polêmica (do racismo) foi importante para trazer o outro lado dele, mas temos que entendê-lo em toda a sua complexidade. Ninguém nega que Lobato comungava desses ideários segregadores. Porém, não dá para desqualificar sua literatura por conta disso. Temos de situar o leitor naquele contexto em que o negro tinha um outro valor, infelizmente. Deve-se entender aquele momento histórico”, pondera a professora da Universidade Federal de Minas Gerais.



REFLEXO


A biógrafa Marcia Camargos não vê Lobato propriamente como racista, mas como um reflexo das ideias da época em que viveu. A jornalista reconhece, porém, que o escritor era defensor da eugenia. Essa teoria defende o aprimoramento da raça humana por meio da seleção de características hereditárias e genéticas consideradas “superiores” que seriam próprias dos brancos, por exemplo, em detrimento de negros e asiáticos.

“Ele se entusiasmou com isso, tinha tais arroubos porque queria achar soluções para o país, acreditando que a miscigenação era um fator prejudicial na formação do povo brasileiro. Ele namorou todas essas teorias, mas depois caiu em si”, garante Marcia Camargos.

De acordo com a especialista, a prova de que Lobato não desprezava os negros está no fato de ter escrito Negrinha (1920), eleito um dos 100 melhores contos brasileiros do século 20. O texto (veja trecho nesta página) retrata a coisificação e a animalização de uma órfã de 4 anos.

“Negrinha é um libelo contra o racismo, contra o espírito escravocrata, contra a hipocrisia da Igreja. Só essa obra anula todas as outras que poderiam ter algum caráter racista. As pessoas devem compreender que Monteiro Lobato tinha a mentalidade da época, embora fosse um homem à frente do seu tempo. Em sua casa ainda havia resquícios da escravidão. Não teria como Tia Nastácia ser a Dona Benta, proprietária de um sítio. Isso não refletia a realidade, pois o negro ainda era tratado como objeto”, afirma a autora de Furacão na Botocúndia.

No entanto, Marcia considera fundamental questionar a obra do escritor paulista. “Entendo que há pessoas que leram e se sentiram incomodadas – e é bom que se sintam assim, justamente para questionar. Monteiro Lobato sempre considerou a criança um ser independente, cujo senso crítico deve ser desenvolvido. Ela não pode ser colocada numa bolha. Principalmente no caso da criança negra, ela tem de questionar mesmo, caso se sinta ofendida. Só assim vai se formar um adulto crítico”, defende a biógrafa de Lobato.

PETRÓLEO


Monteiro Lobato era ferrenho nacionalista. Em 1936, ele lançou O escândalo do petróleo, defendendo a exploração do combustível apenas por empresas brasileiras. A campanha mobilizou o Brasil a partir de 1947, com o fim da 2ª Guerra Mundial e a derrubada do Estado Novo, ditadura comandada por Getúlio Vargas.

Lobato foi um dos líderes da campanha O Petróleo é Nosso. Defendia que a independência econômica deveria ser complemento da liberdade política decorrente da democracia. De acordo com ele, isso só seria possível com a exploração do combustível pelos brasileiros.

No período em que morou nos Estados Unidos, onde atuou como adido comercial, o escritor tomou conhecimento de conquistas tecnológicas e industriais ligadas à exploração do petróleo e do ferro. De volta ao país, ajudou a implantar a Companhia Petróleos do Brasil. Graças à grande facilidade com que foram subscritas as ações, Monteiro Lobato fundou empresas de perfuração de petróleo, como a Companhia Petróleo Nacional, a Companhia Petrolífera Brasileira e a Companhia de Petróleo Cruzeiro do Sul.

A maior delas, fundada em julho de 1938, era a Companhia Mato-grossense de Petróleo, que buscava o “ouro negro” perto da fronteira com a Bolívia.

“Ele sempre achou que tínhamos condições de ser autossuficientes com relação ao petróleo. Naquela época, nem se imaginava a extração no mar. Vemos em toda a trajetória dele o desejo de que o Brasil fosse um país desenvolvido, com distribuição de renda. Era até uma visão meio positivista. Lobato chegou a bater de frente com várias pessoas, inclusive do governo. Sem dúvida, foi questionador e inquieto, vivia se reinventando. Ele queria o melhor para o país”, conclui a biógrafa Marcia Camargos.


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