
“Parei com tudo o que eu fazia antes: queimar meu fumo, beber uísque no Brasil, champagne na França. Agora, estou só vivendo e curtindo o passado, pois não preciso mais de nada.” O trombonista carioca Raul de Souza, um dos grandes jazzistas brasileiros, não tem do que reclamar.
Com 65 anos de carreira e quase 85 de vida, continua tocando e gravando com quem gosta e como lhe convém. Blue voyage, álbum recém-lançado pelo selo Sesc, é prova disso. No trabalho, o virtuoso reuniu oito composições autorais, todas inéditas, para um registro ao vivo gravado na sala Maison des Artistes, na gelada Chamonix, na França, aos pés do Mont Blanc.
É um disco predominantemente de samba, como atesta a faixa de abertura, Vila Mariana. A “viagem azul” do título, segundo ele, remete aos vários lugares onde já tocou. “Azul do céu e do mar, porque estou sempre em cima do avião”, diz ele, que vive metade do ano na França, em St. Martin (no sudoeste daquele país), e a outra metade no Brasil (na Vila Mariana, em São Paulo).
Mais importante trombonista brasileiro, levou seu jazz fusion para a Europa e os EUA, tocando com Sérgio Mendes, Milton Nascimento e Sonny Rollins. É carioca de Bangu, serviu na Força Aérea Brasileira e traz no passaporte o nome João José Pereira de Souza. O Raul vem de Raulzinho, nome artístico sugerido por Ary Barroso.
HOMENAGEM O repertório de Blue voyage veio aos poucos. Os nomes das músicas remetem aos lugares onde ele passou. Primavera em Paris remete às modinhas; St. Martin vem embalada no compasso da valsa; Chegada remete às gafieiras. To my brother Sonny não homenageia um lugar, mas o lendário saxofonista Sonny Rollins, com quem o brasileiro tocou muitas vezes – na faixa, Raul de Souza deixa de lado o trombone para assumir o sax.
O disco foi gravado com Mauro Martins (bateria), Leo Montana e Alex Corrêa (piano) e Glauco Sölter (baixo elétrico). Nos trabalhos mais recentes, o músico tem gravado suas composições. “O que é maravilhoso, pois, antes, eu só gravava uma ou duas minhas; o restante era dos outros. Para mim, é diferente”, comenta ele, que não distingue gêneros. “Tudo é sentimento rítmico. Jazz é jazz, bolero é bolero, bossa nova é bossa nova.”
Ele julga, no entanto, que o samba tocado por um brasileiro tem um acento único. “O americano pode interpretar, mas eles só tocam (no compasso) 4/4. Nós, aqui, sempre fazendo 2/4. Ou seja, só quem toca samba mesmo é brasileiro.” A idade não pesa, diz o músico. “A primeira gravação de que participei foi em 1955, quando tinha 20 anos. Agora é a mesma coisa, o instrumento é que é outro.”
Raul de Souza dá nome a um instrumento único, que ele próprio criou: o souzabone, um trombone com quatro válvulas, uma a mais do que os instrumentos tradicionais. Só existe um exemplar no mundo (foi confeccionado em Los Angeles, há 40 anos) e o músico acha difícil encontrar uma fábrica que produza outros. Hoje, só o empunha quando é demandado. Uma gravação recente com o souzabone foi com Rappin’Hood.
BLUE VOYAGE
Artista: Raul de Souza
Selo Sesc
Preço sugerido: R$ 20