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Vitória da independência

Vencedor do Prêmio Jabuti de poesia e livro do ano, o cearense Mailson Furtado conta que escrever À cidade foi visceral e que o longo poema já existia na pequena Varjota (CE)


postado em 19/11/2018 11:48

O poeta divide seu tempo entre o consultório de odontologia, o teatro e a escrita (foto: Arquivo Pessoal/Mailson Furtado)
O poeta divide seu tempo entre o consultório de odontologia, o teatro e a escrita (foto: Arquivo Pessoal/Mailson Furtado)

O poeta e mestre em história pela Universidade Federal do Ceará Dércio Braúna, em ensaio crítico que encerra À cidade, de Mailson Furtado, demarca que “a cidade que toca o sentir é arquitetura e geografia da poética”. Uma chave de leitura da obra que conquistou o Prêmio Jabuti como melhor livro de poesia e livro do ano, e voltou os olhares para Varjota, município do Ceará com cerca de 18 mil habitantes. Aos 27 anos, Mailson escreveu o livro-poema em homenagem à cidade onde mora com mulher e filho no interior do Ceará. Uma poesia de 60 páginas. Mailson escreveu os versos em novembro e revela ter sido “experiência visceral”. Perdeu a condução da escrita quando deixou o poema – que já existia, como ele mesmo diz – ganhar materialidade.

“Em 20 dias vivi com esse texto. Ia para a padaria. Saía para rua e poema caminhando comigo. Foi difícil. O livro se passa em novembro, mês estranho para a gente, sertanejo. É um mês que traz ansiedade para qualquer sertanejo: o que vai ser próxima quadra invernosa, chuvosa”, revela. À cidade é o quarto livro escrito por Mailson, embora ele considere que seja o primeiro em que alcançou escrita “mais madura”. Escreveu Sortimento (2012), Conto a conto (2013) e Versos pingados (2014). Todos produzidos de forma independente, do mesmo jeito de À cidade. E não há como um livro ser mais autoral do que no caso de Mailson: fez a ilustração de capa, diagramou, fez o tratamento de imagens e editou.

O desejo de se dedicar à escrita de modo a enlaçar quem lesse veio do contato com um consagrado escritor nascido na Paraíba. A vontade veio em 2010, quando leu o Romance d’A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta (1971), de Ariano Suassuna. A leitura provocou não só uma revolução interna, mas levou Mailson ao sertão. Ele e sete integrantes da companhia de teatro que dirige, Criando Arte, viajaram por três estados: Paraíba, Pernambuco e Ceará. “Mesmo sem ter ido a esses lugares, ter lido o livro me dava a sensação de tê-los conhecido”, afirma.

A trupe se dividiu em três carros numa experiência, como ele mesmo define, “meio louca”. Só sabiam que queriam fazer teatro de rua. “Não sabíamos onde iríamos parar, dormir e comer”, revela. Depois da viagem, nada ficou como antes. “Pensei que queria registrar minha cidade com aquela visão literária. Queria que quem lesse tivesse a mesma sensação que eu tive ao ler Suassuna”, diz.

Mailson divide o tempo entre a literatura, o teatro e a odontologia. Tira o sustento da atuação como dentista concursado na cidade de Reriutaba, na Região Metropolitana de Sobral (CE), e do consultório que atende à noite em Varjota. O poeta não se martiriza com o tempo que tem para se dedicar às artes e só diz que é possível fazê-lo, por exercer a odontologia. “São dois mundos completamente diferentes. Aprendi equilibrar os dois mundos desde a época faculdade. Estudava a semana inteira e dedicava o sábado e o domingo para escrever.”

teoria Nascido em Cariré (CE), Mailson teve o primeiro contato com a poesia na adolescência. “Tinha uma turma de amigos que me apresentou muita coisa: arte, teatro, poesia. No início, queria escrever letras de música. Gostava de música, mas não sabia tocar nada”, diz.

Desde 2005, quando já tinha três livros publicados, começou a estudar teoria literária por conta própria. “Esse é meu quarto livro. Mas, nos meus outros três, tem muita coisa crua, amadora”, afirma. A escrita anterior preparou terreno para nascer o poema que o consagrou. “Os outros foram um pré-trabalho. Por conta de tudo isso, construção do livro e a forma como foi escrito, tenho a sensação que foi meu primeiro livro.”

Depois de imersão na escrita de À cidade, Mailson enviou cópia para o professor Oswald Barroso, um dos maiores folcloristas do Ceará. “Mandei e-mail para muita gente”, diz. Muitos ignoraram o poeta. Oswald Barroso gostou, mas disse que faltava elo entre os versos. Depois de 15 dias pensando no que havia dito o folclorista, Mailson teve a ideia de dividir o poema em presente, pretérito, pretérito mais-que-perfeito e futuro do pretérito.

No presente, apresenta Varjota como é, a cidade pulsante: os cachorros de rua, as casas e a rotina de quem as habita, a mudança da cidade do raiar do sol à chegada da lua. Fala do calor do sol e do calor do sertão. No pretérito, busca os elementos da construção daquele lugar que resiste à aridez: “noutro dia vem/ vem outro sol/ o mesmo de outro dia/ o mesmo de mil oitocentos e setenta e sete”. No pretérito mais-que-perfeito, o olhar subjetivo de Mailson para aquele lugar. “Nada podia ser melhor do que aquilo. A cidade é daquela forma. Não podia ser melhor”, diz ao EM. No futuro do pretérito, apresenta a cidade como “está sendo ou como vai ser”.

Quando anunciou as mudanças do Prêmio Jabuti em maio, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) sinalizou que estava mais atenta para o mercado independente, em especial às pequenas editoras. Mas o anúncio de que Mailson venceu a categoria poesia surpreendeu e, mais ainda, o fato de o livro do ano ser de um autor independente. “Fiz o livro na mão, até a capa foi desenhada por mim. Espero que esse prêmio abra essa janela para todas as editoras e autores de qualidade que não têm espaço ou condições financeiras de lançar um livro. Esse prêmio não é meu, é nosso”, disse Furtado ao agradecer a premiação. Feito de maneira artesanal, a primeira edição de À cidade contou com 300 exemplares. Depois de receber o prêmio, já pensa em imprimir a segunda edição com 3 mil exemplares. Disse que já foi sondado por editoras sem revelar quais.

Nem mesmo Mailson esperava conquistar o maior prêmio da literatura brasileira. Diferentemente de edições anteriores, os vencedores só foram conhecidos no dia da premiação. “O intuito da viagem era conhecer São Paulo. Até porque não acreditava que ganharia”, disse. E não passou batida a diferença do tempo entre Varjota e São Paulo. “É uma cidade diferente, apesar de já conhecer várias capitais. São Paulo é uma cidade com muita gente, muito movimento. São Paulo me deu a impressão de lugar onde todo mundo está. Pessoas de todo tipo. A correria parece que é maior lá. Consegue todo mundo que a gente quiser ali”, afirma.

 

 

entrevista

Entrevista Nelson Cruz,
ilustrador

 

Perto dos mestres

Nascido em Belo Horizonte, Nelson Cruz mora e trabalha em Santa Luzia. Desde 1987, faz ilustrações para o mercado editorial. Ele conquistou pela sexta vez o Prêmio Jabuti com as ilustrações do livro Os trabalhos da mão (Editora Positivo), com texto de Alfredo Bosi.

 

Como foi o processo de criação do livro Os trabalhos da mão?
A ideia de criar um livro utilizando pinturas de grandes mestres me acompanhava há muito tempo. Faltava criar a história. Mas ela não vinha. Então, como cada projeto se arquiva na memória e vai ficando até os cruzamentos começarem a acontecer, esse desejo foi ficando. Até que surgiu esse texto do Alfredo Bosi e, imediatamente, senti que seria a vez desse projeto de grandes mestres aparecer. Bosi está adoentado e raramente sai de casa. O editor na época, Marcelo Delanhol, convidou-me para ler o texto e, caso houvesse identificação, eu poderia ilustrá-lo. Era o desejo do editor. Pensei o projeto das ilustrações isoladamente e com toda liberdade de criação.

Você refez as obras Criação do sol e da lua e A criação de Adão, de Buonarroti, e Estudos sobre física, de Leonardo Da Vinci. Como foi esse processo?
O processo de identificação do artista com certas obras é difícil de repassar. É subjetivo, silencioso, emocional. Costumo dizer que frequento esses artistas desde que os descobri nos livros da sala de obras especiais da Biblioteca Pública Estadual, na Praça da Liberdade, lá nos anos 1970, ainda adolescente. Com cada um se aprende algo que outro não tem. Assim, eles passaram a conviver comigo e eu com eles. Meu processo com os grandes mestres, com quem trabalhei agora, foi o da convivência com suas histórias e suas obras.

Você tem trajetória reconhecida na área editorial como ilustrador. Qual o seu maior desafio nessa área?
Desafios há vários, com certeza. Depois de 30 anos de autoria e de ilustração completados esse ano, vejo um mercado editorial se desfazer para se recriar e sem saber em que vai se transformar. O certo é que meu ofício é fazer livros ilustrados e isso não muda para mim. O maior desafio continua sendo o pouco acesso da grande maioria da população a uma educação artística que possa levá-la a valorizar a leitura dos livros ilustrados. Mas, enquanto isso, há bibliotecas comunitárias com projetos de leitura sendo trabalhados. O maior desafio, a meu ver, é não perder leitores para a qualidade de textos das redes sociais.

 

 

 

 

À CIDADE

 De Mailson Furtado
 Independente
 60 páginas
 R$ 19,90 (e-book)

 

 

OS TRABALHOS DA MÃO

 Texto de Alfredo Bosi
 Ilustrações de
Nelson Cruz
 Editora Positivo
 68 páginas
 R$ 59,90


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