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Estado de Minas SAÚDE mental

Cientistas buscam novos caminhos para combater a depressão

Tratamento alternativo, baseado em psicoterapia e antidepressivos poderão ajudar pessoas com o distúrbio que não respondem à terapia tradicional


07/09/2021 04:00 - atualizado 07/09/2021 08:31

Francisco Romo-Nava avalia efeitos da estimulação elétrica das vias de comunicação entre corpo e cérebro
Francisco Romo-Nava avalia efeitos da estimulação elétrica das vias de comunicação entre corpo e cérebro (foto: University of Cincinnati/Colleen Kelley)
A depressão é um problema de saúde com incidência crescente nos últimos anos e previsões de que as taxas seguirão aumentando. Pode ser tratada com terapia e/ou medicamentos, mas muitos pacientes acabam não respondendo da melhor forma às opções medicamentosas – a estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que, globalmente, cerca de 20% das pessoas estão nessa condição. Para auxiliá-las, cientistas buscam novas abordagens. E têm fugido do convencional nesse trabalho.

Equipes dos Estados Unidos, por exemplo, estudam o uso do gás do riso e de estimulação da medula espinhal. Já pesquisadores brasileiros apostam em um aplicativo que estimula a realização de atividades prazerosas e pode ser indicado para pessoas com a forma leve da enfermidade.

“Uma grande porcentagem de pacientes não responde às terapias antidepressivas padrão. Acreditamos que é muito importante encontrar novos tratamentos para ajudar essas pessoas”, enfatiza ao Estado de Minas Charles R. Conway, professor do curso de psiquiatria da Universidade de Washington. Com esse objetivo, Conway e sua equipe resolveram testar o uso do óxido nitroso, conhecido popularmente como gás do riso, em um grupo de 24 voluntários que enfrentavam dificuldades para tratar a depressão. “Os indivíduos que selecionamos falharam em uma média de quatro testes com antidepressivos”, detalha o cientista.

Todos os participantes foram submetidos a três tipos de sessões. Na primeira, foram expostos a uma mistura composta por metade de gás do riso e metade de oxigênio. Na segunda, foram expostos a uma mistura com 25% do óxido nitroso. Por último, respiraram apenas oxigênio (placebo). Todas as terapias duraram uma hora, com um intervalo de um mês entre elas. Em 17 pacientes, as duas primeiras sessões geraram melhoras nos sintomas de depressão, sendo que os resultados mais duradouros se deram após a sessão inicial.

Segundo os autores, drogas antidepressivas padrão afetam os receptores dos hormônios norepinefrina e serotonina no cérebro, mas os efeitos esperados demoram semanas para ser registrados. Já o óxido nitroso interage com um número maior de diferentes receptores das células cerebrais, chamados NMDA de glutamato, o que tende a melhorar os sintomas em apenas algumas horas após a exposição à substância. “O fato de termos visto melhorias rápidas em muitos desses pacientes sugere que o óxido nitroso pode ajudar as pessoas com depressão resistente realmente severa”, enfatiza Conway.

Renata Rainha, psiquiatra da Associação Psiquiátrica de Brasília, avalia que os dados são animadores, apesar de a abordagem ainda ser experimental. “São análises preliminares, mas já podemos ver uma importante vantagem, que é o efeito imediato de melhora. A maioria dos antidepressivos demora semanas para funcionar, e isso é uma dificuldade que enfrentamos no tratamento e desanima os pacientes”, diz.

Segundo a médica, pesquisas que buscam novas opções terapêuticas são muito bem-vindas. “É muito importante pensar em possibilidades efetivas para quem sofre com a depressão refratária, que são os pacientes que não respondem aos medicamentos atuais. As pesquisas podem nos ajudar a evitar que esses pacientes tenham que ser internados, o que é algo que gera bastante sofrimento”, justifica.

BACTÉRIA


A toxina botulínica, um medicamento derivado de uma bactéria, é comumente usada para tratar rugas, enxaquecas, espasmos musculares, sudorese excessiva e incontinência. Especialistas acreditam que a depressão pode ser mais uma complicação a entrar nessa lista. “Durante anos, os médicos observaram que a utilização dessa toxina por razões cosméticas parece aliviar a depressão em seus pacientes”, relata, em comunicado, Ruben Abagyan, professor de farmácia da Universidade da Califórnia.

Para avaliar melhor o tema, o cientista e sua equipe analisaram dados médicos de cerca de 40 mil pessoas que receberam injeções de toxina botulínica e foram acompanhadas, por meses, antes e após a aplicação da substância. Com o uso de um algoritmo projetado para encontrar diferenças estatisticamente significativas, os especialistas descobriram que a depressão foi relatada com 40% a 88% menos frequência nas pessoas que receberam o produto, quando comparadas a quem não se submeteu ao procedimento.

A hipótese do grupo é de que a toxina botulínica possa ser transportada para as regiões do sistema nervoso central envolvidas no humor e nas emoções, um fenômeno que, enfatizam os cientistas, precisa ser melhor investigado.

Danielle H. Admoni, psiquiatra e docente na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), indica alguns pontos a serem explorados. “Essa pesquisa avaliou um número amplo de indivíduos, mas não detalha pontos importantes, como o nível de depressão de cada paciente. Outra questão é que os cientistas suspeitam que a melhora de determinadas enfermidades, como a incontinência e a sudorese, devido ao uso da toxina, gerou melhoras de humor do paciente de forma indireta. É algo que só saberemos com pesquisas futuras que considerem esse efeito indireto”, justifica.

CORRENTE ELÉTRICA


Outra opção que está sendo estudada como possível tratamento para a depressão é a estimulação elétrica da medula espinhal. A aposta é de Francisco Romo-Nava, pesquisador da Universidade de Cincinnati. O psiquiatra explica que o cérebro e a medula espinhal são componentes do sistema nervoso central conectados por vias neurais. “Acreditamos que uma corrente elétrica relativamente pequena aplicada através da pele, que mal pode ser sentida pelo paciente e não vai machucá-lo, vai moderar as vias neurais de comunicação cérebro-corpo na medula espinhal e impactar certas regiões do cérebro”, resume.

Romo-Nava e sua equipe selecionaram 200 participantes para testar a nova técnica. “Ainda é cedo e precisamos realizar muito mais pesquisas, mas esses podem ser os passos iniciais para desenvolver um melhor tratamento para certos pacientes com depressão, evitando os efeitos colaterais dos medicamentos e melhorando a qualidade de vida geral”, diz o cientista.


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(foto: PIXABAY)

Aplicativo da USP reduz sintomas pela metade


O uso de um aplicativo contribui para a redução de sintomas de depressão leve em indivíduos que também sofrem com doenças crônicas, como depressão e diabetes. Chamada Conemo, a solução foi criada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com cientistas ingleses, americanos e peruanos. A tecnologia foi desenvolvida com base em uma técnica da terapia cognitivo-comportamental e induz o paciente a realizar atividades prazerosas.

Para o estudo, foram selecionados 880 brasileiros com depressão e alguma doença crônica, um perfil escolhido pelo fato de essas enfermidades aumentarem o risco de desenvolvimento de sintomas depressivos. Metade dos analisados recebeu o tratamento de rotina (terapia e medicamentos). A outra parte incluiu o uso do aplicativo aos cuidados tradicionais. O experimento durou seis semanas.

O aplicativo continha explicações sobre depressão e convidava os usuários a realizarem atividades como ouvir música e ligar para um conhecido. Ao fim do experimento, observou-se que o uso da tecnologia reduziu em 50% os sintomas depressivos.

“Analisamos dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 e vimos que em torno de 8% dos brasileiros adultos apresentavam sintomas de depressão que mereciam algum tipo de cuidado, mas somente um em cada cinco estava recebendo atenção de saúde e, principalmente, medicação”, afirma, ao Jornal da USP, Paulo Rossi Menezes, professor de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da USP e um dos responsáveis pela pesquisa. Os resultados foram publicados na revista especializada Jama.

“Mais comum do mundo”


A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que, até 2030, a depressão será “a doença mais comum do mundo”. Um levantamento da agência das Nações Unidas, divulgado em 2018, indica que a quantidade de casos de depressão cresceu 18% em 10 anos. O Brasil é campeão de casos da enfermidade, com 6% da população diagnosticada com o transtorno comportamental, um total de 11,5 milhões de pessoas, também de acordo com o órgão. Desses, de 10% a 30% não respondem aos tratamentos tradicionais.


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