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Estado de Minas

Ações para combater identidades virais

Pesquisa norueguesa elenca comportamentos que emergiram na sociedade ao longo da pandemia de COVID


26/02/2021 04:00


 
Paloma Oliveto

Alguns negaram a gravidade. Outros foram à janela aplaudir os profissionais de saúde. Muitos se ofereceram para fazer compras para os mais velhos. E teve quem se aproveitasse da situação vendendo produtos, como kits de vitaminas, que supostamente protegeriam contra o inimigo comum da sociedade atualmente: o Sars-CoV-2. Especialmente no início da pandemia, uma série de comportamentos pareceram emergir. Um ano depois, uma pesquisa da Universidade de Bergen, na Noruega, identificou e listou personalidades associadas, segundo a autora, diretamente à crise da COVID-19.

Mimi E. Lam, que publicou o artigo na revista Humanities and Social Sciences Communications, do grupo Nature, afirma que a identificação das personalidades emergentes é necessária para nortear políticas públicas capazes de intervir sobre os efeitos de comportamentos prejudiciais, como o dos negacionistas. Ou dos que passaram a culpar os chineses pela pandemia. De acordo com a pesquisadora, sob a justificativa da COVID-19, traços latentes, como xenofobia, racismo e intolerância, foram colocados para fora.

“Em sociedades pluralistas, as respostas comportamentais individuais variam de acordo com os valores pessoais, contextos situacionais e identidades dos grupos, podendo afetar o cumprimento das políticas e a transmissão viral”, diz. Uma das personalidades listadas por ela, por exemplo, é a dos “invencíveis”, que, por se acharem imunes a qualquer problema, desobedecem às normas de distanciamento e fazem festas, se aglomeram em bares, praias.

Ainda sobre os negacionistas, especialmente aqueles com poder de influenciar milhares de pessoas, acabam incentivando que seus apoiadores ignorem as medidas capazes de ajudar a frear a disseminação viral.

“Em abril de 2020, líderes mundiais clamaram para a população adotar medidas de distanciamento, de uso de máscaras e de isolamento. Em contraste, líderes populistas resistiram a essas medidas, como o presidente Jair Bolsonaro, que nega a COVID-19 como uma ‘histeria’ da mídia e exorta os brasileiros a voltar ao trabalho e às escolas contra as restrições impostas pelo Estado”, afirma Lam.

FUSÃO A psicóloga e pesquisadora ressalta que as identidades virais, como ela as chama, não surgem do nada, mas apenas foram reforçadas pela pandemia. Lam destaca que os comportamentos emergentes dos indivíduos se fundiram aos de grupos sociais e políticos.

Ela exemplifica com os Estados Unidos, onde governadores democratas insistiram nas medidas de isolamento, enquanto, no geral, os republicanos fizeram o oposto. “Os comportamentos de distanciamento social estão refletindo identidades virais politizadas e polarizadas.”

Por outro lado, a pesquisadora também identificou comportamentos positivos que se destacaram durante a pandemia, como o dos altruístas, que se prontificaram a ajudar os mais fragilizados, se oferecendo para fazer compras para pessoas do grupo de risco na fase mais estrita de distanciamento social. Outra personalidade destacada no estudo é a dos realistas, que mudaram de hábitos para se adaptar à nova realidade.

Foi o caso da psicóloga e perita Heloí Fernandes, de 27 anos. “Desde o início da pandemia eu tenho evitado sair o máximo possível. Tenho ido mais ao mercado e frequentado lugares ao ar livre, como parques e restaurantes abertos. Mesmo sendo mais complicado, adaptei meu trabalho de perícia para a pandemia também. Tenho evitado fazer atendimentos presenciais, quando é possível realizar parte do atendimento via videoconferência”, conta.

Apesar de reconhecer a dificuldade de se acostumar no início – especialmente por se manter afastada da sobrinha, então recém-nascida –, Heloí procurou tirar o melhor proveito possível da situação. “Voltei a fazer coisas que não fazia há tempos, como pintura, e aprendi a bordar. Tento ocupar meu tempo pra não ficar ocioso, porque um dos meus grandes problemas nesse isolamento é a sensação de que o tempo não passa”, diz.
 

Um medo altruísta

 
Um estudo da Universidade da Pensilvânia e do Hospital Pediátrico da Filadélfia identificou um padrão altruísta no temor que as pessoas têm da COVID-19. A pesquisa, realizada com 3.042 participantes dos Estados Unidos e de Israel, com idades entre 18 e 79 anos, descobriu que o que mais preocupava a maioria não era adoecer, mas que alguém da família fosse infectado, e também a possibilidade de transmitir o vírus sem saber.

Em abril, logo depois que as medidas de isolamento foram adotadas na maior parte do mundo, os pesquisadores lançaram uma pesquisa on-line no atcovid19resilience.org para estudar o estresse e a resiliência durante a pandemia. A pesquisa mediu seis fontes potenciais de estresse: contrair o vírus; morrer da COVID-19; estar no momento contaminado; ter um membro da família infectado; infectar outras pessoas sem saber; e enfrentar dificuldades financeiras significativas.

Entre os que participaram, o medo de os familiares contraírem o vírus (48,5%) e de eles próprios infectarem outras pessoas sem saber (36%) superou o sofrimento associado à própria contaminação pelo Sars-CoV-2 (19,9%). Os entrevistados com pontuações de resiliência mais altas apresentaram preocupações mais baixas relacionadas à COVID-19, assim como uma taxa reduzida de ansiedade (65%) e depressão (69%).

“Com base em nosso estudo, parece que as pessoas estão mais preocupadas com os outros do que com elas mesmas ao relatar suas preocupações, mas a resiliência ajuda a reduzir o estresse, bem como a ansiedade e a depressão”, diz Raquel Gur, MD, Ph.D., professora de psiquiatria da Universidade da Pensilvânia. (PO)
 
(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)
 

Três perguntas para...

Verônica Souza
psicóloga, pós-graduada em psicologia analítica junguiana e em avaliação psicológica
 
É normal que em situações extremas determinadas personalidades se evidenciem mais?
Percebo que as personalidades que mais se evidenciam são as que estão em sintonia com o espírito da época. Então, é normal, sim, algumas personalidades se evidenciarem em alguns períodos ou situações. As que mais se evidenciam são as que se encaixam nas projeções de desejos e vergonhas que todos nós carregamos e, em situações extremas, se corporificam em atitudes. O destaque de alguns tipos de personalidades são respostas aos anseios de um momento.

Geralmente, traços dessas personalidades podem ser identificados nas pessoas antes de situações como a pandemia atual? Elas já dão pistas de como podem se comportar nesse tipo de situação extrema?
Sim, quando nos dedicamos a estudar os traços de personalidade começamos a perceber que eles estão diluídos nas mais diversas áreas de nossas vidas e estão em construção e desenvolvimento desde a infância. Mas precisamos ter atenção para o perigo do determinismo de reduzir a experiência da vida, que é ampla e complexa, a uma rigidez de ser apenas um tipo de personalidade. A experiência da vida é sempre desafiadora e o ser humano é capaz de aprender novos conceitos e ampliar sua atuação. Por exemplo, um soldado pode adaptar seus traços para os esportes quando não estiver em campo de guerra. Ter um traço de personalidade não é uma sentença, a capacidade humana de ampliar e evoluir com as experiências é inesgotável. Assim, evitamos extremismos de estereótipos, preconceitos e discriminações. Assim, o soldado é livre a experimentar e até se dar bem em outros papéis.

Do ponto de vista das políticas de saúde pública, como a identificação desses comportamentos pode ser útil?
É muito importante que as políticas de saúde pública saibam identificar e atualizar seus conhecimentos sobre os tipos de personalidades. O entendimento do público-alvo é importante para desenvolver estratégias eficientes e, principalmente, no processo de comunicação de tais estratégias. Um exemplo de aprendizado e evolução que as políticas de saúde no Brasil precisaram desenvolver foi o processo de enfrentamento e combate à Aids. O slogan Use camisinha foi usado por muito tempo, até que se desenvolveram estratégias de ação e comunicação para os diversos públicos que a doença alcançava. Homossexuais, heterossexuais, jovens, donas de casa casadas, meia-idade e até para o público depois dos 50 anos. Foi necessário ampliar as estratégias de diálogo, tornar o discurso mais íntimo para engajar o público-alvo. 


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