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Estado de Minas entrevista/Victor Hugo Lisboa Lopes Rodrigues - Fundador da clínica Cetus Oncologia

'O melhor tratamento é não adoecer'

Oncologista com experiência no atendimento à população carente cobra atenção a cuidados básicos, como saneamento e alimentação, para reduzir a incidência de doenças


16/02/2020 04:00

(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)

O médico oncologista Victor Hugo Lisboa Lopes Rodrigues é fundador da Clínica Cetus Oncologia, que nasceu há quase 14 anos com a essência de assistir a população que enfrenta os desafios do câncer. No momento inicial voltado para atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o trabalho partiu de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde o especialista observou uma carência nesse sentido. De lá pra cá, muitos obstáculos em atuar no sistema de saúde pública, principalmente diante da morosidade e da defasagem na tabela de remuneração. “Dois anos após inaugurar, finalmente iniciamos a assistência aos pacientes do SUS. O Cetus tem o objetivo de atender a 100% das pessoas que o procuram, sem discriminação, com soluções em oncologia”, afirma Victor Hugo, especializado em tumores sólidos, particularmente os primários, de próstata, mama, pulmão e do trato gastrointestinal. Preocupado com a ampliação do atendimento, ele criou a ONG Organização Regional de Combate ao Câncer (Orcca). “Muito além do lucro, o foco é na excelência do acolhimento e assistência a qualquer cidadão. Em vez de mirar a geração de procedimentos remunerados, a busca é pelo valor da qualidade do amparo, não por venda de processos. A preocupação não é em faturar, e sim resolver o problema do paciente, garantindo dignidade e conforto para ele e sua família. Quando se pensa que não há mais nada a fazer, é aí que tem muito a ser feito”, diz o médico, que expandiu a clínica para três unidades (Belo Horizonte, Contagem e Betim), incluindo um departamento de pesquisa, com operação também pela rede privada. A seguir, Victor Hugo fala sobre a experiência com o setor público de saúde, cuidados paliativos e as perspectivas para a cura do câncer.

Quais os desafios em prestar assistência na área da oncologia pelo sistema de saúde pública?
O Sistema Único de Saúde no Brasil é um dos sistemas de saúde que foi melhor construído no mundo. O problema maior é o financiamento. O custo sobe assustadoramente com o investimento de nossas tecnologias e o orçamento da União só diminui. Existe também uma enorme dificuldade de gestão. Precisamos melhorar o acesso às nossas drogas, que chegam com preços impeditivos.

Há algum caminho para prestar uma atenção de qualidade à população?
Atenção básica e acesso são fundamentais. O melhor tratamento é não adoecer. Educação, saneamento básico, alimentação saudável e um bom estilo de vida certamente mitigarão uma enorme fatia dos problemas atuais. Depois precisamos rediscutir o financiamento do SUS.

Nesse cenário de atendimento à população carente, como é a atuação da ONG?
Há 15 anos, sabendo que os pacientes precisariam muito mais que apenas o tratamento em si, fundamos a Organização Regional de Combate ao Câncer (Orcca) com o propósito de ser porta-voz dos familiares e pacientes com câncer. A Orcca atua hoje com suporte às famílias e pacientes, fornece medicamentos orais, para vômitos, suplementos alimentares, fraldas geriátricas, atendimento odontológico, psicológico e nutricional, além da assistência judicial. Em um ambiente filantrópico com isenção tributária, ainda é possível fechar a conta. A filantropia também conta com verbas não operacionais, como doações e emendas parlamentares.

O que está em voga nas pautas de discussão sobre o câncer?
Sustentabilidade. As novas tecnologias, como a imunoterapia, chegaram com o custo impeditivo. Não há dinheiro no sistema, nem aqui e em lugar nenhum do planeta. O modelo de remuneração baseado em serviço também precisa ser mudado. Estamos discutindo a melhor forma de remunerar valor, desfecho. Esse é o grande desafio atual.

E em relação às pesquisas? Como está o desenvolvimento de estudos no Brasil e no mundo?
O Brasil investe pouco em pesquisa. Precisamos virar esse jogo. No mundo, a velocidade das descobertas de novas drogas é maior que a velocidade da incorporação dessas drogas no sistema. Isso também é um problema.

Então, qual posição o país ocupa hoje em termos de novidades no tratamento?
O Brasil não perde para nenhum país. Estamos bem posicionados no que precisamos oferecer. As nossas tecnologias estão em todas as áreas: cirurgia robótica, equipamentos de radioterapia com mínimos danos em tecido normal e a imunoterapia, drogas que ensinam o corpo do paciente a reconhecer e destruir o câncer.

É possível apontar o que de melhor aconteceu nos últimos anos na oncologia no Brasil?
A descentralização da assistência das capitais para regiões de saúde. É impossível viver bem viajando para ser tratado. Centros de tratamento em cidades-polo são uma realidade a ser ampliada.

Isso reduzirá a carência na assistência em oncologia?
O ponto em que o Brasil é mais carente é o acesso. A maior parte da população está distante dos grandes centros de oncologia e todo tratamento de câncer demanda infraestrutura, hospitais e clínicas bem-equipados.

Em relação a pacientes considerados terminais, sabe-se que é possível cuidar e dar amor para aliviar a dor de alguém nos seus últimos dias de vida, o chamado tratamento paliativo. Como o senhor avalia essa conduta?
Medicina paliativa é uma especialidade nossa. O tratamento paliativo é necessário em todo o percurso do paciente pelo tratamento. Esse olhar do cuidado holístico é o foco. Não só em pacientes terminais, mas principalmente neles. O cuidado fragmentado gera no paciente um cuidado multidisciplinar, por vezes no domicílio, e faz toda a diferença. Compaixão, carinho, amor ao próximo, empatia. Fazer para o próximo o que ele precisa. Perceber um sorriso, ganhar um abraço, um “obrigado, doutor”: isso não tem preço.

Existe um cenário promissor no caminho para a cura do câncer?
Sim, só não é um único caminho. O câncer é uma variedade de doenças. A imunoterapia e um melhor conhecimento genético dos tumores não levam a mais cura, melhores paliações. Mas não podemos nos esquecer: o melhor é prevenir. Não fumar, moderar no consumo do álcool, alimentação saudável e atividade física.

Podemos dizer que o brasileiro está mais atento quanto à prevenção?
O estigma e o medo no passado eram maiores. A revolução 4.0 tem trazido à população mais informação. Sim, o brasileiro está mais atento e estamos diagnosticando mais precocemente e curando mais. Mas precisamos ter mais acesso. Precisamos investir mais em educação para colher frutos na saúde.

Há solução para superar os estigmas?
Com a melhora dos tratamentos, as doenças oncológicas que não são curadas estão se comportando como doenças crônicas. É consenso dizer que a cada dia mais será possível viver com câncer, e viver bem. Precisamos parar de vincular o câncer à morte.



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