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Relação ancestral

A comida afeta o emocional de diversas formas, para o bem e para o mal. É possível comer e se sentir culpado, como também (re)viver momentos felizes, de prazer, uma experiência inesquecível


postado em 16/06/2019 04:04

De preferência, o comfort food não precisaria ser nomeado nem criado como uma peça de mercado, mas algo que faz parte do convívio social e familiar, que nos leva à cozinha, traz boas lembranças e promove bons encontros(foto: Euler Júnior/EM/D.A Press %u2013 21/3/16 )
De preferência, o comfort food não precisaria ser nomeado nem criado como uma peça de mercado, mas algo que faz parte do convívio social e familiar, que nos leva à cozinha, traz boas lembranças e promove bons encontros (foto: Euler Júnior/EM/D.A Press %u2013 21/3/16 )

 

 




Qual a importância em ter uma boa relação com a comida? O psiquiatra Adriano Simões Coelho afirma que é fundamental porque ela é ancestral, uma relação da qual não podemos fugir e que a cada dia está mais cercada de mitos e medos. “Durante séculos, a humanidade começava o dia pensando o que conseguiria para comer e se teria comida disponível. Hoje, boa parte da população mundial acorda pensando no que deve evitar comer ou o que supõe que não deveria comer. Em determinada fase, principalmente em famílias que tinham disponibilidade de alimentos e viviam ao redor de um núcleo familiar, reuniam-se ao redor da mesa para compartilhar suas vidas, o cotidiano e outras questões. Os alimentos faziam parte daquele processo de comunhão, o tempo que as pessoas usavam para se nutrir era também o tempo em que a família se reunia.”

Isso ocorreu em grande parte do século 20 e mais significativamente a partir dos anos 50, principalmente, nas famílias mais abastadas dos grandes centros, com o uso de produtos mais frescos, encontrados nas feiras e menos industrializados. No entanto, explica Adriano Simões Coelho, nessa mesma época verifica-se uma grande evolução na tecnologia alimentar e aumento progressivo na disponibilidade de alimentos, cada vez mais processados e ultraprocessados. Ocorre também uma demonização do uso da gordura animal e o aumento da disponibilidade de alimentos ricos em açúcares e carboidratos em geral. Nos anos posteriores, percebe-se uma explosão de obesidade pelo mundo, tornando-se um problema de saúde pública mais sério do que a subnutrição e a desnutrição, essas mais relegadas a países e regiões com grandes níveis de pobreza e crises políticas e econômicas graves.

Sem falar, destaca o psiquiatra, da aceleração da urbanização surgindo uma vida mais caótica e mudanças nos processos de trabalho. “Surge então uma nova relação com o alimento, muito menos orgânica e natural. Agora, é preciso se preocupar com o que se come, como se come, quanto se come. De uma relação natural com o hábito de se alimentar passa-se a viver uma relação artificial. O alimento é visto como ameaça e como um risco à saúde. As dietas e seus modismos tornam-se cada vez mais frequentes e, paradoxalmente, quanto mais a população se preocupa com o que come e como come, mais aumenta a incidência de transtornos alimentares e obesidade.”

O alerta de Adriano Simões Coelho é para quando essa relação se torna preocupante e até mesmo uma doença. Isso ocorre “quando passamos a não comer com naturalidade, quando o alimento deixa de ser fonte de prazer e torna-se uma ameaça, no momento em que a pessoa passa a comer não porque está com fome, mas quando a comida serve para aliviar a raiva, frustrações ou trazer conforto para angústia e tristeza. Tudo isso são sinais de alerta”. Para ele, na hora em que se pensa em uma primeira dieta há uma boa chance de que isso se torne um mau hábito para toda a vida. “Comer depressa, não saborear o alimento, não prestar atenção ao que se come, sentir-se mal após comer, classificar e estar sempre preocupado com o que se come podem ser avisos de que algo não vai bem.”

EMOCIONAL x MERECIMENTO

Adriano Simões Coelho afirma que a comida afeta o emocional das pessoas de diversas formas, para o bem e para o mal: “Podemos comer e nos sentir culpados, a comida pode nos remeter a momentos felizes e de conforto, pode ser só uma fonte momentânea de prazer, pode fazer parte de um momento cultural ou de uma grande experiência inesquecível. A verdade é que da comida não escapamos, sem ela não existimos e, por isso, temos que ter com ela a relação mais saudável e prazerosa possível”.

Na análise do psiquiatra, vale questionar por que o comfort food ganhou relevância nos dias de hoje: “Talvez o mais triste é ele ter tanta importância. O que demonstra certo distanciamento das origens e que, de certa forma, algo que poderia ser natural retorna muitas vezes para preencher vazios. E daí já se criam categorias que remetem ora a tempos bem vividos, que parecem falar de algo que já não se vive mais, ou que é preciso uma certa mudança de rota, de hábitos e até da promoção de facilidades, em busca de um suposto prazer e conforto, um merecimento”.

Na concepção de Adriano Simões Coelho, quando se fala em comfort food, relaciona-se com comida nostálgica, em que há um desejo de manter identidade e vínculos com aquele alimento de sua origem. As comidas de indulgência remetem a algo que conforta e que significa um certo “pé na jaca”, no qual o prazer é o objetivo principal. As comidas de conveniência facilitam a vida pelo seu preparo e obtenção fáceis, e as comidas que causam conforto físico, que a sua composição traz sensações prazerosas e de bem-estar. No final, todos esses parâmetros se misturam e fica difícil fazer uma identificação clara entre eles. Para o psiquiatra, se o comfort food vem para ocupar o espaço de emoções negativas pode ser um sinal não favorável, mas se é usado para remeter a momentos de prazer, para trazer boas lembranças, aconchego, encontros e inserida em contextos sociais positivos tem uma grande possibilidade de ser algo bom e recomendável. “De preferência, o comfort food não precisaria ser nomeado nem criado como uma peça de mercado, mas algo que faz parte do convívio social e familiar, que nos leva à cozinha, traz boas lembranças e promove bons encontros.”

Conforme Adriano Simões, de tanta regra, o prazer de comer tem ficado em segundo plano para milhares de pessoas: “E algumas apresentações desses padrões alimentares remetem a uma certa contemporaneidade do transtorno obsessivo-compulsivo, em que a saúde excessiva e a beleza passam a ser doença. A preocupação patológica com o corpo e com a imagem, a obsessão com alimentos saudáveis, só que em sua maioria sem embasamento algum e muitas vezes orientado por profissionais pouco habilitados ou que atuam de maneira pouco ética. Atitudes que, quando se tornam uma preocupação excessiva, são sinais sugestivos de transtornos psíquicos”.

LUGAR DE AFETO 


Para Adriano Simões, entre vários outros problemas, um país e um mundo em que o culto à imagem tomou dimensões patológicas fica cada vez mais difícil perceber equilíbrio e parâmetros saudáveis nos hábitos alimentares e nas preocupações estéticas de parte da população que tem esses valores como parte intrínseca de suas vidas. “Na maioria dos casos, percebem-se exageros, crenças infundadas e equívocos na procura por padrões, em sua maioria, inatingíveis. Em muitos casos com danos significativos para saúde física e mental.”

O alerta de Adriano Simões é que as pessoas precisam usar mais o cérebro para se alimentar melhor. Investir na chamada comida de raiz, aquela que é encontrada na feira: frutas, verduras, vegetais, proteína animal, arroz, feijão, ovos, lácteos etc. “Evitem alimentos muito processados. E não é conveniente posições rígidas, evitar algo pouco saudável, mas que se deseja, não significa não poder comer. Na verdade, a restrição costuma ser o primeiro passo para o desequilíbrio. O equilíbrio no hábito alimentar é o melhor caminho. Mas é preciso saber que, quando o perdemos, o caminho para reencontrá-lo e árduo e frequentemente malsucedido. Por isso, é preciso desde cedo cuidar da alimentação, nunca com uma abordagem excessivamente neurótica e restritiva. A comida jamais deve ser uma ameaça, mas um lugar de afeto, encontro, prazer e equilíbrio.”






 


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