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Estado de Minas FEMINISMO: O QUE MUDOU?

Movimento que busca emancipação feminina e igualdade de gênero avança no mundo

Mas assunto ainda é tabu para muitos. Mulheres falam sobre os antigos e os novos desafios


postado em 20/05/2019 11:20 / atualizado em 20/05/2019 11:26

Cofundadora e gestora cultural do Bloco Afro Angola Janga, Nayara Garófalo diz que sempre procurou trabalhar pelo coletivo, em parceria com outros projetos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Cofundadora e gestora cultural do Bloco Afro Angola Janga, Nayara Garófalo diz que sempre procurou trabalhar pelo coletivo, em parceria com outros projetos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Da simbólica queima de sutiãs nos Estados Unidos de 1968 pra cá, a luta das mulheres por igualidade de gênero ganhou novos contornos. No Ocidente, conquistas que já incluem o direito ao voto, o acesso às universidades e ao mercado de trabalho, entre outras reivindicações históricas, abriram as portas para demandas também atuais e importantes, a exemplo de campanhas que pregam a liberdade sexual e a máxima: meu corpo, minhas regras.

No entanto, ainda há muito a ser feito. Em pleno século 21, muitos confundem o feminismo com estereótipos de comportamento que nada têm a ver com a realidade. Os índices de violência contra a mulher (incluindo o feminicídio) permanecem alarmantes. Na política e nos cargos de chefia de empresas elas ainda são minoria e, quando chegam lá, têm menores salários e, muitas vezes, sofrem preconceito.

Boa notícia é que, a despeito das dificuldades, o movimento feminista está se espalhando como nunca, em pequenos e em grandes feitos. Disseminado aqui e acolá em redes, no cotidiano e em espaços públicos e privados, vem ultrapassando barreiras. E já perpassa cada vez mais campos da existência: relações interpessoais, de trabalho, domésticas, políticas e afins. Mesmo entre não militantes, afeta o comportamento de homens e mulheres, numa agenda cada vez mais ampliada, urgente, viva.

Convidamos feministas de diversas áreas de conhecimento e atuação e com diferentes histórias de vida para falar sobre o tema. Mulheres como a professora e pesquisadora Marlise Matos, que explica a quarta onda do movimento no Brasil e na América Latina. A ativista cultural Nayara Garófalo, do feminismo negro – vertente que evidencia que as demandas também são diversificadas. A psicóloga e psicanalista Maíra Marcondes Moreira, autora de livro temático. A comunicadora e musicista Nara Torres, cofundadora do grupo Sagrada Profana, fanfarra que defende a presença feminina nos grupos de percussão. Líliam Telles e Thayane Meireles, dupla que criou a Libertária, cervejaria feminista cujo slogan pretende mostrar ao mundo que a mulher pode ser e estar onde quiser, mesmo em ambientes até há pouco de maioria masculina. Em comum, ideais que têm a ver com a construção, evolução e qualidade de vida de toda a sociedade.

Processo em construção
Pesquisas em países da América Latina indicam que estamos na quarta onda do feminismo, num movimento que se multiplica de forma difusa em diferentes direções

"Hoje, o feminismo vai muito além desse movimento organizado da sociedade civil. Vivemos o que os pesquisadores descrevem como a quarta onda do feminismo" - Marlise Matos, professora da UFMG (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press )

Com a revolução tecnológica que dá voz a grupos diversos nas redes sociais, o tema feminismo e sua repercussão no cotidiano tem chamado cada vez mais a atenção. Seja em campanhas empreendidas com hashtags como #chega de fiu-fiu; #meu primeiro assédio ou #não é não, seja no comportamento de mulheres que repercutem a atual demanda, a questão se faz mais e mais presente. E urgente.

Quem explica o atual momento do feminismo e de que forma o debate tem se tornado transversal no Brasil e em países da América Latina é Marlise Matos, professora do Departamento de Ciência Política e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa da Mulher e do Centro Feminista de Gênero, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Envolvida com o tema desde a graduação em psicologia, em 1989, também eleito para as pesquisas do mestrado em teoria psicanalítica e do doutorado em sociologia, ela se caracteriza como uma feminista acadêmica.

Na definição clássica, Marlise explica o feminismo como um movimento social. “Emancipatório, de luta pela igualdade de condições, igualdade de direitos e de oportunidades entre homens e mulheres. Evidentemente, é isso.” Porém, neste século 21 e depois de 25 anos de pesquisas em torno do tema, diz tratar-se de um cenário mais e mais ampliado. “Hoje, o feminismo vai muito além desse movimento organizado da sociedade civil. Vivemos o que pesquisadores descrevem como a quarta onda do feminismo.”

Com base em estudos realizados no Brasil e outros 18 países da América Latina, a professora aponta que a quarta onda do feminismo é assim nomeada por abranger dois grandes movimentos surgidos recentemente. Ela lembra os movimentos anteriores: iniciados durante a redemocratização do Brasil e com o surgimento das organizações não governamentais (ONGs), a partir da década de 1990.

Depois, surgiram outros dois. “O primeiro tenho chamado de fluxos horizontais do feminismo, que hoje é um rizoma, tem o formato de uma rede. Você pode olhar para qualquer movimento e verá uma ramificação feminista.” Ela cita movimentos sindicais, negros, estudantis, LGBT+ e outros, para exemplificar. “É um ativismo potencialmente seccional, e um feminismo que se espalhou, contagiando todos os outros movimentos de uma maneira mais horizontalizada.”

O segundo, ela chama de fluxos verticais: “as feministas foram também para dentro das instituições políticas e isso justifica o feminismo hoje estar além de um movimento social. As mulheres entraram para o Estado quando começaram a integrar coordenadorias, secretarias, conselhos. Finalmente, surgiram uma secretaria de mulheres e um plano nacional de políticas públicas para mulheres. É por isso que eu e a professora Sônia Alvarez, especialista nos feminismos latino-americanos, temos designado o feminismo atualmente como um campo de luta e de enfrentamentos que é muito mais plural do que só a mobilização exclusiva dentro da sociedade civil”.

MÚLTIPLAS AGENDAS


Também para além do meio acadêmico, o tema borbulha. E se mostra repleto de agendas. Ativista cultural, cofundadora e gestora cultural do Bloco Afro Angola Janga, Nayara Garófalo representa o feminismo negro. Ela aponta uma série de dificuldades que colocam as mulheres negras na berlinda social. E afirma que, desde a chegada à faculdade, sentiu na pele a demanda de seus pares. “Percebi a falta. A falta de outras mulheres negras. A falta de pesquisadoras. A falta de pontos de vistas femininos. A ausência dessas vozes. E essa ausência me motivou a procurar algum conhecimento que preenchesse esses vazios. Foi assim, lentamente e por conta própria, que passei a conhecer os feminismos, os teóricos e teóricas negras, entre outras correntes de pensamento e outros movimentos sociais.”

Numa trajetória repleta de ações, Nayara fundou o Bloco Afro Angola Janga ao lado de Lucas Nascimento. A ideia, conta, é acessar a cultura como uma ferramenta importante de mudança social e política pública, alinhada a toda a sociedade e a movimentos que tragam ações positivas. “Sempre procurei trabalhar pelo coletivo, em parceria com outros projetos. O Angola Janga é um bloco afro, com lideranças femininas e com a maioria dos integrantes sendo mulheres. Falar da mulher negra é natural para nós, visto que estamos lá, nos lugares de fala e de decisão, pautando nossas questões e conduzindo o desenvolvimento do projeto.”

Um dos ideais do grupo, destaca, é reforçar e valorizar a identidade da mulher negra. E explica: “uma pessoa branca dificilmente se vê como uma pessoa branca. Ela se vê como uma pessoa. Já os negros são constantemente lembrados dessa alteridade. Até nos ‘elogios’: ‘Você é uma mulher negra linda’, somos colocados neste papel do ‘outro’. Mas e quando o outro é você?”.

Outras questões são abordadas pela ativista. “É preciso entender, conhecer e construir essa identidade diariamente, em um mundo que nos coloca, por meio da mídia e das ideologias, sempre nos mesmos papéis: a mulata do carnaval, a empregada doméstica, a favelada, a barraqueira, a subserviente, a subalterna, a mãe preta, entre outros.”

Assim, ela defende a cultura como meio de construção identitária. “Nesse sentido, o bloco tem o papel de compartilhar para a apropriação de pessoas negras à sua própria cultura e, consequentemente, estabelecer sua identidade. Uma vez sabendo quem eu sou e como me insiro no mundo, posso, finalmente, entender como este mundo opera em relação a mim e como posso lutar em busca de condições melhores para todas as mulheres, sem distinção, mas considerando sempre suas especificidades.”

(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Três perguntas para...

Cláudia Natividade, psicóloga e professora de psicologia da Faculdade Arnaldo


1) De que forma a agenda feminista afeta o cotidiano?

Quando falamos de feminismo, muitos pensam em uma série de estereótipos e preconceitos, carregados de imagens negativas: taxam a mulher de raivosa, de não se depilar, de ser mal-amada ou lésbica. Também mistificam, acreditando que a feminista é a mulher que quer ser superior ao homem. No entanto, o feminismo é um movimento social, uma construção científica que estuda o sentido e as formas de equidade e se contrapõe ao sistema de desigulade entre os gêneros. Na prática, viemos notando que, hoje, o partilhamento das tarefas domésticas e o cuidado com as crianças é um palco de disputas em que o homens têm se envolvido mais do que em um passado recente. Mas, ainda persistem muito desafios e um deles é justamente a maternidade compulsória, pois mulheres sempre são cobradas de serem mães, enquanto que, em uma realidade cada vez mais frequente, elas querem inclusive optar por não ser. Quando se colocam nesse lugar de escolha, muitas vezes são malvistas. Até por outras mulheres. Há, ainda, um núcleo duro das relações de gênero, em que a violência persiste, como prova o número de feminicídios de que temos notícia. Então, nosso cotidiano demonstra que já trabalhamos para reorganizar as relações, mas ainda há muito a ser trabalhado. Em relação aos homens, deixar o lugar de privilégio não é tarefa fácil, exige um trabalho de desconstrução muito profundo. Mas muitos deles também estão nesse caminho.

2) O que considera pontos positivos nesse movimento feminista?


Novas relações estão marcadas pelas lutas feministas de forma muito gerenciada. Vou fazer 52 anos, e, na minha geração, a gente precisava de que uma outra mulher se aproximasse para conversar sobre pautas do feminismo. Hoje, as meninas de 12/13 anos já têm acesso a essas questões, de forma muito aberta e veloz. Há a quarta onda do feminismo e esse debate tem se espalhado e recebido adesão e entendimento na construção da subjetividade pautada na perspectiva da autonomia, da escolha, reconhecimento, autoestima.

3) Quais são as demandas ainda não contempladas e em que já evoluímos?

Entendo que a luta das mulheres é muito antiga. Elas tiveram e ainda têm que falar muitas vezes, explicar as demandas muitas vezes. Então, ainda é uma luta. Além da violência física, há a psicológica, muitas vezes disseminada em entrelinhas. No entanto, até a própria colocação do corpo no mundo é um tema que as mulheres têm tomado como pauta. Vamos ver nas redes sociais mulheres gordas falando sobre o corpo, ou mais velhas, e não apenas jovens, magras, brancas. Esse movimento de desconstrução e inclusão das possibilidades de ser mulher e se realizar enquanto tal é uma conquista. Hoje, as pautas feministas surgem com potência muito mais cativadora do que antes, o que deve ser comemorado. E indicar que o caminho para a igualdade entre os gêneros não fique restrita ao debate nem só a cargo e sob responsabilidade de um ou outro segmento, mas de toda a sociedade: de mulheres e homens, pais, parentes, amigos, para que todos ocupem esse lugar de diversidade e pluralidade, num processo de desconstrução de mitos e tabus.

Palavra de especialista

Nayara Garófalo, ativisita social

Conduzir a própria vida

“O feminismo está na luta diária do enfrentamento da roupa que você revê ao sair de casa porque vai estar sozinha, no medo de voltar pra casa a pé, no colega de trabalho que pega suas ideias e vende como se fossem dele, nas piadinhas que desvalorizam, na violência doméstica, no acesso das mulheres a cargos políticos, no feminicídio, no salário baixo, no acesso à educação, nas políticas públicas, nas oportunidades de carreira, no direito de ser mãe, no direito de não ser, no direito de ser dona de casa se você quiser e no direito de não ser. Os feminismos, nas suas várias vertentes, têm em comum a luta para que uma mulher tenha o direito de conduzir sua vida e sua trajetória como ela escolher, sem que isso seja interrompido ou gerenciado por ninguém ou por nada, seja salário menor, seja dependência financeira, seja violência, seja falta de acesso, seja marido, filhos etc.”

Meu corpo, minhas regras
Novas gerações defendem a mulher como protagonista da própria história, derrubam estereótipos e preconceitos e se lançam na defesa de ser e de estar onde quiserem


Uma das fundadoras da fanfarra Sagrada Profana, Nara Torres, de 34 anos, defende o empoderamento feminino(foto: Lorena Zchaber/Divulgação)
Uma das fundadoras da fanfarra Sagrada Profana, Nara Torres, de 34 anos, defende o empoderamento feminino (foto: Lorena Zchaber/Divulgação)

Natural de Itajubá, Sudoeste de Minas, Nara Torres, de 34 anos, é um exemplo de como a nova geração de mulheres tem experenciado o feminismo e se engajado na demanda do século 21. Ela é uma das fundadoras da fanfarra Sagrada Profana, grupo de percussão que conta com cerca de 200 integrantes e desfila no carnaval de rua de BH, convidando as participantes a exercer a total liberdade de expressão, o empoderamento. Não por acaso, muitas delas se sentem à vontade para desnudar os seios, derrubando estereótipos sobre a sexualidade e também padrões de beleza impostos pela sociedade patriarcal.

“Um dos lemas do feminismo é ‘meu corpo, minhas regras’. Penso que cada pessoa pode e deve se vestir ou se despir como bem entender, e uma mulher que está mostrando partes do seu corpo deve ser respeitada, pois isso não significa um convite. Por que os homens podem e nós não podemos? Onde está a maldade, onde está a malícia, senão no olhar de quem vê? Além disso, questionamos muito os padrões de corpos impostos pela indústria da mídia, que tanto sofrimento geram. Assim, cada participante do bloco tem a liberdade de questionar alguns paradigmas da sociedade como bem entender”, justifica.

Residente em BH desde os 18 anos, quando chegou a fim de cursar a faculdade de comunicação social, Nara conceitua o feminismo como busca individual e coletiva pela igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. Acredita que o tema exige um trabalho de reverter um processo histórico que subestima as potencialidades das mulheres e as coloca culturalmente em posição de inferioridade e submissão. E demanda um processo de clareza e emancipação que propõe enxergar que as mulheres são aptas e capazes de ter uma vida livre e plena em todos os aspectos da existência.

PRIMAVERA FEMINISTA


Ela conta que, desde 2015/2016, quando as hashtags #meuamigosecreto e #meuprimeiroassedio foram usadas na rede social Facebook, despertou-se definitivamente para a causa e passou a aplicá-las na própria vida, especialmente nos campos do trabalho e do amor. “Percebi que nunca tive medo de estar, conviver, trabalhar e falar de igual para igual com os homens. E que poderia contribuir com a sociedade trazendo as ideias feministas para o campo artístico.”

Uma das iniciativas foi justamente fundar a fanfarra. “Já participei de vários grupos e percebia que a presença feminina ainda é muito menor do que a presença masculina na cena, além de restrita a alguns papéis específicos de atuação. Sob efeito da chamada ‘primavera feminista’, senti que eu poderia contribuir na prática. A primeira ação foi abrir uma oficina de percussão voltada para mulheres iniciantes, com o intuito de desmistificar o fazer musical e trazer mensagens de empoderamento para mulheres que tinham o desejo de tocar, mas não se sentiam aptas e/ou acolhidas. Hoje, temos várias vertentes da Sagrada Profana: oficinas de percussão, sopros e dança, um bloco de carnaval, uma banda, uma festa, um projeto de debates e uma rede que envolve diretamente cerca de 200 mulheres.”

Nara conta com a ajuda de outras mulheres na condução das ações da fanfarra, em especial de Natália Coimbra (arranjadora e trombonista) e de Ana Cecília Assis (produtora), e conta que as bandeiras do grupo são o amor e a arte. “Interessa a possibilidade de fazermos uma revolução amorosa e poética, do respeito a todas as mulheres do mundo, do empoderamento feminino, do acolhimento às mulheres que sofrem abusos de todos os tipos. Da troca verdadeira entre as mulheres, da sororidade, do apoio mútuo, da não competição, da conquista de melhores condições de trabalho, da liberdade e da diversidade.”

Quanto ao papel do homem nesse processo, Nara destaca: “O papel masculino é apoiar o movimento e trazer para a prática cotidiana as ideias que o feminismo inspira. Apoiar as mulheres da sua vida. Não agir como se a mãe, a irmã, a companheira, a colega de trabalho fossem suas funcionárias. Dividir de fato tarefas domésticas, os cuidados com filhos. Conversar de igual para igual com as mulheres no trabalho. O homem contemporâneo (e a mulher também) está sendo convidado (para não dizer obrigado) a desconstruir uma série de comportamentos e crenças que a nossa sociedade - tão machista - nos ensina. Esse processo é custoso e doloroso, mas com abertura e diálogo podemos avançar como sociedade”.

CERVEJARIA

A engenheira florestal Líliam Telles e a fisioterapeuta Thayane Meireles viram na produção de cerveja artesanal a oportunidade de desconstruir o machismo no meio cervejeiro(foto: Camila Alvarenga/Divulgação)
A engenheira florestal Líliam Telles e a fisioterapeuta Thayane Meireles viram na produção de cerveja artesanal a oportunidade de desconstruir o machismo no meio cervejeiro (foto: Camila Alvarenga/Divulgação)

Até mesmo em ações de negócios há espaço para defender e divulgar a agenda feminista, o que comprova que o movimento caminha e se espalha mesmo em redes e diferentes conexões. Exemplo é a dupla Liliam Telles, engenheira florestal, e Thayane Meireles, fisioterapeuta, criadoras da marca de cerveja artesanal Libertária. Residentes em Lavras e militantes, as duas viram no negócio a oportunidade de desconstruir o machismo que prevalece também no meio cervejeiro, expresso nas propagandas e estratégias de marketing que utilizam o corpo das mulheres para vender cerveja”, dizem, em coro.

Com a Libertária, elas querem, sim, gerar renda. Mas também difundir um propósito de vida: “Questionamos os padrões sociais que impõem um papel à mulher na sociedade, vinculado à ideia de dependência em relação ao homem, de fragilidade, docilidade e subordinação. Afirmamos que somos diversas e produzimos uma cerveja que considera a experiência feminina com os diferentes sabores, e desmistifica o estereótipo de que mulher é frágil e gosta de cerveja leve”, declara Liliam.

“Esperamos que a Libertária seja uma forma irreverente de chamar a atenção das mulheres para a necessidade de construirmos nossa autonomia, de nos fortalecermos para inspirar um mundo baseado nos princípios da igualdade, da justiça e da solidariedade”, completa a sócia, Thayane.

Sugestões de leitura que tratam sobre o tema

- O feminismo é feminino? A inexistência da Mulher e a subversão da identidade
Maíra Marcondes Moreira
(Annablume Editora)

- Feminismo em comum, para todas, todes e todos
Márcia Tiburi
(Editora Rosa dos Tempos)

- O segundo sexo
Simone de Beauvoir
(Editora Nova Fronteira)

- História da Sexualidade
Michel Foucault

- Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade
Judith Butler

(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Entrevista

Maíra Marcondes Moreira - psicóloga/psicanalista e mestre em psicologia pela UFMG


Autora do livro O feminismo é feminino? A inexistência da mulher e a subversão da identidade (AnnaBlume Editora, 204 páginas), Maíra Marcondes Moreira, psicóloga/psicanalista e mestre em psicologia pela UFMG, explica que a obra propõe um diálogo entre a psicanálise, os estudos feministas e a teoria queer. “Acredito que este livro possa ser interessante para a academia e militância feminista queer e para os interessados em formas contemporâneas de fazer política.” Confira, a seguir, o que ela pensa sobre alguns aspectos do feminismo contemporâneo.


Como você define o feminismo?

No meu livro, defino feminismo em termos gerais como a luta pela igualdade de gênero e contra a opressão às mulheres. O feminismo é tanto um movimento político quanto um campo teórico que visa possibilidades de existência menos violentas para mulheres, para as minorias e para a sociedade como um todo. Ou seja, só existe enquanto prática coletiva que visa mudanças coletivas e que é contrário a todo tipo de dominação.

Quais são os principais símbolos e as principais vertentes hoje?

Temos diversas vertentes feministas. Atualmente, o feminismo negro, pós-colonial, interseccional, decolonial e queer podem ser considerados os de maior influência no contexto acadêmico, mesmo tendo surgido fora da academia. Mas há vertentes que ganharam maior espaço nas redes sociais, como o feminismo radical e o feminismo liberal. Bell Hooks, Angela Davis, Spyvak, Paul Beatriz Preciado e Judith Butler são alguns dos grandes nomes do feminismo contemporâneo.

Em que medida e em que pontos o feminismo está e se faz presente na vida da mulher contemporânea?

O feminismo não é um estilo de vida. Ainda assim, podemos dizer que todas as mulheres se beneficiam dele, mesmo as que se dizem antifeministas têm uma dívida com a luta de mulheres que as antecederam por essas terem conquistado o direito ao voto, ao divórcio, à universidade e ao espaço público. Acredito que muitas não se reconheçam como feministas devido a uma má compreensão de que o movimento “odeia homens”, que impõe novas regras e ideais para mulheres, “feminista não se depila”, e também pelos efeitos de apagamento das conquistas históricas das mulheres, posto que nos é ensinado que as mulheres “ganharam” alguns direitos porque seria interessante para o “mercado”.

Por fim, em que medida a agenda e o exemplo de feministas que fizeram história contribuíram e têm contribuído para uma realidade diferente?

Acredito que toda uma nova geração de mulheres irá crescer com conteúdos feministas mais acessíveis e terá um contato muito mais precoce com o feminismo e sua importância. No contexto escolar, por exemplo, se o país continuar a se desenvolver em moldes progressistas, será muito interessante o resgate histórico de mulheres e de ações de mulheres que impactaram sua época e, por consequência, a nossa. Há toda uma geração que já tem mais acesso a quem foram as grandes mulheres na história, na ciência, nas artes, na filosofia, nas revoluções e na política. Isso, certamente, cria novas possibilidades para o que se entende como feminino e sobre o lugar da mulher na sociedade.


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