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A reivindicação tem de ser de todos


postado em 14/04/2019 05:07

(foto: Arquivo Pessoal 7/5/18)
(foto: Arquivo Pessoal 7/5/18)

Meire Cavalcante, jornalista, mestre e doutoranda em educação, ex-consultora da Unesco e da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) na área de educação inclusiva, em conversa com o Bem Viver chama a atenção para um problema em que toda a sociedade deve se envolver. A responsabilidade é de todos. Confira os principais pontos:

Você acredita numa sala de aula inclusiva? Quais os benefícios?
Mais do que acreditar, entendo que devemos lutar para que todas as salas de aula sejam inclusivas. Inclusão escolar é uma questão objetiva, demarcada na esfera dos direitos humanos. Assim, não se trata de crença, mas de trabalhar para fazer valer um direito constitucional de todas as pessoas, com ou sem deficiência, em relação ao acesso à escola, à permanência com dignidade e, sobretudo, à aprendizagem, dentro das possibilidades de cada um. Quando a gente faz valer um direito a qualquer pessoa, o maior benefício é para a sociedade. Não se trata de uma ação que deva ou possa ser justificada com base em benefícios a este ou àquele grupo. É positivo para as crianças, jovens e adultos com deficiência? Óbvio, porque estão exercendo um direito. E para os demais, sem deficiência? Também, pois viver em uma sociedade que legitima a exclusão de um grupo de pessoas em razão de suas características é viver na barbárie.

E quais os grandes desafios?
Poderia listar muitos em relação à organização escolar, à concepção de escola, no geral, ao financiamento da educação pública. Mas o desafio central é modificar a concepção de deficiência que nossa sociedade tem. A deficiência, por muito tempo (e para muita gente, ainda hoje), foi associada à ideia de improdutividade, de limitação, de incapacidade. Era isso o que justificava a segregação de pessoas com deficiência em escolas e classes especiais ou em instituições, até o fim de sua vida. Conforme nosso entendimento sobre o conceito de deficiência avançou, finalmente entendemos o contexto da pessoa com deficiência como o principal foco de limitação para o exercício pleno de seus direitos. Passamos, então, a identificar as diversas barreiras existentes na sociedade (de natureza física, comunicacional, de informação, de transporte e atitudinal, entre outras). Assim, a pessoa passou a ser reconhecida, antes de qualquer coisa, por sua humanidade, e não por sua deficiência.

Enfim, passamos a não mais rotular e definir até aonde cada um pode ir, ou o que pode fazer de sua vida, com base na deficiência?
Sim. Essa concepção foi trazida pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, publicada pela ONU em 2006, incorporada à nossa Constituição Federal, em 2009, por meio de uma emenda constitucional. A partir dessa concepção, o Brasil, em 2008, publicou a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI). E isso foi um marco para o país. Nesses 10 anos de PNEEPEI, muito avançamos. Hoje, as escolas compreendem a inclusão escolar como um direito. Destaca-se também o Atendimento Educacional Especializado (AEE), regulamentado em 2009 pela Resolução 4 (CNE/CEB), como um serviço da educação especial cujo principal objetivo é justamente identificar as barreiras (de todas as naturezas) no ambiente escolar e, a partir do estudo de caso, elaborar o plano de AEE, essencial por articular todos os envolvidos no processo de escolarização, a fim de garantir a quebra de barreiras e efetivar a inclusão. É um marco político e pedagógico revolucionário para as escolas. Recentemente, o modelo social deu lugar ao modelo de direitos humanos, que institui como primordial o direito de a pessoa com deficiência fazer uso dos recursos que lhe são disponibilizados, com liberdade de escolha, de expressão, de utilização, a partir do conhecimento dos mesmos. Implica um efetivo protagonismo.

Com tantos problemas do ensino no Brasil, é possível uma educação para todos?
Evidentemente que sim. Se não acreditarmos, como vamos construí-la? No que diz respeito aos alunos com deficiência, os números brasileiros são muito positivos. O país mais que triplicou o número de matrículas no geral. E, mais positivo ainda, inverteu-se o quadro do tipo de matrícula. Há cerca de 20 anos, mais de 90% das matrículas eram em escolas e classes especiais (segregadas). Hoje, é exatamente o contrário.

Para uma educação inclusiva é preciso um currículo diferenciado?

Não. É justamente o contrário. O acesso ao currículo é um direito de todos os estudantes. Diferenciá-lo em razão da condição de deficiência é discriminação. Infelizmente, ainda há quem defenda a adoção de práticas arcaicas, como a diferenciação curricular em razão da deficiência. Essa prática está na contramão não apenas da evolução de nossos marcos teóricos, políticos e legais, mas também vai contra as conquistas da escola brasileira, que, há mais de duas décadas, vem buscando compreender que a diferenciação só pode existir se for para garantir o pleno acesso à escola e ao currículo. Jamais a diferenciação, seja ela de natureza curricular ou de qualquer outra, pode ser usada para justificar “estar à margem”, fazer atividades “separadas”, “individualizadas”, “facilitadas”, “infantilizadas”, “limitadoras” e todos os demais termos que encerram o significado da diferenciação curricular. O que precisa mudar não é o currículo para este ou aquele aluno, mas a prática pedagógica para todos. A maneira como se ensina, como são apresentados os conteúdos, se são contextualizados... Também é preciso repensar as estratégias, os materiais usados em sala de aula. Precisamos rever os tempos e os espaços da escola, encarar o desafio de fazer com que a escola não busque mais alunos ideais ou tente organizar turmas homogêneas (pois isso é uma grande ficção). A educação inclusiva vem desafiar a escola a se reinventar. E isso é bom para todos.

O desafio da inclusão também encontra barreira na estrutura?
Sobre a estrutura, ainda temos muito o que caminhar. Mas, se a pessoa não estiver ali, presente, demandando seus direitos, a escola estará preparada e acessível quando? Em que era? Há muito o que fazer. A acessibilidade mais óbvia é a física (rampas, banheiros, piso tátil, portas largas etc.). Nesse sentido, temos avançado. E, mesmo com os avanços, há problemas. Dou um exemplo simples: se uma pessoa nunca estudou com quem tem deficiência física, talvez ela não se incomode de ver um projeto arquitetônico ou um prédio pronto com escadas para todos os lados. Porém, se essa pessoa cresceu em uma escola inclusiva, é mais fácil para ela estranhar um edifício pronto sem acessibilidade, pois isso já faz parte de sua vida. A acessibilidade como um valor social é também uma questão que requer tempo. O mesmo vale para a acessibilidade de outras naturezas: a presença do intérprete de Libras na sala de aula, num evento cultural ou no ambiente de trabalho; o uso de software de acesso ao computador por pessoas cegas; a comunicação com pessoas com implante coclear ou que fazem leitura labial; o uso de tecnologia assistiva e de comunicação suplementar alternativa. Tudo isso está em construção na escola inclusiva e, mais recentemente, no ensino superior e no ambiente de trabalho. Precisamos de tempo para que isso se consolide não só nas escolas, mas como algo valorizado e reivindicado por todos, e não só por quem tem deficiência.


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