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Estado de Minas WAGNER PARENTE

O orçamento secreto e a relação entre os poderes

'Mudanças na legislação eleitoral acabaram por concentrar ainda mais o poder nas duas casas legislativas'


17/10/2022 04:00 - atualizado 17/10/2022 11:48

Visão geral de uma sessão plenária da Câmara dos Deputados em Brasília, em 13 de julho de 2022
'A realidade é que o orçamento secreto mudou o fundamento da relação entre poderes no Brasil' (foto: Sérgio Lima/AFP)


Wagner Parente

Uma cidade no interior do Maranhão, chamada Igarapé Grande, informou que realizou 12,7 mil radiografias de dedo, sendo que sua população é de 11,5 mil habitantes. O número absurdo de exames foi o fundamento de repasses de recursos do orçamento secreto, dos quais, pelo menos, R$7 milhões foram desviados.

O esquema foi revelado pela revista Piauí de julho. Na semana passada, a Polícia Federal prendeu os irmãos Roberto e Renato Rodrigues, envolvidos com o caso citado no Maranhão. Essa foi a primeira operação envolvendo desvios do orçamento secreto, mas nada indica que será a última. Observando o cenário político que emerge das eleições deste ano, parece pouco provável que o controle de parte relevante do orçamento público retorne ao Poder Executivo.

Para 2023, a proposta de orçamento do governo prevê R$ 19,4 bilhões para o chamado orçamento secreto. Esse recurso pode ser destinado diretamente pelo relator do orçamento – que este ano é o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), mas que, evidentemente, é apenas um operador de quem o colocou lá: o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Lira não tem autonomia total para fazer o que bem entender com esse recurso. Precisa manter pontes com as lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em especial o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ocorre que as mudanças na legislação eleitoral acabaram por concentrar ainda mais o poder nas duas casas legislativas e, com isso, os interesses desses líderes de manterem o orçamento sob seu controle.

Apenas 13 dos 32 partidos superaram a cláusula de barreira (obtenção de mínimo de 2% dos votos para deputado federal no Brasil em, no mínimo, 1/3 das unidades federativas – ou 11 deputados distribuídos em nove unidades). Isso significa que somente esses partidos terão acesso ao fundo partidário, poderão dispor de tempo de TV e da estrutura nas Casas do Congresso.


Os 13 partidos são PL, a Federação composta por PT, PCdoB e PV, União Brasil, PP, Republicanos, MDB, PSD, PSDB/Cidadania, PDT, PSB, PSol/Rede, Avante e Podemos. Caso Bolsonaro seja reeleito, evidentemente os partidos que hoje compõem sua base devem continuar a liderar a alocação de recursos provenientes do orçamento secreto.

Nesse caso, os principais beneficiários serão o Partido Liberal, o Republicanos e o Partido Progressista. Provavelmente, será possível atrair boa parte do União Brasil, do MDB, bem como parlamentares de outros partidos, como PSDB e Cidadania. Nesse cenário, não existe qualquer receio por parte dos parlamentares de uma tentativa de Bolsonaro recuperar o poder sobre essa parcela do orçamento.

Bolsonaro foi copartícipe do empreendimento que criou o orçamento secreto. Talvez por falta de força ou habilidade, não foi possível o presidente sustentar a tentativa de vetar o orçamento secreto, que terminou referendado pelo próprio Poder Executivo. Sendo impossível ir contra, Bolsonaro juntou-se aos partidos de centro. Trata-se de uma relação ganha-ganha: o presidente pode dizer que tem base no Congresso e não sofre impeachment, enquanto os partidos controlam o orçamento.

O mesmo não ocorre caso o ex-presidente Lula seja eleito. Nesse caso, Lula tem dito que buscará “dialogar” com o parlamento, visto que entende o orçamento secreto como ameaça ao seu governo. No entanto, é bem provável que ele chegue para esse diálogo fraco demais para conseguir recuperar o controle do orçamento, já que não terá apoio suficiente no Congresso.

Se não tem apoio no Legislativo, talvez Lula encontre algum suporte no Judiciário. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, pode colocar em julgamento as ações que pedem à Corte para tornar sem efeito as emendas do relator (que na prática é o tal do orçamento secreto). O principal argumento é a falta de transparência. Vale lembrar que o tema já foi apreciado liminarmente pelo STF, quando a maioria entendeu pelo óbvio: que esse orçamento secreto é um absurdo. Somente Nunes Marques e Gilmar Mendes divergiram.

Ainda que o STF busque derrubar o orçamento secreto, é improvável que os líderes do Congresso Nacional fiquem parados nesse meio tempo. Uma das ideias seria colocar na Constituição Federal as tais emendas secretas.  A mesma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que abriria a possibilidade de manutenção dos R$ 600 mensais a título de auxílio em 2023, garantiria aos parlamentares o poder sobre a alocação do dinheiro público.

Sem o controle de parte relevante do orçamento, Lula pode ter dificuldade de atrair partidos para sua base. Seria a primeira vez que os chamados partidos de centro – hoje muito mais alinhados à direita no espectro ideológico – poderiam de fato ser oposição ao governo.

Trata-se de lógica diferente do que se tem visto desde a redemocratização: não são os parlamentares que vão com o pires na mão pedir emendas ao Poder Executivo, mas sim o presidente e seus ministros que vão ao Congresso Nacional solicitar a alocação de emendas para execução de suas políticas públicas.

A realidade é que o orçamento secreto mudou o fundamento da relação entre poderes no Brasil. Não necessariamente para melhor. Que o digam os habitantes de Igarapé Grande.

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