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Estado de Minas GEOPOLÍTICA

O futuro incerto do Afeganistão

Presidente Biden deu ordens para retirada das tropas norte-americanas, mas há dúvidas sobre a manutenção da estabilidade política e socioeconômica do país


02/08/2021 08:15

Tropas afegãs estão nas ruas das principais cidades do país(foto: HOSHANG HASHIMI / AFP)
Tropas afegãs estão nas ruas das principais cidades do país (foto: HOSHANG HASHIMI / AFP)


Os Estados Unidos estão saindo do Afeganistão. Segundo o Presidente Joe Biden, todas as tropas se retiram do país até 31 de agosto de 2021.  Foram 20 anos de ocupação, que se seguiu aos atentados de 11 de setembro de 2001. A invasão afegã foi uma das estratégias estabelecidas pelo governo de George W. Bush e a sua Doutrina de combate ao terrorismo.   

Resumidamente, o país da Ásia Central não possui comunicação com o mar. Faz fronteira, a nordeste, com a China (estratégica para os interesses chineses com Belt and Road Iniciative); ao sul e leste, com o Paquistão (a maior extensão fronteiriça); a oeste, com o Irã (uma larga história de rivalidades); e, ao norte, com as ex-repúblicas da ex-União Soviética: Turcomenistão, Uzbequistão e Tadjiquistão. Possui uma geografia inóspita, com relevo montanhoso e climas desértico e semidesértico predominante.  

Os EUA foram para a guerra contra esse país, menos de um mês depois dos ataques de 2011, com o objetivo de destruir a rede terrorista Al-Qaeda e matar, ou capturar seu líder, Osama bin Laden (morto, oficialmente, em 02 de maio de 2011), e outras figuras importantes do grupo terrorista Talibã, que o havia hospedado. 

Em 7 de outubro de 2001, aeronaves dos EUA começaram a bombardear as bases de treinamento e fortalezas da Al-Qaeda e do governo Talibã em todo o Afeganistão. A invasão foi concebida para ser uma campanha rápida. Durou duas décadas, com um custo de dois trilhões de dólares, cerca de cinquenta mil civis afegãos mortos, vítimas de “danos colaterais”, 70.000 soldados do exército regular e quase 2.500 soldados norte-americanos, em combate.  
 
Hoje, ao sair, os EUA, deixam um país melhor do que o encontraram?  Provavelmente, não.  A pergunta que todos fazem é: o que vai acontecer após a retirada norte-americana?  A triste e assustadora resposta é que ninguém sabe, com clareza, o que virá. Uma névoa de incerteza paira sobre o país.

Quase 20 anos depois, os EUA deixarão o Afeganistão, este em luta contra uma insurgência cada vez mais letal – o Talibã – grupo extremista que queria ter eliminado, conforme as metas da guerra. A incapacidade de concluir a totalidade dos objetivos originais contribuiu para a instabilidade e insegurança que o país vivencia atualmente.  A região permanece uma incógnita. 

A população está temerosa e com razão. Dividida entre um governo marcado pela corrupção, que falhou em oferecer serviços básicos necessários, e um Talibã brutal, violento e opressor. A grande verdade é que os afegãos não estão bem.

As tentativas de manter as tropas dos EUA no país por mais tempo fracassaram.  Mas os relatos de vários jornalistas que acompanharam de perto todo esse processo, é que há um sentimento de muito pouco amor dos afegãos pelos EUA. A nação ocidental devastou comunidades inteiras ao apoiar líderes religiosos corruptos com os constantes ataques aéreos, com uso de drones e ações noturnas violentas. 

Existe um sentimento de raiva pela saída dos EUA, sem que este tenha deixado o país em condições reais de governabilidade para qualquer liderança.

Os ataques do Talibã, cada vez mais frequentes, nas cidades de Kandahar, Herat (respectivamente, a segunda e a terceira mais populosas do país) e em Lashkar Gah, nos últimos dias, fizeram as embaixadas estrangeiras, incluindo os Estados Unidos, emitirem declarações denunciando a recente sequência de violência dos insurgentes e fazendo ameaças de retomar e intensificar os ataques. 

As pessoas, no entanto, se revoltam com essas condenações verbais e apelos para o fim da violência. Para elas, com razão, tudo isso deveria ter sido negociado e definido quando as autoridades norte-americanas se sentaram em frente ao Talibã, em Doha, capital do Catar, para negociar um acordo de paz, em 2020.

O pacto feito pelo governo Trump era, na verdade, para garantir uma saída pacífica para as forças e oficiais estrangeiros dos EUA. Mas, em nenhum momento impôs como regra o fim da campanha sangrenta dos talibãs contra as forças de segurança oficiais afegãs e contra civis.  A ação dos extremistas continuaria inabalável internamente. Os afegãos foram deixados à própria sorte. 

Essa combinação de incerteza e raiva afeta milhões de afegãos. 

Outro cenário que pode ocorrer é a entrada de uma nova liderança externa. A China pode encontrar uma brecha com a retirada dos EUA e aumentar sua presença no país. 

O Afeganistão é conhecido como o cemitério dos impérios, e por boas razões. Ao longo do tempo, uma sucessão de potências estrangeiras tentou  e não conseguiu estabelecer influência e controle sobre o país e transformá-lo em um trunfo:  o Reino Unido (Século XIX), a ex-URSS ( Século XX) e os EUA (século XXI). 

Todos tentaram domar e transformar o país em um ativo estratégico. Todos, sem exceção, sentiram um alto grau de decepção no final. 

Os legisladores dos EUA estão se perguntando se a China será a próxima potência mundial a tentar a sorte no Afeganistão. Amplos motivos para se envolver com o país o Dragão Asiático possui. 

Os chineses estão em uma nova fase da sua própria política externa e tentam, ativamente, expandir sua influência, em particular, em sua própria vizinhança. O Afeganistão tem uma localização estratégica, próxima dos corredores comerciais da nova rota da seda chinesa, é vizinho do Paquistão e tem laços estreitos com este país, que, por sua vez, está cada vez mais próximo da China.

Além disso, o Afeganistão tem alguns minerais valiosos, que a China deseja, como o lítio.  Então, incentivos não faltam aos chineses para sua maior influência no Afeganistão. Uma vez que o país esteja desocupado pelos Estados Unidos, há uma grande possibilidade de uma aproximação sino-afegã.  

Mesmo assim esse cenário pode se complicar. Há uma chance razoavelmente boa de que o governo afegão seja afastado em algum momento, talvez em breve, pelo Talibã e suas forças islâmicas.  Os ataques e controles territoriais dos insurgentes muçulmanos tornam-se cada vez mais frequentes. 

O Talibã, como um movimento, decididamente muçulmano, é simpático aos líderes muçulmanos e grupos militantes mais fracos, na província de Xinjiang, de população uigur, alvos do governo chinês, no combate ao terrorismo no país. 

O Talibã, no governo, pode estimular, segundo alguns analistas, a população uigur a pressionar por novos direitos e melhor tratamento na China. Entretanto, há indícios de que o Talibã envia sinais para tranquilizar a China de que isso não acontecerá e que não causará problemas para o governo chinês. 

O encontro, silencioso, que ocorreu em julho entre o Ministro das Relações exteriores da China, Wang Yi, e o cofundador do Talibã, Mulah Abdul Ghani Barardar, marcou o início desta aproximação.  

A China tentará se tornar a nova grande influência externa no Afeganistão? Não deixa de ser fascinante acompanhar os próximos passos da era pós-EUA. Os chineses podem encontrar uma abertura e tornarem-se aliados, de peso, no incerto futuro afegão. 

Se as tropas oficiais afegãs não suportarem a rede eficiente de combatentes bem treinados do Talibã e o governo sucumbir, a ascensão do Talibã no comando, não contará com amplo apoio do Ocidente, abrindo espaço para os interesses chineses. 

Estes sabem que intervenções enérgicas não funcionam no Afeganistão e estão fadadas ao fracasso. A história já demonstrou isso várias vezes. Os chineses devem buscar uma solução política pacífica para a questão. Cautela os chineses possuem. 

Os afegãos necessitam dos investimentos da China para reconstruir o país. Resta saber se, uma vez no poder, como tudo indica, o Talibã será o aliado ideal para as pretensões chinesas. Isso somente o tempo dirá.

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