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Estado de Minas O BRASIL VISTO DE MINAS

Palavras erradas e as imprudências da política

Tantas coisas nos faltam e tantas há para se fazer, que, no mínimo, não podemos acrescentar problemas novos aos muitos e velhos problemas que já temos


14/08/2023 04:00
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Se eu fosse poeta, diria que no corpo dolorido do Brasil não se pode abrir nenhuma ferida nova. Tantas coisas nos faltam e tantas há para se fazer, que, no mínimo, não podemos acrescentar problemas novos aos muitos e velhos problemas que já temos. Apesar de óbvia, essa exigência é às vezes ignorada. Agora mesmo surge no horizonte uma ameaça real à nossa harmonia federativa, cuja integridade é um dos milagres de nossa história. Esta ameaça é em parte produto de um temerário experimento tecnocrático embutido no projeto da reforma tributária e, em parte, de palavras disparatadas e deploráveis do governador de Minas Gerais, querendo separar o Brasil dos menos pobres do Brasil dos mais pobres.

As palavras do governador não podem ser esquecidas, porque esquecê-las seria o mesmo que perdoá-las. Nossa unidade federativa é um dos poucos ativos institucionais que temos, e seu questionamento pode abrir uma ferida no próprio sentimento de nacionalidade. A ironia da história é que Minas sempre foi o mais nacional dos estados brasileiros. Que tenha partido de Minas essa voz dissolvente é mais uma prova da atual miséria da política brasileira, onde dirigentes e povo se parecem cada vez menos.

O que mais deve preocupar é que as palavras do governador não foram pronunciadas ao acaso, mas decorrem de um conflito que se esboça nas discussões da reforma tributária.

Nosso país é muito desigual e essa desigualdade se reflete na capacidade tributária dos diferentes estados. Na Constituição de 88, chegou-se a um pacto federativo, no qual, por meio de uma partilha compensatória dos tributos federais, buscou-se atenuar as grandes diferenças na arrecadação do ICMS, o pilar das receitas estaduais. As diferenças de fato são muito grandes. Segundo dados de 2022, os estados do Norte e do Nordeste abrigam 35% da população brasileira, mas sua arrecadação do ICMS representa apenas 23% do total nacional. No Sul e Sudeste, a situação é o inverso. Seus estados têm 57% da população e arrecadam 66% do ICMS. Essas desigualdades estão enraizadas em nossa história e decorrem de processos econômicos de longa e antiga formação, mas são um ponto muito sensível da vida do país, que precisa ser administrado com sabedoria e grande cuidado. A Constituição de 88 fez isto muito bem, nos assegurando um período de harmonia federativa.

O Governo e o Parlamento, em nome de uma maior eficiência e do renascimento da indústria nacional, estão no caminho para desconstruir a atual ordem tributária e, em consequência, reabrir o pacto federativo. Ao fazer isso, estão criando um risco político cujos desdobramentos talvez não possamos controlar. A reforma tributária aprovada na Câmara e discutida no momento no Senado suprime a autonomia dos estados na gestão dos seus impostos e cria um Conselho Federativo com competência para regulamentar, arrecadar e distribuir a receita do imposto único estadual e municipal. Esse novo ente, que nunca existiu entre nós e não existe em parte alguma do mundo, vai suscitar questões políticas com as quais não estamos familiarizados, especialmente quanto à sua governança. Como se darão suas  deliberações?

A Câmara dos Deputados estabeleceu que as deliberações do Conselho serão decididas por uma maioria que combine metade mais um dos estados mais estados que correspondam a 60% da população do país. É uma solução equilibrada, pois nem o Norte e o Nordeste, com seus 16 representantes, nem o Sul e Sudeste com 56% da população, poderão sozinhos se impor aos demais. A maioria necessária terá sempre que ser uma solução de compromisso, que contemple os interesses supra regionais. No Senado, insinua-se um movimento para desfazer essa solução e determinar a paridade simples nas deliberações do Conselho, o que significará que os estados do Norte e do Nordeste reunidos terão a maioria para decidir todas as deliberações, o que fere sem dúvida o bom senso e vai provocar reação. Reformas temerárias e palavras erradas podem dividir a alma do país. Se de repente nos voltarmos uns contra os outros, que destino nos restará?

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