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Sobre "Barthes, Loyola e outros textos"

Lançado recentemente pela Editora Saber Criativo, livro de Carlos Rafael Pinto e Jonas Samudio é caudaloso manancial de letras ardentes pelo deserto da escrita


22/10/2023 04:00 - atualizado 21/10/2023 20:32
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Visitante observa prateleira gigante na Feira de Frankfurt
A leitura e a escrita são temas dos pensadores cujas obras os autores analisam no volume recém-lançado (foto: Kai Pfaffenbach/REUTERS)

Lançado recentemente pela Editora Saber Criativo, “Barthes, Loyola e outros textos” é um belo encontro nas letras realizado pelos autores. Uma carta sempre alcança seu destino e sem que suspeitasse já a tinha em mãos: que livro!

Carlos Rafael Pinto é escritor, professor e pesquisador da obra de Maria Carolina de Jesus, doutorando na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE-BH). Jonas Samudio dedica-se à mística, ao feminino, à poesia, tecidas no corpo e na escrita. Pós- doutorando sobre literaturas e os femininos na UFMG (CNPq-PDJ).

O renomado filósofo e teólogo Dr. Pe. Geraldo De Mori na apresentação ressalta a singularidade do encontro Barthes e Loyola e comenta que o interesse em republicar Barthes reside em seu pouco conhecido interesse no campo da espiritualidade inaciana. Uma interdisciplinaridade fecunda e mútua fazendo emergir novas formas de captar, entender e ler um mundo mais compreensível.

Em 1971, Barthes publica o ímpar “Sade, Fourier, Loyola”, no qual propõe o neologismo logotetas: fundadores de linguagem. No estudo de cada um, ele dispõe-se a circular as operações de isolar, articular, ordenar e teatralizar indicando que os três produzem continuamente regras de junção, com indícios de uma estrutura que sustentará um lugar de leitura na qual o que lê testemunha um acontecimento de linguagem, seu gozo, sua escrita e seu corpo.


Corpo objeto de ler o prazer do texto. Também se aponta outra criação de Barthes: os biografemas. Diferentemente de uma biografia, os biografemas dizem de uma outra forma de considerar aproximações e distanciamentos entre vida e escrita, entre a vida que se escreve e o que se lê. De um corpo de gozo feito unicamente de relações eróticas porque nele há o prazer em pedaços, a língua em pedaços, a cultura em pedaços.

Corpo como espaço erótico, corpo escrito segundo “a ordem da escritura, espaço de dispersão do desejo, onde a dispensa é dada à Lei”. Corpo escrito no espaço da disjunção do desejo em fricção constante, contato amoroso com os pormenores de outro corpo leitor. “Letras, pormenores de uma vida esburacada, vagantes pelo espaço do desejo em busca de outro corpo, pulverizados de um sujeito disperso.” Muito escreveu quando internado no sanatório por causa da tuberculose. Assim também se deu com Inácio.

Sua aldeia é Loyola. 1553 inicia sua narração fraturada em três. Um guerreiro mundano que após quebrar a perna e sofrer três cirurgias, acamado, encontra a seu alcance apenas leituras sacras e tem seu encontro com as coisas de Deus. Seus “Exercícios espirituais”, são quatro e tratam de perguntas mais que respostas.

Em sua escrita, lágrimas encharcam as páginas percorridas, são fluidos materiais de um corpo, significantes líquidos do amor, como as lufadas, que embebem um corpo apaixonado. Inclusive apagaram palavras. Muitas das ideias dos dois se gestaram na enfermidade.

O livro traz também a tradução, por Samudio, de um poema do filósofo da Idade Média, conhecido pelos sermões eloquentes e improvisados, Mestre Eckhart, seguido de notas do tradutor sobre a tradução pobre: trata-se de pensamento insondável da escrita e do pensamento! Mestre Eckhart nos lança ao deserto, ao grão de areia.

Do belo posfácio de Lúcia Castello Branco, arrisco algum rabisco: texto ardente, dois a dois, os autores Barthes e Loyola e os leitores Jonas e Rafael. Destes, o biografema: leitores-companheiros que leem com seus corpos juntos e separados, deixando-se tocar por Barthes e Inácio, juntos e separados.

Uma parte é do ar partilhada pelo que lê e que dirá da dificuldade de respirar atingidos por lufadas da escritura, por páginas banhadas de lágrimas, que apagam letras, fazendo a página retornar à abundância do branco. Encerra-se ali caudaloso manancial de letras ardentes pelo deserto da escrita.

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