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Balas perdidas e a má condução de uma sociedade guiada pelas pulsões

É devastador ler notícia de uma garotinha de 8 anos atingida e morta. Quantas pessoas já perderam suas vidas por nada? É preciso reforçar a educação, as oportunidades, as perspectivas de futuro para que as pessoas sintam que têm algo a perder


postado em 29/09/2019 04:00

Esta coisa de bala perdida é um perigo. Mas não é de agora. O governador do Rio de Janeiro,Wilson Witzel, errou feio ao incentivar a força policial a atingir bandidos. Suas declarações liberam o uso deste tipo de repressão e acirram as disputas entre Estado e criminosos, mas muito antes dele as balas perdidas zuniam pelos céus do Rio de Janeiro. Agora, elas vêm dos dois lados com força, do lado da “lei” e do outro.

Sempre foi arriscado ser atingido por uma bala perdida, visto que os morros atrás de muitos prédios da Zona Sul do Rio facilitavam, porque muitos apartamentos ficam numa altura bem favorável. Paralela à altura do morro. Havendo rixa entre bandidos, bem como contra policiais, os tiros trocados podem atingir os moradores das imediações, o que era muito frequente.

Digo mais. Aqui mesmo em Belo Horizonte escapei de um projétil de 38. Foi logo depois de um almoço de sábado, quando morei no Bairro São Pedro, Rua Padre Odorico, segundo andar. Saímos da sala de jantar, minhas filhas e eu, e fomos descansar. Alguns minutos depois de repousar,  escutei um barulho de vidro quebrado. Tive medo de ser ladrão entrando pela cozinha. Levantei mesmo assim, fui devagar andando por um longo corredor. Foi um suspense até chegar de novo à sala, de onde acabara de sair.

Vi na janela um furo rodeado por rachaduras em formato de teia de aranha. Estranhei... Mais adiante na parede de frente deste vidro, no chão, pedaços de um tipo grosso de algodão. Continuei minha busca e descobri a bala de revólver com a ponta achatada, o buraco na parede logo atrás da cadeira onde eu estava sentada alguns minutos antes, para ali, bem ali, na altura do “meu” coração, caso eu lá estivesse, estava o furo. O algodão era do estofamento da cadeira.

Chamei o 190. O policial que me atendeu perguntou, logo após meu relato, se havia vítima. Respondi que não.  “Então, minha senhora, devido a uma guerra armada entre gangues no Morro do Papagaio, esta região está perigosa, evite ficar perto das janelas e tenha cuidado quando andar nos arredores, porque estão trocando tiros e todo nosso contingente se deslocou para lá. Não temos como atender, pois não há vítimas. Mandaremos uma viatura para tomar seu depoimento nos próximos dias.”

Frustrada e assustada, meio atônita, como não poderia deixar de ser, fiquei ali espantada pensando que tinha nascido de novo. Minhas filhas, com os olhos arregalados, nem sabiam o que dizer... “Mãaaaeeee você podia ter morrido...” É...! Pois é... Estamos até hoje esperando a viatura. Deve ter uns 20 anos isto. Hoje não moro mais lá, moro em outro bairro.

Uns meses atrás, bandidos motorizados – creio que eram três – tentaram render um vizinho que chegava por volta das 23h em um prédio próximo ao meu. O vizinho estava armado, creio que era um policial federal, e mandou bala nos bandidos, que responderam com outros tiros, enquanto disparavam dobrando a primeira esquina. Exatamente, meu prédio.

Os tiros, penso que do vizinho por causa da direção, atingiram um vidro gigante aqui do prédio, que estilhaçou em frente à guarita do porteiro. Ele correu risco de levar bala perdida. O caso não deu em nada. Trocamos o vidro e fim da história.

Não há dúvida que ficamos muito chocados com coisas desta natureza. A agressividade humana extrapola nossa capacidade de aceitação e de compreensão. Somos tão destrutivos que acabamos com tudo. Até com o mundo em que vivemos, suas águas e as árvores que produzem o ar que respiramos.

E dá uma tristeza cada vez que temos notícias de uma garotinha de 8 anos atingida e morta. É devastador. Quantas pessoas já perderam suas vidas por nada, apenas porque o acaso, desta vez, não as protegeu. Revolta e raiva. O real continua e, quanto ao que já foi, nada mais podemos fazer. Impotência total. Agora é resistir a este tipo de ação, protestar e votar melhor.

É preciso reforçar a educação, as oportunidades, as perspectivas de futuro para que as pessoas sintam que têm algo a perder. Como psicanalistas, sabemos que as pulsões de morte e de vida estão amalgamadas uma à outra. O que vai temperá-las é o vivido, o que recebemos do afeto que nos afeta, da família, da escola, dos amigos que amamos e dos laços amorosos que fazem valer a pena lutar por um mundo melhor. Pacífico, solidário. Desejamos isto.

E o governador, sem dúvida como responsável pela cidade, incentiva a agressividade, dando aval aos atiradores. É difícil controlar certos atos num momento tenso e de medo. E quando se acredita que bandido bom é morto. Assim ocorrem tragédias. A má condução de uma sociedade, guiada pelas pulsões, sem controle, sem intervenções acertadas, dá nisso. Distorções, perversões, crueldades. Somos todos responsáveis pelo destino que construímos. E hoje o Brasil todo chora pela Cidade Maravilhosa, refém da corrupção e ineficiência de seus últimos governantes.

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