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Estado de Minas RAMIRO BATISTA

Quais as três dores de Bolsonaro e de Lula na reta final da campanha?

Como em divórcio, cenário de empate técnico às vésperas da eleição será guerra sobre as fragilidades dos dois líderes em torno de corrupção, costumes e economia


26/07/2022 06:00 - atualizado 26/07/2022 07:17

Lula e Bolsonaro
(foto: Ricardo Stukert/PT Alan Santos/PR)
Passei os melhores momentos do fim de semana com um bem-sucedido influencer do YouTube, em carne e osso, desses ultracompetentes que conseguem vender terreno na lua ao transformar sua experiência de superação num ativo vendável.

No caso dele, usou toda a genialidade autodidata em neurociência e sua virada após uma separação trágica após 30 anos para empacotar um curso muito eficiente de como sobreviver feliz depois do casamento.

O básico desse tipo de competência para convencer o primeiro separado desesperado e escalar fortuna em milhares ou milhões de outros é explorar a dor mais funda dele, onde o calo lhe aperta.

É quase infalível fazer esse cliente potencial (avatar, segundo a nomenclatura do meio) apertar o botão de compra se o discurso de venda (carta) iluminar seu incômodo profundo e uma saída de que ele mal desconfiava.

Que pode ser qualquer uma, mesmo precária, que acenderá qualquer luz de esperança para quem já está no fundo do poço. No caso da separação, por exemplo, para ficar numa só dor, o medo de perder o contato com os filhos.

Fizemos muitos planos de como me tornar um vendedor de curso de minhas precárias experiências a partir de meus fracassos como jornalista, escritor ou marqueteiro político, mas acordo na segunda-feira pensando em Jair Bolsonaro.


Não porque tenho interesse de perder tempo na impossibilidade de vender qualquer curso para ele. Mas porque sou obrigado a começar a semana pensando no que escrever para preencher essa coluna de vocação política, mais parecida com um casamento a cada segunda mais difícil de levar. 

Qualquer hora dessas, junto minhas malas e me separo da coluna, da política e de Bolsonaro. Mas, por enquanto, que ele me sirva de exercício de elaboração de uma boa carta de vendas, partindo de suas dores mais fundas.

Que são muitas, a julgar pelo discurso de lançamento de sua candidatura no domingo — enquanto eu ouvia noções de funil de vendas entre cerveja e linguiça frita —, que ilumina alguns de seus desesperos nem tão fundos de tanto que já transbordam à flor da pele.

Elenquei as três fundamentais, que se conectam e se complementam, como causa e reflexo:

Não conseguir a tempo o coeficiente necessário de votos de mulheres e pobres, principal barreira do eleitorado para vislumbrar alguma possibilidade de, pelo menos, empatar com Lula na reta final da campanha.

Não ter como afastar, neste ponto decisivo da campanha, os filhos e o fantasma das denúncias de corrupção de suas “rachadinhas”, que podem lhe tirar a autoridade para acusar corrupção em Lula. 

Não ser eleito pelas duas primeiras e ser preso, sem direito a receber visita dos filhos. Ou de alguns deles, também presos.

Não percebo que tema ser envolvido nas denúncias de corrupção no governo, que toma como casos isolados e incomparáveis às que envolvem Lula, uma falsa simetria. 

Também não dá sinais de que perca sono com a hipótese de não ter o apoio das Forças Armadas para suas tentações de golpe. Não precisa delas para manter o clima. A partir de 7 de setembro, sua base fanática faz o serviço.

Ele quer mais o clima do que o golpe em si. É na confusão em torno dele que vai montar sua carreira e sua igreja política pós-eleição, eleito ou não eleito, como Donald Trump.

Ser preso ou responder às dezenas, talvez centenas, de processos — e ainda com filhos no meio — é daquelas dores de cabeça típicas de divórcio que o casal adia o quanto pode, mesmo às custas de manter um casamento falido.

Ameniza a ele o calvário saber que Lula também tem suas dores, que eu também exploraria se lhe fosse oferecer um módulo de palestras de como arranjar um novo casamento com a parte do eleitorado que o detesta.

Para ficar também em três:

A alta carga das denúncias de corrupção descobertas pela Lava Jato, que aflorarão como avalanche nas redes sociais bolsonaristas, sem que o presidente pai dos filhos enrolados precise se envolver na lembrança delas.

Seu casamento com faixas do eleitorado progressista que defendem uma virada de costumes que ainda caem mal na maioria conservadora, como aborto, liberação de drogas, ampliação dos conceitos e direitos de gênero.

Seu namoro com regimes que vêm demonstrando desastres não em democracia, mas em economia, como a Venezuela ou, no caso mais recente, a Argentina. As derrapadas do Chile sob comando socialista também podem ser um problema.

No pé em que a campanha anda, presumo como factível a previsão de Bolsonaro e seu entorno de chegar às vésperas da eleição num empate técnico, no aperto polarizado que tem marcado todas as eleições desde a redemocratização.

O franco favoritismo de Lula hoje não resiste fácil a alguns fatos que conspiram a favor de Bolsonaro até lá: a queda de preços emblemáticos da economia, como combustíveis, e o pagamento dos novos benefícios da PEC kamikaze das bondades, seus feitos na propaganda eleitoral.

Lula só tem a prosódia contra o despreparo e tudo o quanto é tropeço do presidente que pôs o país em crise diária. O que Bolsonaro também tem, além do proselitismo da pauta de costumes ruim para o petista.

Será de qualquer forma uma guerra de chegada com ambos os lados com fortes argumentos contra o outro. Com arsenais poderosos para tentar provar o quanto o outro pode ser pior.

Como já sabemos, será a disputa do ruim contra o péssimo, dependendo do ponto de vista, a opção de votar no capeta para evitar o demônio, a escolha difícil de descobrir com qual dos dois estaremos menos mal servidos. 

Como nas piores separações, em que se lava toda a roupa suja em público, para a qual não parece haver curso a vista no YouTube que amenize.

Para não dizer que não falei de flores e de salvas de arroz na saída do altar das urnas, devo dizer que minha impressão dos candidatos com base em suas histórias pregressas não é a mesma de suas possibilidades de governo.

Por infinitas razões que mereceria outro artigo, acho sinceramente que não será o fim do mundo se qualquer dos dois for eleito. Nenhum dos dois será pior do que foram.

Passaram ambos por experiências dolorosas como um casamento de 30 anos, conhecem a dor da separação que representa uma eleição difícil e são capazes de dar curso de como dar a volta por cima. 

Ainda não vai ser o caso de abrir um processo de separação do país, que anima muita gente que conheço.

Artigos anteriores da coluna no meu site.

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