(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas RAMIRO BATISTA

No país da nota pronta, autoridades enfrentam Bolsonaro com notinhas

Lira, Pacheco e Fux emitem "notas de repúdio" com os jargões de sempre, sem citar Bolsonaro, que ri e só parece temer Alexandre de Moraes, que não emite notas


09/09/2021 06:00 - atualizado 08/09/2021 23:14

O mundo político e jornalístico já aguardava qual seria sua próxima nota
O mundo político e jornalístico já aguardava qual seria sua próxima nota (foto: Alan Santos/PR)
O presidente da Câmara Arthur Lira era todo desconforto na leitura do teleprompter que anunciou ao país sua decisão radical de buscar uma "ponte de pacificação" entre o Judiciário e o chefe do Executivo que prometeu descumprir leis em praça pública.

Estava estreando no mundo das "notas de repúdio", também conhecidas como  "pronunciamento firme" ou "discurso duro" pela cobertura política, com que as altas autoridades da República enfrentam as grandes encruzilhadas da nossa história.

É um novato na técnica, que ganhou contornos de excelência durante a gestão de seu antecessor, Rodrigo Maia, que soltava uma nota de repúdio quase diária a cada vez que a sociedade pedia uma tomada de posição mais dura contra as ameaças do presidente da República ao sistema democrático.


O mundo político e jornalístico já aguardava, com uma curiosidade que acabou virando desprezo pelo uso excessivo, qual seria sua próxima nota.

Já mais experimentado com vídeo gravado e um discurso naturalmente fluente que parece escrito, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco estava mais à vontade para condenar num "pronunciamento firme" os "arroubos antidemocráticos" e defender, como Lira e é comum nesses casos, "diálogo e respeito à Constituição".

Já o presidente do STF, ministro Luiz Fux, mais experimentado na emissão de notas do tipo, que a imprensa na torcida chama de "discurso duro", parecia bem à vontade para dizer o de sempre.

Que este poder não vai tolerar manifestações antidemocráticas e ameaças à democracia, etcetera e tal, num amontoado de jargões inevitáveis como os post-its de Maia: "democracia", "estado democrático de direito", "independência dos poderes", "devido processo legal", "respeito aos poderes constituídos"...

Nessas arengas, em que também pipocam promessas de "dar um basta", "não se curvar" ou "não abrir mão de prerrogativas", "buscar diálogo e harmonia", etc,  o que importa costuma ser tratado como nota de rodapé, de somenos importância.

Nem Lira e nem Pacheco, por exemplo, incluíram a expressão que estava na cabeça de 11 entre dez brasileiros que acompanham o noticiário político, "impeachment". E Luiz Fux incluiu um "práticas antidemocráticas ilícitas" como parte de um conjunto de coisas que "não podemos tolerar" em respeito ao "nosso juramento constitucional".

Também, como é comum nos protocolos dessas notas de bom tom, usaram os três um sujeito indeterminado. Sabemos que estão falando de Jair Bolsonaro, porque a grande imprensa nos fez o favor de informar. O nome não aparece nem na "nota de repúdio" de Lira, nem no "pronunciamento firme" de Pacheco e nem no "discurso duro" de Fux.

"Ofender a honra dos Ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais…", como escreveu, são "práticas antidemocráticas ilícitas" que alguém cometeu e deve ser condenáveis, pelo menos no plano de discurso.

Não anunciam qualquer medida prática, apesar de que algum crime parece configurado, claramente configurado, sem precisar esperar que a pessoa de quem se fala volte a cumprir as ameaças.

— O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões — escreveu noutro ponto, como se elas já não tivessem ocorrido.

Deve ser por isso que o presidente Jair Bolsonaro, de quem desconfio de que falam, fica rindo — e ri — da cara deles, como desconversou na desconversa com os apoiadores na porta do Alvorada, na manhã dessa quarta,  sobre seus "arroubos antidemocrárticos" no palanque da avenida Paulista.

— Eu era só mais um no meio da multidão.

Recua quando a coisa aperta e volta a atacar, testando os limites, sem deixar para trás qualquer das ideias fixas com que vem atormentando o país desde a posse.

Desmoralizou o próprio Arthur Lira na questão do voto impresso, que voltou a defender duas vezes depois, inclusive no discurso do 7 de Setembro, depois de ter prometido a ele que não voltaria a tocar no tema, já esgotado em rejeição pela Câmara. Não por acaso, também esgotado em "pronunciamento" de Pacheco.

Já se reuniu mais de um vez com o próprio Luiz Fux e o ex-presidente Dias Toffoli, com os quais se comprometeu a participar de uma reunião de cúpula dos três poderes, desstinada a serenar os ânimos, que dinamitou no dia seguinte.

Suas promessas de contenção com Rodrigo Pacheco só não caíram no vazio, porque o presidente do Senado, mais safo que Lira, guarda certa distância do Palácio desde que presidiu ali uma pajelança de todos os poderes para arrancar dele um compromisso institucional de unificação das ações de governo na pandemia.

Que ele desmancharia no dia seguinte, como quase sempre acontece, numa conversa com apoiadores no cercadinho do Alvorada, onde transmite para o mundo suas reais intenções.

Só leva a sério mesmo, como se sabe, Alexandre de Moraes, que, não por acaso, não é de emitir notinhas.

Ex promotor que não dá entrevistas e não parece perder tempo com "notinhas de repúdio", é do tipo que sabe morder o calcanhar. Emparedou Bolsonaro com a série de prisões de seus aliados entre sexta-feira e segunda, a ponto de fazê-lo gritar em praça pública como se estivesse numa sessão de tortura.

— Sai, Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha!

Nesta quarta, ao invés de soltar "nota de repúdio", "declaração pública" ou "discurso duro", liberou para julgamento ações contra os decretos de ampliação do uso e porte de armas, cujo resultado negativo antevê para derrubar umas das principais bandeiras eleitorais do presidente.

Moraes, também como se sabe e já escrevi aqui, cometeu uma série de excessos no inquérito das fake news, que tocava unilateralmente no que as "notas de repúdio" chamam de "atentado ao estado democrático de direito". 

Está mais contido, transferiu a competência acusatória para a Procuradoria Geral da República, como deve ser, mas continua usando seu livre arbítrio para enquadrar bolsonaristas em operações de censura prévia que, não fosse sua predisposição contra Bolsonaro, talvez não autorizasse.

Joga duro e também comete excessos, como o presidente de tantos excessos a serem combatidos. Mas parece ter percebido, com seu velho faro de cão policial, que não há outro caminho para lidar com certas pessoas. 

Se quisessem algum resultado diferente com Bolsonaro, talvez Fux, Lira e Pacheco tivessem que  aprender com ele. Como se percebe nas suas notinhas, ainda estão acreditando que, com certas pessoas como Bolsonaro, ainda é possível "buscar o diálogo e a harmonia".






*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)