
Em Moçambique, fiquei na aldeia de Muzumuia, região de Gaza, quatro horas de carro ao sul de Maputo. Ao nos lembrarmos que o país foi dominado por portugueses, deduzimos que vamos nos virar com a facilidade por causa da língua. Assim acreditei eu da primeira vez em que lá estive, mas não demorei a perceber que me enganara.
Apesar de ser a língua oficial, quanto mais se adentra no interior do país, mais difícil fica a comunicação. Em Muzumuia, por exemplo, crianças e pessoas idosas só falam changana, uma das línguas bantu. De acordo com o senso de 2007, 10% dos habitantes de Moçambique ainda se comunicam em changana. E foi no meio de muitos deles em que eu estive.
Toda manhã acordava junto com o sol e saía para correr pelas vielas da aldeia. Chão de terra e areia, cabras e cabritos, poucas crianças a caminho da escola. Há um bom espaço entre os casebres de barro e pau, uma planta aqui e ali, de vez em quando um baobá.
Encantada com as particularidades do local e o bom dia de cada morador com o qual eu cruzava, certo manhã me perdi. Ri de mim mesma, pois reconheço a enorme falibilidade de meu senso de direção. Custei a encontrar alguém com quem pudesse me entender e comigo trocar uma palavra a mais que o cumprimento cordial.
Foram algumas jovens que me indicaram a localização correta, que me levou ao projeto onde me hospedei e dei aulas de costura. O público jovem, inclusive, foi meu alvo principal. Era no meio delas que eu passava o dia.
Entre elas, só changana. É fácil imaginar que não entendia praticamente nada do que eles diziam, mas ainda assim às vezes percebia o teor da conversa: os rapazes, as fofocas da escola, os causos da comunidade. De risada fácil, elas cantavam quase o tempo todo. Músicas românticas, de amores fracassados ou impossíveis como adolescentes em qualquer outro lugar do mundo.
Porém, o mais frustrante foi tomar consciência de que para muitas meninas e moças da aldeia casar e ter filhos é o maior objetivo da vida, que pressupõe dedicar o resto de seus anos à manutenção do lar. Desde buscar água longe no posto artesiano à capina do terreiro e da horta próxima, muitas acreditam que o caminho de suas ancestrais é o que há para ser seguido. E é através da costura que tento apresentar outras alternativas viáveis que, inclusive, não pressupõe largar de lado a família.
