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Estado de Minas Comportamento

Sem Infância

"Imaginava que birra era coisa de criança manhosa"


31/07/2022 04:00

Crianças do Malawi
(foto: Thomas Mukoya/REUTERS)

 
No final do ano passado, ao retornar de uma temporada no Malawi/África onde auxilio um dos projetos da Fraternidade Sem Fronteiras, contei aqui a história de dois bebês gêmeos que eu havia conhecido e viviam em estado extremamente precário. Na época, eles tinham oito meses e pesavam por volta de quatro quilos cada.
 
Desnutridos, pouco reagiam a estímulos. Lembro-me que durante a primeira noite em que dormiram no projeto, local onde passaram a viver, gemiam para expressar fome. Não tinham forças para chorar e pouco se moviam. E me pareceu que era através dos olhares profundos e penetrantes que tentavam se comunicar.
 
Sete meses depois, de volta ao Malawi, tive a alegria de reencontrá-los. O menino anda com firmeza e a garotinha engatinha com uma velocidade inacreditável. Esboçam palavras, dão gargalhadas, estendem os braços, fogem de mim sempre que ameaço amassá-los como se estivéssemos brincando de pegador.
 
São comportamentos corriqueiros, naturais na maioria das crianças dessa faixa etária e não há nada de extraordinário nisso. Mas casos assim merecem uma reflexão. Confesso que me emocionei ao vê-los fazendo birra, dando ataques de ciúmes das outras crianças que estão sendo criadas como suas irmãs e seus irmãos.
 
Até então imaginava que birra era coisa de criança manhosa e mal-acostumada. Mas conclui que aqueles que se dão ao luxo de fazê-la de certa forma demonstram viver não apenas em ambientes onde recebem atenção e vivenciam relações de afeto, mas também onde há alimento para a alma e para o corpo. Ambientes em que podem ser criança e se comportar como tal. Pedem atenção por que sabem que há alguém que possa dar a elas, pedem comida por que sabem que há o que comer, choram por que sabem que podem fazê-lo.
 
A maioria das crianças aqui, seja no campo de refugiados ou nas vilas espalhadas por todo o país, não têm o hábito de brincar de boneca de mentira. Costumam tomar conta umas das outras ainda bem pequenas. Em vez de puxar carrinhos, arrastam galões de plástico a procura de uma brecha nos poços artesianos onde a comunidade coleta água. As bolas são sacos plásticos embolados e amarrados com o que encontram pelo caminho.
 
Estas não têm tempo nem encontram espaço para fazer birra ou experimentar ciúmes. Precisam aprender a sobreviver numa fase da vida em que deveriam apenas se ocupar de viver.

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