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Estado de Minas ENTRE LINHAS

Marco temporal é a ''lei do arame farpado'' nas terras indígenas

Lideranças indígenas argumentam que a posse histórica de suas terras não está vinculada ao fato de um povo ter ocupado determinada região em 5 de outubro de 88


31/08/2023 04:00 - atualizado 31/08/2023 08:11
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Ministro Cristiano Zanin deve dar seu voto hoje sobre o marco temporal
Ministro Cristiano Zanin deve dar seu voto hoje sobre o marco temporal (foto: EVARISTO SÁ/AFP)

julgamento do marco temporal para a demarcação das terras indígenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser retomado hoje. O marco estabelece que só pode haver demarcação de terras para comunidade indígenas que ocupavam a área no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. O próximo a votar é o ministro Cristiano Zanin, o mais novo da corte, indicado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, que vem se pautando por posições bastante conservadoras.

O emblemático voto de Zanin não será decisivo, mesmo que vote com os ministros André Mendonça e Nunes Marques, a favor do marco temporal, porque a tendência da maioria é acompanhar os votos contrários dos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Está em jogo a interpretação do artigo 231 da Constituição, segundo o qual os povos indígenas têm “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

As lideranças indígenas argumentam que a posse histórica de suas terras não está vinculada ao fato de um povo ter ocupado determinada região em 5 de outubro de 1988, porque muitas comunidades são nômades ou foram retiradas de suas terras pela ditadura militar. Aguardam a decisão do Supremo 226 processos sobre terras indígenas ainda não demarcadas.

Segundo o Censo Demográfico 2022, 1.693.535 brasileiros se declaram indígenas, ou seja, 0,83% da população residente do país. No Censo de 2010, segundo o IBGE, eram 896.917 pessoas. Ou seja, a população indígena variou 88,82% em 12 anos. Nesse período, as terras indígenas demarcadas passaram de 501 para 573. Como era de se esperar, a Região Norte concentra 44,48% da população indígena do país, com 753.357 pessoas. A Região Nordeste reúne 31,22% da população indígena, com 528.800. As duas regiões somam 75,71% da população indígena do Brasil.

Duas unidades da federação concentram 42,51% da população indígena residente no país: o Amazonas, com 490.854 (28,98%) e a Bahia, com 229.103 (13,53%). Mato Grosso do Sul vem em terceiro, com 116.346, seguido de Pernambuco, com 106.634, e Roraima, com 97.320. Estes cinco estados contabilizam 61,43% da população indígena.

Conceito genocida


A história do genocídio indígena no Brasil foi varrida para debaixo do tapete. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1500 eram aproximadamente 3 milhões de habitantes, sendo 2 milhões no litoral do país. Em 1650, esse número já havia caído para 700 mil indígenas e, em 1957, chegou a 70 mil, o número mais baixo registrado. De lá para cá, graças à atuação de indigenistas como o marechal Cândido Rondon e os irmãos Cláudio e Orlando Villas Boas, a população indígena começou a crescer.

A população em terras indígenas soma apenas 689,2 mil pessoas, sendo 622,1 mil indígenas (90,26%) e 67,1 mil não-indígenas (9,74%). Quase metade dessa população (49,12%) está no Norte, onde as terras indígenas tinham 338,5 mil habitantes, sendo 316,5 mil (93,49%) indígenas. Dos 630.041 domicílios ocupados, 137.256 estão dentro de terras indígenas (21,79%) e 492.785 (78,21%), de fora. Um dos problemas é que os índios não cercam suas terras, a demarcação é simbólica. É aí que entra o tal arame farpado.

Inventado em 1876, no Texas, por um jovem chamado John Warner Gates, sem o arame farpado não haveria a grande marcha para o Oeste nos Estados Unidos. Segundo o economista norte-americano Tim Harford (“50 coisas que mudaram o mundo”, editora Objectiva) essa invenção tornou possível assentar os colonos e apartar o gado das plantações, após a assinatura da Lei da Herdade, por presidente Abraham Lincoln. A lei especificava que qualquer cidadão honesto, inclusive mulheres e ex-escravos, podia tonar posse de até 65 hectares de terras no Oeste norte-americano, então um espaço muito pouco explorado economicamente.

Influenciados pelo filósofo inglês John Locke, os fundadores dos Estados Unidos adotaram a tese de que os cidadãos, ao trabalhar a terra, passariam a possuí-las. Esse argumento legitimou o genocídio dos índios norte-americanos, ao ser usado impiedosamente contra eles. Os nativos não teriam direito a suas próprias terras porque não as estavam desenvolvendo. Como os fatos jurídicos são abstratos, para usufruir a posse das terras, os colonos precisavam demarcar seus domínios. Seis anos após sua invenção, no ano de 1980, foram produzidos 423 mil quilômetros de arame farpado numa fábrica em Dekalb, o suficiente para dar dez voltas ao mundo.
 

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