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Estado de Minas ENTRE LINHAS

O ministro boa-praça e os generais legalistas

O compromisso com a hierarquia e a disciplina foi mantido à custa da conivência dos militares com os protestos e do imobilismo diante do que ocorreu domingo"


12/01/2023 04:00 - atualizado 11/01/2023 22:51

vandalismo em brasília
(foto: EVARISTO SÁ/AFP)

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, é um político escolado e sagaz, capaz de conduzir negociações delicadas e manter o diálogo positivo em momentos de estresse, graças à sua fleuma de saquarema pernambucano. É conservador, experiente nas negociações com o Congresso e no relacionamento com a alta burocracia da República. Boa-praça, desconheçe um inimigo figadal na política. Desde que assumiu, seu espírito conciliador com os bolsonaristas, inclusive com o ex-presidente Jair Bolsonaro, sofre o “fogo amigo” do PT, acirrado ainda mais por causa da avaliação equivocada de que os acampamentos à porta dos quartéis se dissolveriam espontaneamente.

Há no governo e fora dele os que desejam um ministro durão, para “enquadrar” as Forças Armadas, como se isso fosse possível numa canetada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, não pensa dessa forma e o mantém no cargo, apesar do desgaste que Múcio sofreu por causa da invasão do Palácio do Planalto. A sede do governo deveria ter sido defendida pelo Batalhão de Guarda Presidencial, criado há 200 anos com essa finalidade, mas não foi o que aconteceu. Houve conivência dos militares. Entretanto, o Exército sai mais desgastado do episódio do que o ministro da Defesa. Se compararmos com a situação anterior, noves fora o que houve no domingo, restabelecer o caráter civil do Ministério da Defesa e do próprio governo é um grande avanço.

Um balanço do que houve no domingo mostra também que o vandalismo bolsonarista resultou no fortalecimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no alinhamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário em defesa da democracia e no repúdio aos golpistas de quase toda a sociedade civil. Mas há um grande ponto de interrogação: as Forças Armadas foram capturadas por Bolsonaro e seu projeto antidemocrático?. Aparentemente, não, apesar da antipatia dos militares em relação a Lula e do apoio majoritário ao projeto de re-    eleição de Bolsonaro. Prevaleceu a autoridade dos generais legalistas. Entretanto, o compromisso com a hierarquia e a disciplina foi mantido à custa da conivência dos militares com os protestos contra o resultado da eleição e do imobilismo diante do que ocorreu domingo.

Professor de história moderna e contemporânea da IFCS/UFRJ e de teoria política do CPDA/UFRRJ, o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, num artigo publicado na revista Brasil de Fato, em janeiro de 2020, chamava a atenção para o fato de que os militares, mais de 30 anos após o fim do regime militar, “representam uma memória reconstruída pela direita nacional, cristã e dita patriótica, como repositório salvacionista-institucional” contra os movimentos populares e a esquerda, rotulados de comunistas e bolivarianos. Além disso, a expectativa ‘salvacionista’ em torno dos militares transbordara para amplos setores da sociedade e grupos políticos.

Morrer na praia

“Trata-se, sem dúvida, de uma herança cesarista, com raízes em movimentos como o tenentismo, na Revolução da Aliança Nacional Libertadora, de 1934/35, ou nos regimes militares do tipo Juan Velasquez Alvarado (1968-1975), no Peru”, destacava. Não se tratava, necessariamente, da presença física de elementos humanos unindo épocas, apesar do fato de o general Augusto Heleno ter sido ajudante de ordens do general Sílvio Frota, demitido do cargo de ministro do Exército pelo presidente Ernesto Geisel por ser contra a abertura política do regime, mas do “compartilhamento de memórias inventadas e da construção contínua da história através de entidades infrainstitucionais, especialmente os colégios e escolas militares, as cerimônias e liturgias militares, as ordens do dia e entidades militares”.

“O papel da memória reconstruída, compartilhada e da liturgia corporativa são, neste processo, fundamentais”, destaca Teixeira. Graças a esse caldo de cultura, as manifestações de 2013 foram o catalisador do posicionamento político das Forças Armadas. Os militares apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff, no bojo de um processo político de colapso econômico do governo petista e seu isolamento político, com a bandeira da ética predominando na política, em razão da Operação Lava-Jato. A contrapartida foi o restabelecimento do controle militar sobre o Ministério da Defesa, com a nomeação do general Joaquim Silva e Lula para o cargo pelo presidente Michel Temer, que assumira o poder.

O comandante do Exército à época, general Eduardo Villas Boas, cuja liderança na Força era indiscutível, na crise, resgatou e ressignificou o papel de tutela das Forças Armadas sobre as instituições republicanas, com o diagnóstico de “um país à deriva”. O ponto culminante desse protagonismo foi o seu famoso tuíter dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF), para que não concedesse um habeas corpus ao ex-presidente Lula, candidato favorito às eleições de 2018, que foi preso. O grande beneficiário foi Jair Bolsonaro, cuja vitória representou a volta dos militares ao poder, pelas urnas. Nesse aspecto, a vitória de Lula nas eleições de 2022 deixa a mesma sensação de “morrer na praia” da eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985.

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