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As lições da Revolução Francesa para a Lava-Jato

O Supremo Tribunal Federal também fica na berlinda ao pôr freio na Lava-Jato e garantir amplo direito de defesa aos réus


postado em 01/10/2019 04:00 / atualizado em 01/10/2019 07:44

O procurador-geral da República, Augusto Aras, e outras autoridades criticam jacobinismo da Lava-Jato(foto: PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO)
O procurador-geral da República, Augusto Aras, e outras autoridades criticam jacobinismo da Lava-Jato (foto: PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO)

A Operação Lava-Jato foi irremediavelmente politizada, para o bem e para o mal. No primeiro caso, tornou-se um vetor decisivo da renovação dos costumes políticos do país, com forte impacto na mudança de comportamento dos partidos e gestores públicos, quando nada pelos efeitos que teve no processo eleitoral passado e, tudo indica, também terá no próximo. No segundo, pelo forte viés jacobino de seus integrantes, cujos métodos heterodoxos estão comprovados e provocaram reações do Congresso e do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que colocaram em xeque a legitimidade dos métodos adotados nas investigações.

Todo jacobinismo tem o seu Termidor. A expressão tem origem na Revolução Francesa. Entre os anos de 1792 e 1794/95, essa foi a fase mais popular do movimento. A Assembleia, no ano de 1792, aprovou a declaração de guerra contra a Áustria, mas a burguesia e a aristocracia da Gironda, que haviam destituído o rei, traíram a revolução. Os jacobinos, liderados por Robespierre, tomaram o poder e impuseram uma nova república. Luiz XVI e Maria Antonieta foram presos e decapitados. A Constituição de 1793 garantiu o direito de voto a todos os cidadãos, a lei do máximo, a venda de bens públicos para recompor finanças, a reforma agrária, a extinção da escravidão negra nas colônias e a criação do tribunal revolucionário.

Mas esse foi também o período do Terror. Robespierre agiu como ditador e condenou todos os que eram considerados suspeitos à guilhotina. Entre junho de 1793 e julho de 1794, 16.594 pessoas foram executadas, sendo 2 639 só em Paris. A perseguição aos girondinos tornou-se uma perseguição a todos os "inimigos" da Revolução, inclusive alguns jacobinos, como Danton. O Terror terminou com o golpe do Termidor (27/28 de julho de 1794), que desalojou Robespierre do cargo de presidente do Comitê de Salvação Pública e o executou no dia seguinte, junto com Saint-Just e mais de uma centena de líderes jacobinos.

A Reação Termidoriana, organizado pela alta burguesia financeira, pôs fim à participação popular. Um novo governo, o Diretório (1795-1799), em aliança com o exército, elaborou a nova constituição. No entanto, não era respeitado pelo povo, que acreditava na necessidade de uma espada salvadora que pudesse manter a ordem. É aí que surge Napoleão Bonaparte, general mais popular na época, que suprimiu o Diretório e instaurou o Consulado, com o golpe de 18 de brumário (9 de novembro de 1799), dando início ao período napoleônico. 


Naufrágios 


Esse ciclo revolucionário, ao longo da história, se repetiu em vários países e diferentes momentos da História. O norte-americano Mark Lilla, no livro intitulado A mente naufragada, destaca que muito se estudou as revoluções, mas pouco se conhece a reação a elas. As ideias que surgiram nesses períodos hoje alimentam a radicalização política no mundo. O reacionário, segundo Lilla, é uma espécie de náufrago nas mudanças, que sofre com a nostalgia de um passado idealizado e o medo da catástrofe.

O jacobinismo da força-tarefa da Lava-Jato provocou uma forte reação política do presidente Jair Bolsonaro, do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e do novo procurador-geral da República, Augusto Aras. Não estão unidos num bloco monolítico; apenas convergem, apesar de alguns interesses conflitantes. Bolsonaro está mais preocupado com as investigações sobre as milícias do Rio e com o caso Queiroz, que atinge diretamente seu filho Flávio Bolsonaro (PSL), senador fluminense. O Congresso aprovou uma lei de abuso de autoridade que muitos interpretam como autoproteção; outros, como intimidação de delegados, promotores e juízes. Sua constitucionalidade é controversa em vários aspectos.

O Supremo também acabou na berlinda, porque resolveu dar um freio de arrumação na Lava-Jato e garantir amplo direito de defesa aos réus, além de contingenciar as investigações com base em dados fiscais sem autorização judicial e impor limites às condenações. Essas tensões passam para a opinião pública a sensação de que o crime compensa e que os políticos e a magistratura se mancomunaram para acobertar a corrupção nas altas esferas do poder. Isso tudo é muito ruim para a democracia.

Por isso mesmo, a modulação da decisão do Supremo sobre a anulação da condenação do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida, porque suas alegações finais não foram apresentadas depois das dos réus colaboradores, é crucial para o futuro da Lava-Jato. Dependendo da jurisprudência, pode resultar na anulação da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mais de uma centena de outros réus da Lava-Jato e provocar uma grave crise política. Lula, que não é bobo, prefere continuar preso em vez de aceitar o regime semiaberto ao qual tem direito. Jura inocência e prefere ser um mártir da democracia.




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